TJMT afasta ITBI na transferência de bens para holding familiar
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (TJMT) afastou
a cobrança de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na
integralização de capital social feita por sócios a uma holding familiar. Os
desembargadores, por unanimidade, entenderam que a transferência de seis
imóveis de uma mesma família para a empresa, pelo valor histórico, não traz a
incidência do tributo, pois não foi formada reserva de capital. Logo, para a
Corte mato-grossense, o caso é de imunidade tributária.
A decisão, segundo tributaristas, é a primeira da segunda instância do Estado
favorável a contribuintes - algo também raro em outros tribunais estaduais.
O relator, o juiz convocado Luis Otávio Pereira Marques, fez uma distinção em
relação à tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a imunidade
do ITBI, prevista na Constituição Federal, sobre imóveis incorporados a pessoa
jurídica, se limita ao capital social. De acordo com o Supremo, é passível de
tributação o que excede esse montante (Tema nº 796).
A tese foi julgada pelo STF com repercussão geral, ou seja, é vinculante e deve
ser aplicada para todos os casos na Justiça sobre o tema. De acordo com
especialistas, o precedente, de 2020, fez com que muitos municípios lavrassem
autos de infração para cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor de mercado
do imóvel (maior) e o valor histórico (menor), como ocorreu no caso analisado
pelo TJMT, com a Saad Melo Investimentos e Participações.
O município de Cuiabá cobrou R$ 37 mil de ITBI (o equivalente a R$ 70 mil
hoje), pois entendeu que as propriedades não foram transferidas pelo valor de
mercado. Por isso, arbitrou a base de cálculo considerando que os imóveis
valiam R$ 3,6 milhões.
A integralização foi feita com base em valores históricos (R$ 1,8 milhão), o que
é permitido pela legislação. É uma forma de adiar o pagamento de Imposto de
Renda sobre o ganho de capital - que será pago quando houver a venda.
O magistrado afastou a incidência de ITBI por não haver a formação de reserva
de capital (parte do patrimônio líquido de uma empresa), como havia ocorrido
no caso julgado pelo Supremo. A decisão foi dada pelo Regime de Cooperação
da 2ª Câmara de Direito Público do TJMT em junho deste ano, reformando
uma sentença desfavorável.
“No caso concreto, não há demonstração de que houve destinação de valor
excedente à formação de reserva de capital, tampouco constituição de parcela
distinta da integralização, inexistindo base para aplicação da tese do Tema 796”,
afirmou o magistrado na decisão (processo nº 0050811-33.2015.8.11.0041).
Marques ainda levou em conta que o município de Cuiabá fez a cobrança sem
antes instaurar um processo administrativo. Isso violaria “os princípios
constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal”,
conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recursos
repetitivos (Tema 1113). Até a Procuradoria-Geral da Justiça de Mato Grosso
concordou com o argumento e foi favorável ao contribuinte.
A Secretaria Municipal da Fazenda defendeu, nos autos do processo, ser
possível a cobrança tributária. E que a operação configurou planejamento
patrimonial familiar, “o que reforça a inaplicabilidade da imunidade tributária
ao valor excedente”. Argumentou, ainda, que o contrato social não comprovou
a destinação empresarial dos imóveis.
Prefeituras viram uma oportunidade para sua saga arrecadatória”
— Ana Flávia Fagundes
Mas esse não foi o entendimento que prevaleceu. O advogado Alex Ferreira,
sócio do FCS Advogados, que atuou no caso, diz que a decisão foi a primeira
favorável no TJMT. “A jurisprudência consolidada do tribunal é de aplicar o
Tema 796 sem fazer distinção. Essa decisão foi mais cirúrgica”, diz. “Como não
fizemos reserva de capital, não daria para aplicar o Tema 796, então não tem
porquê tributar a diferença” afirma.
“Quando tem a reserva de capital fica bem claro que o próprio contribuinte
reconhece que o imóvel vale mais, mas é diferente do nosso caso”, adiciona.
“Foi demonstrado na declaração de Imposto de Renda que o valor é o mesmo
da integralização, não tinha reserva de ágio”, completa a advogada Cindy
Schossler Toyama, da mesma banca.
Ana Flávia Fagundes, do escritório AleixoMaia, diz que essa discussão ocorria
antes da decisão do STF. “Mas ela foi aflorada pela decisão, porque a forma
como foi ementada permitiu que municípios vissem uma oportunidade de
tributação”, diz, definindo o movimento das prefeituras como “saga
arrecadatória”.
Nos tribunais, são raros os casos em que há debate sobre a matéria, o que tem
gerado divergência entre as Cortes estaduais. “É um cenário de bastante
insegurança com a autuação dos municípios na cobrança de ITBI sobre o que
supostamente tá excedendo do capital social”, diz Ana.
Uma esperança pode vir de uma recente decisão do ministro Alexandre de
Moraes, do STF, em um caso similar ao do Mato Grosso, indica a advogada.
Nela, diz que a matéria é infraconstitucional, o que pode levar a análise ao STJ.
“Ele não analisou o mérito, mas falou que essa discussão sobre valor venal e o
constante na declaração de IR não foi analisado pelo Supremo”. “Pode ser um
avanço nos tribunais estaduais e levar a matéria ao STJ”, adiciona (RE 1548819).
Em nota, a Procuradoria-Geral do Município do Cuiabá (PGM) disse que
"respeita a decisão do Tribunal de Justiça, mas, avaliará a possibilidade de
recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou, até mesmo, ao Supremo
Tribunal Federal (STF)". Afirmou ainda que a arrecadação advinda do ITBI faz
parte do orçamento e decisões como esta "configuram perda de receita
atingindo a capacidade própria de investimentos". "Por isso, a necessidade de
esgotar a discussão do tema nos tribunais superiores", disse.