14/10/2020

Souza Cruz troca nome e cresce na pandemia

Por Bruno Villas Bôas — Do Rio
Fonte: Valor Econômico

Fundada em 1903 no Rio de Janeiro, a centenária Souza Cruz iniciou o
processo de mudança de nome para BAT Brasil, o que incluirá uma nova
logomarca. A novidade faz parte da estratégia do grupo controlador British
American Tobacco (BAT) de unificar o uso da marca e reorganizar as
operações pelo mundo.
As mudanças ocorrem em ano atípico com a pandemia. Pela primeira vez
em dez anos, as vendas de cigarros da empresa devem crescer no país - uma
alta de 4% frente a 2019, atingindo 40 bilhões de unidades. O resultado
reflete o fechamento da fronteira com o Paraguai, porta de entrada do
maior concorrente da empresa, o cigarro ilegal, que não paga impostos.
Além disso, as exportações da fabricante praticamente triplicaram no país
nos últimos meses, por causa da interrupção temporária de fábricas do
grupo em outros países, como Canadá, Argentina e Honduras, que sofreram
com “lockdowns” mais severos.
Presidente da BAT Brasil desde janeiro, o chileno Jorge Irribarra comanda a
empresa do “home office” em Santiago, no Chile. Em breve, estará
presencialmente na sede no Rio. Em março, a empresa inaugurou novo
escritório na capital fluminense - estourou a champanhe e, dias depois,
estavam todos em casa com as medidas de isolamento social.
O executivo diz que o processo de mudança da marca para BAT Brasil foi
iniciado com a troca de endereço de e-mail dos quase 5 mil funcionários. O
passo seguinte foi comunicar a alteração aos 200 mil pontos de venda e à
base de plantadores de tabaco no Sul. Redes sociais estão sendo
atualizadas.
“É uma marca antiga, gigantesca. Vai ser um processo, passo a passo. A
última fase será na virada do ano, para o público”, diz Irribarra, de 56 anos,
28 dos quais dedicados às áreas de marketing e vendas do grupo BAT em
diferentes países, inclusive o próprio Brasil.
A Souza Cruz pertence à British American Tobacco desde 1914, quando
comprou a empresa do fundador português Albino Souza Cruz, que
emprestou o sobrenome à marca. Após quase 70 anos na bolsa brasileira, a
empresa teve seu capital fechado em 2015. Com a recente reorganização,
a agora BAT Brasil tem sob seu guarda-chuva nove países, como Argentina,
Chile, Uruguai e Cuba.
Dos quase 5 mil funcionários, pouco mais de 400 foram temporariamente
afastados por apresentarem alguma condição de risco para a covid-19.
Outros empregados foram contratados para reforçar a operação da fábrica
localizada em Uberlândia (MG). De lá, os produtos são despachados para
36 centros de distribuição, chegando a 200 mil pontos de venda.
O reforço na operação foi necessário por causa de um insperado aumento
da demanda. O fechamento da fronteira com o Paraguai reduziu o oferta
de cigarro ilegal no país. Com isso, a participação do produto ilegal no
mercado brasileiro encolheu de 57% no fim de 2019 para 51% em agosto,
segundo a Kantar Worldpanel.
Além da menor oferta, o produto ilegal também ficou mais caro com a
valorização do dólar. Assim, as linhas mais baratas de cigarros da BAT Brasil
ganharam terreno. É o caso da Rothmans, que custa a partir de R$ 5,25 o
maço (20 unidades). Os preços do maço do cigarro ilegal vão de R$ 3,50 a
R$ 4,25.
Irribarra diz que, além da substituição do produto ilegal, algumas pesquisas
sugerem oscilações pontuais no incremento do consumo de cigarros
durante a pandemia. Com as pessoas mais tempo em casa, trabalhando em
espaços próprios, haveria liberdade e oportunidades para fumar cigarro.
Com isso, as vendas da companhia devem crescer para 40 bilhões de
unidades, acima dos 38,4 bilhões de unidades do ano passado. As vendas
estavam em declínio desde 2010, quando somaram 71,9 bilhões de
unidades, na esteira do menor consumo do produto e o avanço do mercado
ilegal.
“O resultado de 2020 está completamente fora de qualquer prognóstico”,
diz o executivo. “E é uma situação que foge ao controle da empresa e tende
ser revertida à medida que a normalização das atividades econômicas
ocorra”, acrescenta Irribarra, citando a reabertura parcial da fonteira com
o Paraguai.
Já o volume de exportação de cigarros da BAT Brasil cresceu 186% de
janeiro a setembro deste ano, frente ao mesmo período do ano passado,
atingindo a marca de 1,282 bilhão de unidades, com o objetivo de atender
a mercados do grupo no exterior que tiveram as atividades interrompidas
temporariamente.
Por ser uma mudança pontual em vendas e exportações, a empresa
mantém suas apostas na liberação da importação e venda dos cigarros
eletrônicos no Brasil, proibidos desde 2009. A companhia quer convencer a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de que os dispositivos
podem ajudar a reduzir os danos à saúde causados pelo cigarro tradicional.
A decisão sobre a liberação do cigarro eletrônico vem sendo adiada. Pelo
cronograma inicial da Anvisa, uma posição seria tomada em dezembro do
ano passado. Após audiências públicas sobre o tema, porém, o calendário
foi alterado para o fim de 2020 e, depois, para o início do ano que vem,
segundo informou a BAT Brasil.
Segundo Irribarra, o cigarro eletrônico está alinhado com a estratégia da
empresa de “reconhecendo nossa história, olhar para o futuro”. Isso
significa reconhecer que fumar tem risco para a saúde, por conta do
alcatrão, que tem alta correlação com tipos de câncer e outras doenças.
“Entendemos ser importante discutir o mérito do produto, o cigarro
eletrônico e outros vaporizadores”, acrescentou o executivo da BAT Brasil.
A questão é polêmica. Durante as audiências públicas, no ano passado,
autoridades médicas brasileiras refutaram a alegada diminuição de riscos
aos consumidores, ao afirmando que a nicotina, substância extraída do
tabaco, continua presente nos novos dispositivos.