20/10/2022

STJ muda entendimento sobre correção de depósitos judiciais

Por Joice Bacelo, Valor — Rio
Fonte: Valor Econômio
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou a
jurisprudência sobre a correção dos valores que são depositados em juízo,
pelos devedores, nas ações de cobrança. Ficou definido, em sessão
realizada ontem, que esses depósitos não se equiparam à quitação da
dívida.
Significa que, lá na frente, quando o processo se encerrar e o credor tiver
acesso aos valores, o devedor ainda estará sujeito ao pagamento de juros.
A conta, portanto, poderá ficar mais cara.
O entendimento do STJ, até aqui, firmado em recurso repetitivo, era de que
a obrigação se extingue. Cabia aos bancos que gerenciam as contas judiciais
fazer a correção dos depósitos.
As instituições financeiras arcam com os juros e a correção monetária do
momento em que o dinheiro é depositado pelo devedor até a data do
levantamento da quantia pelo credor.
Os ministros estão considerando agora, no entanto, que esses valores
podem não ser suficientes. Os bancos fazem a atualização pela poupança,
enquanto que as condenações podem prever, por exemplo, INPC e juros.
Nesses casos, portanto, o devedor terá que pagar a diferença. Ele poderá
utilizar o valor depositado em juízo para abater do total estabelecido na
sentença.
Esse tema entrou e saiu de pauta — por pedidos de vista — algumas vezes
desde junho de 2021. E dividiu os ministros. Foi concluído, na sessão de
ontem, com placar apertado: 7 a 6. Coube ao ministro Og Fernandes, vicepresidente
da Corte, proferir o voto de minerva.
Os ministros que votaram contra consideraram não existir um critério
objetivo para a revisão da jurisprudência. Não houve, por exemplo, uma
mudança na lei ou algo diferente de 2014 — quando o repetitivo foi firmado
— para cá.
“O que se está fazendo é, em pouquíssimo tempo, revogar aquele
entendimento e criar outro. É um perigo. Uma tese que se perde hoje no
plenário, daqui a um tempo volta com outra roupagem e a segurança não
prevalece”, criticou o ministro Luís Felipe Salomão.
Prevaleceu, no entanto, o entendimento da relatora, a ministra Nancy
Andrighi, pela mudança de jurisprudência. Ela afirmou que, na época do
julgamento repetitivo, o enfoque foi a responsabilidade da instituição
financeira pela remuneração do depósito judicial.
Apesar de a redação final do tema fazer referência expressa à extinção da
obrigação do devedor, por causa do depósito judicial, acrescentou, a Corte
Especial não se debruçou no efeito dos depósitos sobre a mora do devedor.
O que se estaria fazendo agora, segundo Nancy Andrighi, portanto, seria
um complemento à tese fixada no ano de 2014.
Ainda assim, na última vez em que o caso esteve em pauta, no mês de
março, a ministra — depois de ouvir os colegas que votaram de forma
contrária — pediu vista regimental para estudar melhor os requisitos e as
causas de admissibilidade para revisão de jurisprudência.
As discussões, ontem, foram abertas por ela. Nancy Andrighi afirmou que
os requisitos de admissibilidade já haviam sido analisados e reconhecidos
pela Corte, por unanimidade de votos, em julgamento no ano de 2020. Não
haveria motivo, portanto, para reexame.
O julgamento do mérito foi retomado, então, com o voto do ministro Og
Fernandes — o único entre os votantes que não havia ainda se
pronunciado. Ele concordou com a relatora, mas propôs que a Corte
modulasse os efeitos da decisão.
Essa sugestão foi colocada em votação, mas a maioria dos ministros
entendeu que não havia necessidade e o resultado foi proclamado pela
presidência.
O recurso em análise na Corte Especial — que servirá como precedente
para todo o país — é o desdobramento de uma ação de cobrança movida
pela concessionária Nett Veículos, de São Paulo, contra a BMW Brasil (REsp
1820963).
Havia um contrato de exclusividade para a revenda de veículos da marca,
esse acordo foi cancelado e a concessionária obteve na Justiça o direito ao
pagamento. O valor do depósito, nesse caso, segundo a concessionária,
está R$ 3 milhões abaixo do que o estabelecido na decisão.
Para Paulo Lucon, advogado que representa a concessionária no caso, a
decisão faz justiça. “Porque o credor tem que receber aquilo que está no
título executivo. Estamos falando de uma decisão transitada em julgado
dizendo qual índice é aplicável”, afirma.
O representante da BMW Brasil no caso também foi procurado, mas não
deu retorno até o fechamento da edição.
Especialista na área, Aracy Barbara, sócia do VBD Advogados, diz que a
decisão deixa claro o entendimento que deve ser adotado no Judiciário.
Antes, apesar de existir uma tese fixada em repetitivo, afirma, as turmas do
STJ demonstravam posições divergentes sobre o tema. “A depender da
turma que fosse sorteada para julgar o recurso, credores e devedores
tinham interpretação distinta sobre seus direitos e obrigações.”