04/11/2025

TJRS discute inclusão tardia de empresa em recuperação judicial

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) discute a possibilidade de
inclusão tardia de empresa em recuperação judicial, quando envolve
mesmo grupo econômico. A situação é incomum, não definida por lei, e há
precedentes em ambos os sentidos. O caso envolve credores e a Medabil,
fabricante gaúcha de construções metálicas. O litígio levou à suspensão da
assembleia e da própria reestruturação.
Após mediação infrutífera com as empresas Medabil, Bassano e Debida, o
grupo ajuizou pedido de reestruturação, em março de 2024, mas deixou de fora
a Debida, holding patrimonial. Oito meses depois, a Debida mudou de ideia e
pediu para entrar no processo, três dias antes do encontro com credores. A
dívida do grupo é de R$ 654 milhões, além de passivo de R$ 264 milhões não
submetido à ação.
A empresa também solicitou o cancelamento da assembleia. Ela chegou a ser
reagendada para setembro e outubro deste ano, após o juiz da recuperação,
Gilberto Schafer, admitir a terceira companhia. Mas após um recurso de credor,
a assembleia foi novamente suspensa, assim como a própria reestruturação, até
que se apure a legitimidade de a holding integrar a recuperação.
O desembargador Gelson Rolim Stocker, do TJRS, chegou a indicar, na decisão
que suspendeu a assembleia, “possível orquestração de blindagem patrimonial
com a finalidade de frustrar credores”. Há, no processo, alegação de que a
holding transferiu 25 imóveis para sócios antes do pedido tardio, a fim de
esvaziar patrimônio. Segundo a administração judicial, feita pelo Brizola e Japur,
a empresa ainda teria patrimônio suficiente, mesmo após a transferência.
O movimento foi encarado por credores e pelo próprio Judiciário, em liminar,
como tentativa de retardar e tumultuar a recuperação, além de contrariar
princípios da boa-fé e transparência. O adiamento da assembleia, segundo
credores, foi proposital. Isso porque o grupo sabia que não teria votos para
aprovar o plano - é preciso maioria em todas as classes. Sem votos, a rejeição
da proposta poderia levar à falência.
Segundo especialistas, é incomum o ingresso de uma empresa em recuperação
já em curso. A Lei nº 11.101, de 2005, não prevê como proceder nessas
situações. Mas alguns direcionamentos foram dados pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ), em decisão de agosto do ano passado. Os ministros permitiram
ingresso tardio da Ecoserv na reestruturação do Grupo Dolly, de refrigerantes,
por confusão patrimonial e “disfunção societária” entre elas.
Não tem jurisprudência dominante e é muito particular”
— Samantha Longo
No acórdão, a ministra Nancy Andrighi, diz que, em situações excepcionais, o
juiz pode determinar a inclusão, sob pena de extinção do processo. Seria a
hipótese do Grupo Dolly, pois é “um grupo empresarial que tentou dissimular
sua existência no intuito de proteger interesses escusos”. Admitir a Ecoserv na
ação não seria obrigá-la a litigar, acrescenta, mas “não permitir que o Judiciário
seja utilizado para legitimar o comportamento gravemente disfuncional do
grupo empresarial” (REsp 2001535).
O caso da fabricante de refrigerantes, porém, destoa da situação da Medabil.
Isso porque no caso do Grupo Dolly não houve pedido voluntário para entrar
na reestruturação, mas sim determinação do juízo, após pedido do
administrador judicial, que constatou a existência de grupo econômico. Já na
ação da fabricante de aço, foi a Debida que pediu o ingresso depois, após o
Ministério Público pleitear a inclusão compulsória da empresa. A administração
judicial já havia recomendado a medida.
O procedimento é definido na lei como consolidação processual e substancial.
