26/06/2025

STJ definirá em recurso repetitivo quando incide IR e CSLL sobre valores devolvidos pelo Fisco a empresas

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará, por meio de recursos
repetitivos, um tema relevante para todas as empresas que discutem no
Judiciário o pagamento indevido de impostos. Os ministros definirão quando
ocorre a tributação pelo Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre
o Lucro Líquido (CSLL) do montante devolvido ao contribuinte que obtém
decisão judicial reconhecendo o pagamento indevido de um tributo.
A decisão da 1ª Seção vai pacificar a discussão sobre o assunto no STJ, além de
orientar os tribunais e varas do país. A questão afeta diretamente o fluxo de
caixa das companhias que têm créditos fiscais, como os relativos à “tese do
século” - que passou a permitir a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS
e da Cofins (Tema 69).
Muitos contribuintes que obtêm na Justiça o direito a créditos fiscais não os
utilizam 100%. Seja porque não têm débitos suficientes para fazer a
compensação, ou pelas limitações impostas pelo governo federal nos últimos
anos, após os créditos da tese do século terem reduzido a arrecadação. Um
exemplo é o estabelecimento do teto mensal para compensação de créditos,
criado pela Lei nº 14.783, de 2024. Mas recebem cobrança de IR e CSLL
incidentes sobre os valores não usados.
As empresas defendem que esses valores só podem ser tributados quando a
Receita Federal homologa o uso dos créditos para o pagamento de outros
tributos. Já o Fisco entende que o tributo deve incidir antes: logo que os créditos
judiciais são registrados na contabilidade da empresa - normalmente, no
momento em que há o trânsito em julgado da ação (quando não cabe mais
nenhum recurso).
Na visão dos contribuintes, se for considerado o marco temporal defendido
pela Receita, pode haver a tributação de um valor que sequer vai ser usado.
Segundo advogados, a Fazenda Nacional tem mudado seu entendimento sobre
a matéria ao longo dos anos. Um primeiro posicionamento por meio do Ato
Declaratório nº 25/2003, foi de que incidiria IR e CSLL no trânsito em julgado
da decisão judicial. O documento não tratava de compensação tributária, mas
de valores de precatório.
Anos depois, na Solução de Consulta Cosit nº 183, de 2021, a Receita passou a
orientar os fiscais do país no sentido de que essa tributação deve ocorrer na
entrega da primeira declaração de compensação pelo contribuinte. E, em 2023,
na Solução de Consulta Cosit 308, complementou: para quem registrar o crédito
antes de entregar a primeira declaração, é considerado o momento da
escrituração dos créditos tributários.
Nos tribunais, também existem correntes que defendem a tributação na data do
pedido administrativo da habilitação do crédito ou na data de entrega da
declaração de cada compensação. Esta última, segundo especialistas, é a
interpretação mais benéfica para contribuintes, pois permite a tributação na
medida em que os valores são compensados para quitar outros débitos fiscais.
No STJ, os precedentes são, em tese, divergentes entre a 1ª e a 2ª Turmas. A 2ª
Turma entende que incide IRPJ e CSLL após deferido o pedido de habilitação
do crédito pela Receita. É nesse momento que se “constata a disponibilidade
jurídica do acréscimo patrimonial" (REsp 2164212).
Já para a 1ª Turma vale a “homologação da compensação” para caracterizar o
fato gerador do IRPJ e da CSLL (REsp 2156259). Como este seria um “aparente
conflito” entre os colegiados e já existem 67 julgados sobre o assunto na Corte,
a Comissão de Precedentes do STJ indicou que o tema deve ser analisado pelos
ministros por meio de recursos repetitivos.
Fisco pode ter que devolver o IRPJ e a CSLL tributados de forma indevida”
— Letícia Micchelucci
Na 1ª Seção da Corte, que analisará o tema, o relator, ministro Teodoro Silva
Santos, disse, no acórdão, que se trata de “questão jurídica multitudinária” e que
há “divergência” entre os acórdãos de Tribunais Regionais Federais e os
precedentes do STJ. A princípio, o julgamento de mérito deve ocorrer em até
um ano (Tema 1362).
Nos quatro casos selecionados para julgamento com efeito repetitivo, os
contribuintes defendem que a tributação deve ocorrer com a homologação da
compensação, o que foi aceito pelo TRF da 3ª Região. A Fazenda Nacional
recorre em todas as ações, por entender que deve incidir o IR e a CSLL na
entrega da primeira compensação ou no registro contábil dos créditos.
A advogada Carolina Sposito, do Trench Rossi Watanabe, afirma que a
discussão abarca apenas os contribuintes que pagaram o tributo e discutem na
Justiça que ele não é devido. “A partir do momento que tenho uma decisão
judicial confirmando que aquele tributo não é devido e já foi pago, isso vira um
crédito para a empresa e ele adquire uma natureza de patrimônio”, diz. Por isso,
a Receita tributa.
Segundo Carolina, o debate sobre o momento da tributação ganhou relevância
com a tese do século, por conta dos montantes vultuosos envolvidos. Na visão
dela, não faz sentido tributar quando se faz o registro contábil dos valores.
“Quando se contabiliza, já se sabe o valor que vai pleitear o crédito, mas não
significa que a empresa vai usar, porque pode não ter com o que compensar”,
diz. “Vai ter que tributar algo que não vai utilizar”.
Já a tributarista Letícia Micchelucci, sócia do Loeser e Hadad Advogados, que
atua para uma das empresas envolvidas no repetitivo do STJ, diz que entrou
com a ação judicial no ano de 2022 para não ter a tributação de créditos da tese
do século antes de ter compensado os valores. “A disponibilidade jurídica e
econômica desses créditos só ocorre quando a Receita aceita que os valores
estão corretos, porque antes disso não tem liquidez nem certeza ou
definitividade do que se está compensando”, diz.
“Se se tributa sobre uma base que não era certa, em momento anterior à
homologação, o Fisco fica obrigado a devolver o IRPJ e CSLL que foi tributado
de forma indevida, então o contribuinte tem que entrar com outra ação para
pedir de volta”, completa. Ela acrescenta ainda que o próprio STJ já decidiu que
os tributos não devem incidir quando há “mera expectativa de ganho”.
As tributaristas explicam ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) já excluiu
a Selic, da tributação do IRPJ e CSLL, em casos de decisão que dá direito à
devolução de tributo pago indevidamente. Assim, para elas, a decisão do STJ
deve afetar o principal - tributo pago a maior, sem a correção monetária, pois
esta já foi devolvida aos contribuintes que tinham ação sobre o assunto com a
decisão do STF (Tema 962).
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não
deu retorno até o fechamento desta edição.