STJ reforça limites à base de cálculo presumida do ICMS-ST e resguarda a segurança jurídica tributária
Por: Ana Clara Vaz de Melo Miranda
Fonte: Folha de S. Paulo
A Primeira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) consolidou importante
precedente sobre o regime de substituição tributária do ICMS, ao decidir que
os Estados não podem aplicar simultaneamente dois modelos distintos de base
de cálculo presumida —o Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final
(PMPF) e a Margem de Valor Agregado (MVA). A decisão, no REsp nº
2.139.696/SP, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, envolvendo a Ambev
S.A. e o Fisco paulista, reafirma a segurança jurídica e a hierarquia normativa
no direito tributário.
O caso teve origem em auto de infração lavrado pelo Estado de São Paulo, que
exigia cerca de R$ 258 mil de ICMS referente a 2009. A controvérsia dizia
respeito ao critério de apuração da base de cálculo presumida, já que a Ambev
utilizou o PMPF, conforme a legislação estadual, enquanto o Fisco defendeu a
aplicação da MVA sempre que o valor das operações próprias fosse superior ao
PMPF. Essa prática resultava na coexistência de dois parâmetros distintos,
criando incerteza sobre o montante devido.
O ministro Gurgel de Faria afastou expressamente essa possibilidade,
ressaltando que não há autorização legal para que os fiscos estaduais alternem
ou combinem critérios de base presumida conforme o valor das operações. O
PMPF, obtido por levantamento amostral de preços no varejo, já reflete uma
estimativa média do mercado; variações individuais não justificam sua
substituição, sob pena de desnaturar o regime de presunção da substituição
tributária.
O relator destacou que a criação de um sistema híbrido de cálculo viola o
princípio da reserva legal (art. 150, I, da CF), segundo o qual apenas lei formal
pode definir a base de cálculo do tributo. Assim, portarias e decretos não podem
inovar na disciplina tributária. O Tribunal observou, nesse ponto, que a Portaria
CAT 111/2009, editada pela Secretaria da Fazenda paulista, extrapolou seus
limites ao permitir a aplicação combinada de PMPF e MVA, contrariando a Lei
Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir). O STJ reafirmou, portanto, o
princípio da hierarquia das normas, segundo o qual atos administrativos têm
função meramente operacional, não podendo ampliar o alcance da lei.
Ao limitar o poder regulamentar da administração tributária, o Tribunal
resguarda o equilíbrio federativo e impede que os Estados ampliem sua
competência tributária além dos contornos legais. A decisão reforça também a
importância da segurança jurídica e da previsibilidade das obrigações fiscais: no
regime de substituição tributária, o contribuinte substituto recolhe o imposto
de forma antecipada, com base em valor presumido, que não pode ser alterado
posteriormente conforme resultados individuais.
Permitir a modificação posterior da base de cálculo tornaria incerto o montante
devido e violaria os princípios da legalidade, da isonomia e da capacidade
contributiva. Nesse sentido, o entendimento se harmoniza com a jurisprudência
consolidada do STF e do STJ, segundo a qual o valor presumido é definitivo,
salvo nas hipóteses expressamente previstas de restituição (art. 150, §7º, da CF).
Sob o ponto de vista prático, a decisão traz estabilidade aos contribuintes, ao
assegurar a aplicação uniforme do PMPF, previamente definido e divulgado,
reduzindo o risco de autuações e litígios. Embora limite a margem de manobra
fiscal dos Estados, o entendimento favorece a transparência e a coerência do
sistema tributário, fortalecendo a confiança dos agentes econômicos.
Em um contexto de transição tributária —com a substituição do ICMS pelo
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)—, a decisão assume relevância adicional,
pois reafirma princípios que devem orientar o novo modelo de tributação do
consumo: simplicidade, neutralidade e segurança jurídica.
O precedente tende a influenciar novos julgamentos sobre a compatibilidade
entre atos infralegais estaduais e a Lei Kandir, especialmente em setores de alta
tributação indireta, como bebidas, combustíveis e alimentos.
Mais do que um caso pontual, o julgamento do REsp 2.139.696/SP representa
um marco na consolidação da legalidade e da coerência normativa no regime de
substituição tributária do ICMS. Ao vedar a aplicação simultânea de dois
modelos de base presumida, o STJ preserva a lógica do sistema e reforça a
previsibilidade nas relações entre Fisco e contribuinte.
Em tempos de reforma e complexidade regulatória, decisões como essa
funcionam como bússolas interpretativas, lembrando que a eficácia das normas
fiscais depende de clareza e estabilidade. O excesso de regulamentação e a
sobreposição de critérios não aumentam a arrecadação —apenas ampliam a
litigiosidade e reduzem a confiança.
A busca por eficiência arrecadatória não pode se sobrepor à legalidade. A
segurança jurídica, longe de ser obstáculo à tributação, é seu alicerce: garante
previsibilidade para o contribuinte e legitimidade para o poder de tributar.