STJ permite que Fazenda possa determinar a base de cálculo do ITCMD
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que as Fazendas
estaduais arbitrem a base de cálculo do Imposto de Transmissão Causa
Mortis e Doação (ITCMD), que incide sobre heranças e doações, quando
não concordarem com o valor do bem informado pelo contribuinte. O novo
valor fixado, porém, deve ser apurado por meio de processo administrativo
individualizado, respeitando o devido processo legal e o contraditório. O Fisco
ainda deve comprovar porque o montante apontado pelo contribuinte estaria
fora do valor de mercado.
A decisão, segundo especialistas, se alinha com a jurisprudência da Corte. O
entendimento, contudo, abre margem para que casos julgados pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), onde a jurisprudência é favorável a
contribuintes, sejam reformados pelo STJ - até então, eles não eram sequer
analisados. O tema foi julgado em recurso repetitivo, ou seja, deve ser seguido
por todo o Judiciário. O tribunal superior deu mais de 870 decisões sobre o
assunto, entre monocráticas e de turma (Tema 1371).
Advogados também dizem que, de certo modo, a decisão do STJ é positiva ao
obrigar a Secretaria da Fazenda apresentar prova para instaurar a ação de
arbitramento. Segundo eles, a Sefaz-SP não costuma adotar critérios objetivos
ou apresentar laudo técnico. “Já tive casos em que fazem pesquisas na internet,
no Quinto Andar e outros sites, de imóveis equivalentes na região e arbitram a
base de cálculo”, diz o advogado João Paulo Silveira, sócio do JP Silveira
Advogados, que atua em um dos casos julgados pelo STJ.
A decisão foi dada por maioria, na sessão de julgamento de ontem. Prevaleceu
o voto divergente do ministro Marco Aurélio Bellizze, seguido por seis
ministros. Ficou vencida a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que não
conheceu o recurso do Estado de São Paulo. Para ela, como a apuração da base
de cálculo do ITCMD não é determinada pela lei federal, não caberia ao STJ
analisar a matéria.
A Corte analisava se a prerrogativa do Fisco paulista de arbitrar a base de cálculo
do ITCMD advém da previsão do Código Tributário Nacional (CTN) ou da
norma local. No voto, Bellizze disse que esse direito decorre do artigo 148 do
CTN. Na visão dele, a legislação estadual tem “plena liberdade para eleger o
critério de apuração da base de cálculo do ITCMD” e é válida a prerrogativa de
instaurar processo de arbitramento.
Essa possibilidade havia sido vetada pelo TJSP, segundo o ministro. Para
Bellizze, o procedimento administrativo pode ser estabelecido para apurar o
valor do bem “em substituição ao critério inicial que se mostrou inidôneo a esse
fim a viabilizar o lançamento tributário”. Essa prerrogativa, acrescenta, “não
implica violação do direito estadual, tampouco pode ser genericamente
suprimida por decisão judicial”.
O processo, no entanto, deve ser instaurado apenas “quando as informações
ou os documentos apresentados pelos contribuintes, necessários ao lançamento
tributário, mostrem-se omissos ou não merecerem fé à finalidade a que se
destinam”. Compete ao Fisco “comprovar que a importância então alcançada
encontra-se absolutamente fora do valor de mercado”, observada a “ampla
defesa e o contraditório”.
Nos recursos, o governo estadual alegava que a transmissão de imóveis estava
abaixo do valor de mercado. Já os contribuintes defendiam que o Fisco estadual
não poderia arbitrar a base de cálculo do ITCMD quando seguiu regularmente
o que disciplina a legislação estadual, indicando o valor venal do IPTU.
Contribuinte pode fazer a contraprova e defender a eleição do valor do bem”
— Tatiana Chiaradia
O procurador do Estado de São Paulo Rafael Souza de Barros, na sustentação
oral feita em outubro, disse que o Fisco tem direito de arbitrar a base quando
entender que a declaração é abaixo do preço de referência ou “quando por
qualquer motivo os valores declarados pelo contribuinte não forem idôneos”.
“O Fisco, para afastar o valor declarado pelo contribuinte, tem o dever de
instaurar o procedimento administrativo para avaliação do valor venal do bem
e, assim, proceder ao lançamento do tributo.”
A tributarista Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Cukier, diz que a
decisão fortalece a jurisprudência anterior. “Os contribuintes estão assegurados
que esse procedimento deverá observar os princípios do devido processo legal,
da ampla defesa e contraditório, momento em que poderá fazer a contraprova
e defender a eleição do valor que mais se aproxima ao valor de mercado do
bem”, afirma.
Para o advogado João Paulo Silveira, a tese reafirma que o arbitramento deve
ocorrer em “situações excepcionais” e que “o ônus da prova é do Fisco”. O
caso em que ele atua está relacionado a um inventário, em que sua cliente
herdou imóveis dos pais. Entraram com ação judicial para pagar o ITCMD pelo
valor venal do imóvel, baseado no IPTU, e não o de referência, que está mais
próximo do valor de mercado.
Nesse caso, era uma diferença de R$ 8 mil de tributo a pagar - de R$ 30 mil para
R$ 38 mil. “Existe uma jurisprudência bastante consolidada no Tribunal de
Justiça de São Paulo que afasta a incidência do VVR [Valor Venal de Referência]
e manda aplicar o valor venal do IPTU, normal”, diz Silveira. Não foi possível
contato com a defesa do contribuinte do outro caso julgado pelo STJ.
Paulo Boechat Tôrres, sócio do Mauler Advogados, destaca que a decisão
“impôs balizas” para a abertura do processo de arbitramento. “Não é possível
que o Fisco instaure o arbitramento de forma generalizada e arbitrária, é preciso
que se demonstre a inadequação do critério inicial de apuração da base de
cálculo e o motivo pelo qual ele não se presta à aferição da base de cálculo
correta”, afirma.
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) diz que o
arbitramento é usado para apurar “divergências entre valor declarado e valor de
mercado” e que o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou válida a
prerrogativa de a Fazenda “averiguar a regularidade contábil do valor
patrimonial declarado para fins de ITCMD, afastando do cálculo desse imposto
manipulações contábeis ilícitas” (ADI 2.446).