13/10/2025

Superlotação torna ponte aérea Rio-SP nove minutos mais longa

Fonte: Valor Econômico

A superlotação do terminal de Congonhas tem sido uma pedra no sapato das
companhias aéreas do Brasil e já aumentou a duração da ponte-aérea Rio-São
Paulo em cerca de 15%. No acumulado deste ano até agosto, contra igual
período de 2015, a viagem até o Aeroporto Santos Dumont, que antes durava
em média 58 minutos, passou a ser concluída em 1 hora e 7 minutos, um
aumento de cerca de 9 minutos, considerando arredondamentos, segundo
dados coletados nas bases da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O cenário já apertado deixa as empresas preocupadas sobretudo com o ano que
vem, quando as obras do terminal de São Paulo, tocadas pela concessionária
espanhola Aena, devem se acelerar. Ao Valor, a empresa aponta melhora nos
indicadores desde o início de sua concessão.
O cálculo do tempo de voo entre os aeroportos leva em consideração o horário
em que o avião liga o motor na origem e começa a se movimentar até a parada
total da aeronave no destino (chamado na indústria de hora bloco).
Considerando a operação das aéreas, com um número superior a 20 voos por
dia na ponte aérea, a duração 15% maior da viagem significa que as companhias
precisam alocar uma aeronave a mais apenas para lidar com essa nova realidade.
No setor, Congonhas é conhecido hoje como o aeroporto mais complexo de
se operar no Brasil, com pouca margem para se administrar imprevistos.
Qualquer atraso ou problema gera um forte efeito cascata, difícil de ser
acomodado, já que tanto Congonhas quanto o Santos Dumont têm limites de
horário de operação.
A situação deve se agravar a partir de 26 de outubro, quando o terminal deverá
perder um importante respiro. Isso porque os 20 horários de pouso e
decolagem (“slots”) da Voepass - em recuperação judicial após os reflexos do
acidente em agosto de 2024 - vão ser distribuídos entre as outras aéreas.
“É verdade que temos visto um tempo mais longo no solo em Congonhas no
último ano. E parte disso é a questão das obras, e também estrutural.
Congonhas é complexo. Pista curta, redução de horário e espaço aéreo mais
congestionado”, disse Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil, maior aérea hoje
em operação no país. Apenas a Latam viu uma alta de 7 minutos no tempo da
aeronave em solo no terminal paulistano nos últimos 12 meses.
No geral, aéreas afirmam que o congestionamento em Congonhas foi agravado
com a decisão de elevar de 41 para 44 o número de movimentos por hora em
2023, sem a contrapartida de ampliação da infraestrutura.
Melhorias efetivas, segundo Cadier, devem começar a acontecer apenas em
2027, quando estão previstas entregas de obras para acelerar o uso da pista. “Até
lá, vai ser complicado. A gente vai sofrer. Vamos ver como as obras avançam”,
comentou.
Fontes próximas às aéreas afirmaram ainda que, ante o maior fluxo, as empresas
tiveram de incorporar esse tempo maior dentro do planejamento de malha.
Congonhas é complexo. Pista curta e espaço aéreo mais congestionado”
— Jerome Cadier
O congestionamento é uma realidade também no céu, reflexo do fluxo de voos
de Guarulhos (SP) e Viracopos (Campinas), que influenciam o controle do
espaço aéreo. “Muitas vezes o avião decola [no Rio] e o controlador já pede
para reduzir a velocidade, porque o avião está sendo ‘sequenciado’ para entrar
em Congonhas. Com isso, essa aeronave às vezes é jogada para Santos para
aguardar”, disse uma fonte.
Se de um lado Congonhas tem uma demanda elevada, por outro é disputado de
forma acirrada pelas aéreas. Pelas regras da Anac, as companhias precisam
manter um elevado nível de pontualidade e eficiência na operação. Caso não
consigam tais patamares, podem vir a perder “slots” com baixa performance na
temporada seguinte. Dessa forma, todas as companhias deixam aeronaves e
tripulação extras no terminal para conseguir compensar eventuais atrasos de
conexão ou problemas técnicos.
A maior preocupação da indústria com o congestionamento em Congonhas
levou as aéreas a absorver esse atraso nas estimativas de voo. Ou seja, ao invés
de projetar chegar ao Santos Dumont em 58 minutos, já projetam 10 minutos
a mais. O reflexo disso é que, ao fim, a pontualidade é mantida nos indicadores
do terminal.
“O grande problema de operar em Congonhas é a forte oscilação. Hoje é feito
um voo com 1h10, no dia seguinte, com 1h. É preciso colocar no planejamento
um tempo de voo maior para cobrir, caso a operação seja dilatada”, disse uma
fonte.
A previsão é que em março Gol e Azul se mudem para novos hangares. A Gol,
inclusive, mudou sua sede em fevereiro, que ficava em Congonhas e foi
transferida para a Chácara Santo Antônio.
A maior dúvida agora das empresas é como vai ficar a dinâmica de pátio para
os aviões a partir do ano que vem, quando as obras vão se acelerar e envolver
também o redesenho do pátio e abertura de novas posições de parada.
Apesar do receio, fontes do setor apontam nos bastidores que a Aena já
conseguiu entregar melhorias no terminal, sobretudo com sistemas novos e que
começaram a ser integrados com os das aéreas. O grupo espanhol é o maior
operador aeroportuário do mundo e seria o agente ideal para tocar uma obra
tão complexa, que será executada enquanto o aeroporto mantém sua operação,
na visão da indústria.
O que de fato define capacidade em um aeroporto são sobretudo três fatores:
pista, pátio para estacionamento e terminal de embarque. E eles só devem ser
melhorados efetivamente no fim de 2028.
Kleber Meira, diretor-executivo de Congonhas, disse que desde 2023 a Aena
investiu cerca de R$ 150 milhões em melhorias imediatas e não obrigatórias.
Entre as prioridades esteve a reorganização da chegada de passageiros via carros
de aplicativo, assim como a ampliação das faixas nas pistas de acesso ao
terminal, para aumentar o fluxo. O grupo investiu ainda em máquinas de raiox
para reduzir filas durante os períodos de pico, além de ter ampliado de 1,4 mil
para 3,3 mil metros quadrados o espaço da sala de embarque remoto (que fica
no andar inferior, em que os passageiros são levados de ônibus aos aviões). O
grupo diz que conseguiu reduzir em mais de um minuto o taxiamento em 2025,
o que representa, ao fim, 6 horas a menos no fluxo de aeronaves no sistema de
pistas.
“Entendo a preocupação das aéreas. Há uma pressão natural”, disse Meira,
ponderando que as obras hoje evoluem sem grande impacto em indicadores
importantes.
O executivo reconhece que a segunda fase de obras, prevista para o ano que
vem, será mais desafiadora. “Quando tiver início a construção das novas
posições remotas e pátio, começamos a ter caminho de obra. O avião vai ter de
fazer todo o acesso [e passar por essas obras]”, explicou. Meira destacou ainda
que após alguns problemas de atraso de aéreas em meados de novembro, o
terminal voltou a operar com boa pontualidade.
Procuradas, Gol e Azul não comentaram a operação durante as obras do
terminal.