A primeira permite a reestruturação em um único caso, para unificar atos
processuais. A segunda permite assembleia e plano único, como se fosse um
CNPJ. Mas, para isso, é preciso ter a confusão patrimonial - quadro societário
semelhante, garantias cruzadas, relação de controle, dependência e atuação
conjunta no mercado.
Na reestruturação da Medabil, credores dizem que só há coincidência de
endereços e parte dos sócios. “Não há confusão patrimonial, porque há
segregação de ativos e passivos. Se não há confusão patrimonial, não há que se
falar em consolidação substancial, cada empresa tem que votar seu plano”, diz
o advogado Diogo Rezende de Almeida, sócio do Galdino, Pimenta, Takemi,
Ayoub, Salgueiro, Rezende de Almeida.
Almeida representa o fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC)
Ativos Especiais III, da Vinci - maior credor com R$ 106 milhões de exposição,
cerca de 20% do passivo. Para ele, a atitude da Debida é contraditória. “Ela não
pode deixar de fazer o pedido e às vésperas da assembleia resolver pegar carona
no pedido das outras”, afirma. Na visão dele, essa escolha foi proposital. “Foi
um abuso de direito para suspender a assembleia, como uma medida
desesperada, porque ela possivelmente não conseguiria a aprovação.”
Após o TJRS deferir o recurso do FIDC, impedindo a consolidação substancial,
mas mantendo a assembleia, a Debida conseguiu suspender a reunião de
credores, em recurso, assim como a recuperação. O caso segue para o STJ. Até
nova decisão, as companhias não estão protegidas pelo stay period, ou seja, as
cobranças e execuções estão em curso.
Acionista da Medabil, Cesar Brugnera diz que os minoritários não queriam a
inclusão da Debida, pois as empresas não se confundem. “Incluir uma empresa
lucrativa, sólida, que não deve nada a ninguém em uma recuperação sob o
pretexto de proteger patrimônio é um absurdo”, afirma.
Brugnera também alega que o fundo da Vinci teve acesso a informações
privilegiadas das empresas do grupo, antes da recuperação. "O fundo tinha um
mandato, acesso às informações financeiras da companhia. Não poderia sair
comprando dívida e agora colocar a faca no pescoço da empresa”, completa.
Procurada pelo Valor, a Vinci não quis comentar o assunto.
A advogada Samantha Longo, sócia do Longo Abelha, diz que a empresa pode
participar da mediação e não participar da recuperação judicial. Mas pedir o
ingresso depois no processo é mais delicado. “Não tem jurisprudência
dominante e é muito particular, no caso a caso, o juiz entender se faz sentido o
litisconsórcio ou se foi um pedido para ganhar tempo e retardar a não aprovação
do plano”, afirma.
Segundo a advogada e administradora judicial Joice Ruiz, do AJ Ruiz, a
consolidação substancial é medida excepcional, aplicável “quando identificada
disfunção societária grave e abusos perpetrados pelos devedores”. “Nesses
casos, ela é obrigatória e há litisconsórcio necessário, em favor da coletividade
de credores afetados, o que não pode ser modulado a critério exclusivo do
devedor”, diz.
O ingresso tardio, na prática, acarreta atraso no processo. “Deverá ser
publicado novo edital para habilitação dos credores, novo plano, novo prazo
para objeções será aberto e, finalmente, nova assembleia será convocada, sem
contar com o descompasso do prazo do stay”, afirma Leonardo Dias, do AJ
Ruiz. “Vai de encontro à celeridade que deve guiar os processos
recuperacionais.”
Em nota ao Valor, o MSC Advogados, que representa as devedoras, diz que “a
Medabil tem total interesse em dar seguimento ao processo e, em especial, à
realização da AGC [assembleia-geral de credores], que é um passo fundamental
para a sua reestruturação”. “O objetivo das recuperandas é a continuidade dos
seus negócios e a manutenção dos empregos, assim como o cumprimento de
todas as suas obrigações frente aos credores”, acrescenta (processo nº 5067855-
09.2024.8.21.0001).