STJ valida venda de imóvel por 2% do valor de avaliação em falência
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é válida a venda
de imóvel por 2% do valor de avaliação em falência. No caso, um credor
questionava a arrematação de terreno de 20 mil m² por R$ 110 mil em leilão na
falência da Bio Energias Comercializadora de Energia. Estava avaliado em R$
5,5 milhões.
Para os ministros, não cabe aplicar o conceito de “preço vil” (venda por valor
interior ao do edital ou menos de 50% da avaliação) em ações falimentares. A
decisão foi unânime e prevaleceu o voto do relator, ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva.
O entendimento dividiu advogados. Uns avaliam que o STJ trouxe segurança
jurídica, pois reforça a previsão da lei de que preço vil não se aplica para
alienações em falências. Isso porque o intuito é otimizar os ativos, liquidá-los
de forma célere e permitir o retorno do falido à atividade econômica.
Já a empresa insolvente Bio Energias, o administrador judicial do caso, o
Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo (TJSP) e um dos credores entendem o contrário. Para eles,
a venda por valor irrisório prejudica o pagamento aos credores e vai contra o
princípio de maximização dos ativos.
A Bio Energias vai recorrer, segundo o advogado da falida, Danilo Palinkas, do
Palinkas Advogados. O terreno é o ativo mais relevante da falência e a esperança
para os credores receberem algo. A dívida total da empresa é de R$ 32 milhões
e, de acordo com a administração judicial, só foi arrecadado até então R$ 40
mil.
Os ministros analisaram recurso do engenheiro Celso Jose Lins e Silva Alvarez
Prado, que levou o imóvel no certame e buscava reverter decisão do TJSP que
anulou o leilão. A venda foi questionada pela Companhia Energética de São
Paulo (Cesp), credora com exposição de R$ 9 milhões. A Cesp, nos autos, alega
prejuízo aos credores, além de enriquecimento sem causa de Celso Prado.
Segundo o processo, o imóvel, localizado em Itapecerica da Serra (SP), foi
colocado à venda três vezes, entre janeiro e fevereiro de 2023. A primeira
chamada estipulava lance inicial de R$ 5,5 milhões. Na segunda, o mínimo seria
50% do valor de avaliação, mas não houve propostas. Já na terceira, era previsto
no edital que “o bem será entregue a quem ofertar o maior valor”.
Como Celso Prado deu o maior lance, de R$ 110 mil, foi o vencedor. O juiz do
caso validou a arrematação, pois não houve vício ou irregularidade. No STJ, o
entendimento foi similar.
A controvérsia gira em torno da interpretação dos artigos 142 e 143 da Lei nº
11.101/2005 que afastam o conceito de preço vil em alienações falimentares,
frente a princípios do artigo 75 da lei que visam maximizar os ativos e proteger
credores. No TJSP, os desembargadores decidiram que mesmo a lei tendo
afastado a aplicação de preço vil, a arrematação do bem por 2% da avaliação
“viola os princípios do artigo 75 da referida lei” e é “francamente prejudicial
aos credores”.
No STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva reformou o acórdão do tribunal
paulista, pois entende que não se aplica o conceito de preço vil em alienações
falimentares. “Respeitadas as formalidades legais, garantida a competitividade,
com a ampla divulgação do leilão ou outra forma de alienação escolhida, não se
mostra possível anular o leilão com base na alegação de arrematação por preço
irrisório sem a respectiva proposta de melhor oferta”, disse (REsp 2174514).
Afirmou ainda que na impugnação não foi demonstrada irregularidade. E que
contestações baseadas no valor de venda “somente serão recebidas se
acompanhadas de oferta firme do impugnante ou de terceiro para aquisição do
bem”. “Diante da não apresentação de proposta de melhor preço, não é
possível anular leilão de imóvel no qual foram respeitadas as formalidades
legais, com base tão somente na alegação de arrematação por preço vil”, disse
Cueva, no voto.
Para Rodrigo Garcia, sócio do Galdino, Pimenta, Takemi, Ayoub, Salgueiro,
Rezende de Almeida Advogados, a decisão traz segurança jurídica para quem
compra ativos em falências. “Muitos juízes e tribunais flexibilizam a lei, então o
STJ ajuda a uniformizar a interpretação. A decisão foi técnica”, afirma. Como
as formalidades legais foram observadas, não haveria motivos para anular o
leilão, na visão dele.
Mas Garcia pondera que nem sempre observar o “mínimo legal” maximiza o
valor do bem. “O edital por si só gera publicidade, mas nem sempre ampla
publicidade é capaz de aumentar a competição e maximizar o valor do ativo”,
diz Garcia. Nesse caso, o ideal seria ter buscado um corretor para ajudar na
venda do terreno.
Danilo Palinkas afirma que não buscou corretor por ser incomum nesses
processos. “Se coloca alguém, pode ser visto como se a empresa estivesse
tentando direcionar”, diz. Sobre o entendimento do STJ, o advogado afirma
que afastar o conceito de preço vil prejudica a coletividade dos credores. “É
preciso fazer uma interpretação em conjunto e especificamente com o princípio
de maximização de ativos.”
É também o que pensa o administrador judicial da falida, Edson Freitas de
Oliveira, da Suporte Serviços Judiciais. “Não houve outras tentativas sem
sucesso de venda do imóvel, de forma que fosse razoável justificar a venda por
preço bem abaixo da avaliação em razão de dificuldades ocorridas na alienação
do bem.”
O Valor não conseguiu localizar a defesa de Celso Prado. A defesa da Cesp,
feita pelo Bichara Advogados, não quis comentar.