06/09/2024

STJ valida WhatsApp para citação de parte

Por: Adriana David
Fonte: Valor Econômico
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, pela
primeira vez, o uso de meios eletrônicos, como WhatsApp e e-mail, para a
citação de uma das partes de processo para a homologação de sentença
estrangeira. A decisão, proferida em sessão virtual pelos 15 ministros mais
antigos, foi unânime.
O julgamento é importante pela possibilidade de ser um precedente inclusive
para o caso do X, de Elon Musk, bloqueado por decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), após intimação da empresa por e-mail e do empresário por redes
sociais.
Prevaleceu o voto do relator, ministro Herman Benjamin, atual presidente do
STJ. “Embora a regra seja a citação, por rogatória [carta], de pessoa domiciliada
no Brasil, admite-se sua flexibilização em casos excepcionais quando verificado
que a finalidade da norma foi atendida: assegurar o devido processo legal,
garantindo o contraditório e a possibilidade de o demandado de exercer seu
direito de defesa”, afirma.
Segundo Benjamin, nesse processo (HDE 8123), há prova de que a parte
agravada, uma empresária, com domicílio no Brasil, “como demandada usual
em litígios judiciais, é habituada a criar óbices à sua citação por ritos formais -
inclusive, na mesma semana em que citada no processo alienígena, em âmbito
interno, foi citada por edital em demanda nacional, após esgotados os meios
para localizá-la”.
Além disso, o relator levou em consideração que, em várias oportunidades, a
empresária reconheceu, por meio de ligação telefônica ou troca de mensagens
por WhatsApp, que o direito que lhe era cobrado pela Oasis Medical
Investments LLC era devido e que realizaria acordo, o que não aconteceu por
ela impor termos que impediam a cobrança imediata dos valores.
A defesa da empresária entende, porém, que a citação de pessoa residente no
Brasil para responder a processo judicial no exterior deveria ter sido feita por
carta rogatória, com base na Convenção de Haia, de 1965. No processo, lembra
que a convenção prevê os meios alternativos para comunicação de atos judiciais,
entre eles, a autonomia para remetê-los, por via postal, diretamente a pessoas
que se encontrem no estrangeiro desde que o Estado destinatário não se
oponha.
“Ela [a empresária] usou subterfúgios para não aparecer”, diz o advogado Luis
Fernando Guerrero, sócio do escritório Lobo de Rizzo e representante da
empresa no processo. Para ele, o uso dos meios eletrônicos para citação
envolvendo pessoas físicas é uma tendência e para pessoas jurídicas está
previsto em lei - artigo 246 do Código de Processo Civil (CPC).
O dispositivo foi regulamentado em 2022 por meio da Resolução do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) nº 455. A norma determinou que as comunicações
processuais fossem executadas unicamente pelo Domicílio Eletrônico (e-mail).
O cadastro dos endereços eletrônicos passaria a ser obrigatório para União,
Estados, Distrito Federal, municípios, entidades da administração indireta e
empresas públicas e privadas.
Cecília Asperti, professora de Direito Processual Civil da FGV Direito SP,
lembra que aplicativos como o WhatsApp vêm sendo adotados desde a
pandemia. Ela defende, porém, a necessidade de regulamentação. “O CPC
prevê o uso de meios eletrônicos, sem especificar o WhatsApp, por exemplo.
Ao se fazer citação pelo aplicativo, coloca-se um terceiro no processo”, diz.
Vera Chemim, advogada constitucionalista, concorda que é indispensável
formalizar todos os meios eletrônicos como instrumentos legais para a
legitimação do recebimento de citações e intimações. “É preciso haver previsão
em lei federal que contenha técnica e detalhadamente o passo a passo para a sua
validade e eficácia.”
De acordo com ela, essa prática promoverá uma agilidade significativa para o
andamento dos processos em geral, aumentando os níveis de eficácia e
eficiência dos tribunais e comarcas que compõem o Poder Judiciário,
“eliminando procedimentos burocráticos que costumam retardar a solução de
muitos casos que demandam a participação da Justiça em nível internacional”.
Quanto ao caso concreto julgado pelo STJ, Vera afirma que a empresária ainda
pode apresentar recurso (reclamação) no Supremo Tribunal Federal para tentar
reverter a decisão. O precedente, para ela, poderia ser usado no caso Elon Musk
para tentar validar a intimação dele por rede social.
Ela defende, porém, com base na atual legislação processual civil, que o ministro
Alexandre de Moraes só poderia intimar Musk, um cidadão estrangeiro, por
meio de carta rogatória. “Ou a intimação pode ser declarada nula”, diz ela,
acrescentando que o caso de Musk difere em alguns aspectos do julgado pelo
STJ, “pois remete ao direito fundamental à liberdade de expressão, cláusula
pétrea e pilar de um Estado Democrático de Direito”.
Procurada pelo Valor, a defesa da empresária não deu retorno até o fechamento
da edição.