14/10/2022

Condenado por cartel poderá ter que pagar em dobro prejuízo a concorrentes

Por Raphael Di Cunto e Beatriz Olivon — De Brasília
Fonte: Valor Econômico
Empresas condenadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) por infração à ordem econômica poderão ter que pagar, na Justiça,
indenização em dobro a concorrentes afetados. A Câmara dos Deputados
aprovou projeto de lei que amplia a punição a quem praticar cartel, pacifica
os prazos prescricionais e estimula acordos de leniência. O texto vai à
sanção presidencial.
O superintendente-geral do Cade, Alexandre Barreto, afirma que o projeto
cria mecanismos para desestimular práticas anticoncorrenciais e incentivar
que os envolvidos firmem acordos de leniência. “O projeto incentiva a
reparação de danos, o que traz força à política de combate a cartéis,
preserva e incentiva a política de acordos do Cade”, diz.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência (Ibrac),
Bruno Drago, a proposta é “bastante equilibrada” e deve contribuir para
desenvolver um ambiente institucional de livre concorrência mais eficiente.
A tramitação do Projeto de Lei nº 11.275, de 2018, que altera a Lei de
Defesa da Concorrência (nº 12.529, de 2011), chamou pouca atenção por
ter ocorrido apenas nas comissões e não suscitar muitos debates. O apoio
foi unânime entre os partidos e o governo.
Em julho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o aprovou em caráter
conclusivo e, na segunda-feira, acabou o prazo para apresentação de
recurso. Como nenhum foi protocolado, o que obrigaria o texto a passar
pelo Plenário, o texto seguirá para sanção presidencial.
A principal inovação do projeto para inibir práticas desleais de concorrência
está na possibilidade de empresas prejudicadas poderem pedir na Justiça
que aquelas beneficiadas reparem em dobro os danos e perdas sofridos. A
punição é adicional à multa administrativa de até 20% do faturamento
imposta pelo Cade e também a possíveis sanções criminais para os donos e
diretores da companhia.
Entre as infrações à ordem econômica estão, por exemplo, combinar ou
manipular preços com concorrentes, subordinar a venda de um bem à
aquisição de outro (a chamada “venda casada”), explorar abusivamente
direitos de propriedade, impedir o acesso de concorrente às fontes de
insumo ou atuar para limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao
mercado.
Essa possibilidade de a empresa que adotou práticas desleais de
concorrência ter que compensar a prejudicada com uma indenização já
existe há anos, mas na prática tem ocorrido com pouca frequência porque
existem diversos entraves para as ações de responsabilidade civil, segundo
Ana Frazão, advogada, professora de direito comercial na UnB e exconselheira
do Cade.
“O projeto de lei tenta resolver alguns desses problemas e cria uma série
de incentivos”, afirma ela. “São disposições muito importantes. É uma
forma que temos de resolver alguns problemas imensos que aconteciam e
criavam grandes desincentivos, quando não obstáculos insuperáveis para o
enforcement privado, que é a indenização.”
Além do ressarcimento em dobro, o projeto pacifica discussões que
ocorrem no Judiciário sobre quando se dá a prescrição do direito à
compensação. Até então, os embates eram se o prazo é de três ou cinco
anos e se é contado da época dos fatos irregulares ou da decisão do Cade.
O projeto determina o prazo de cinco anos, a partir da decisão final da
autarquia.
Segundo Ana Frazão, existe hoje muita discussão sobre quando começa a
prescrição e, por isso, é comum as partes esperarem o desfecho do
processo no Cade para só então entrarem com as ações de reparação. Com
isso, o prazo de compensação poderia já estar esgotado se considerada a
época dos fatos.
Alexandre Barreto destaca que o projeto também deixa mais claro que a
decisão do Cade é fato suficiente para comprovar a formação de um cartel.
Portanto, acrescenta, a partir desse julgamento quem foi prejudicado pode
pedir à Justiça a reparação dos prejuízos, sem precisar de um processo
judicial à parte para discutir a existência de cartel. O juiz já poderá decidir
liminarmente embasado em condenação proferida pelo Plenário do Cade.
A proposta ainda cria incentivos para a realização de acordos de leniência -
onde a empresa admite malfeitos e combina uma forma de reparar os
danos. Quem assinar a leniência ou termo de compromisso de cessação de
prática não estará sujeito à reparação em dobro dos prejuízos causados e
nem responderá solidariamente pelos danos causados pelos demais
integrantes do cartel.
O texto também determina que não se presume a existência de sobrepreço
nos pedidos de compensação por prejuízos causados por cartéis e que
quem alegar essa questão deverá apresentar provas para receber a
indenização. Ana Frazão ressalta que uma das dificuldades atuais para os
pedidos de ressarcimento surge quando a cartelista sustenta que o
sobrepreço chegou até o consumidor, que é quem teria direito a uma
eventual indenização, e não caberia ao concorrente cobrar dela eventuais
perdas.