13/11/2025

STJ começa a julgar responsabilidade de fundos por perdas de cotistas

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar na terça-feira a
responsabilidade de fundos de investimento por perdas financeiras dos
cotistas. A 3ª Turma analisa o caso de uma investidora que pedia
ressarcimento por prejuízo arcado com o fundo Infinity, investigado por
fraude. Por enquanto, só a relatora, ministra Daniela Teixeira, votou. Ela foi
favorável à condenação da corretora que administra o fundo.
O precedente, que será o primeiro julgado do STJ sobre o tema, poderá
impactar a operação de empresas do mercado financeiro que são processadas
pelo mesmo motivo, independentemente de haver fraude, segundo
especialistas. Antes, ao menos os Tribunais de Justiça de São Paulo, Distrito
Federal e Goiás já haviam analisado casos semelhantes. Eles obrigaram os
fundos, as distribuidoras e as corretoras a ressarcir investidores de forma
solidária.
Para Daniela Teixeira, os fundos sucessores do Infinity e a distribuidora dos
títulos não podem ser responsabilizados pelas perdas dos investidores. O
julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Villas Bôas Cueva.
Mas os ministros Nancy Andrighi e Humberto Martins já anunciaram que
pretendem acompanhar a relatora.
No processo, uma investidora tinha aportado R$ 100 mil no Infinity, que foi
divulgado como um fundo de pagamento D+0 (imediato) e recomendado para
perfil conservador pela distribuidora (REsp 2230861).
Fundada por David Jesus Gil Fernandez, a gestora Infinity Asset fazia
operações com derivativos acima do limite para fundos de renda fixa,
assumindo riscos além do permitido por sua classificação. No fim de 2022, a
Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
(Anbima) retirou a certificação da gestora, o que culminou na primeira leva de
saques. Em fevereiro de 2023, o fundo foi fechado por iliquidez. A
desvalorização das cotas foi de quase 85%.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investiga a possibilidade de fraude
por parte de David Fernandez. A gestão anterior do Infinity também é alvo de
investigação criminal na Justiça Federal de São Paulo por iniciativa dos fundos
sucessores, Forte, Coral e Pipa. Eles estimam que cerca de seis mil investidores
tenham sido prejudicados (processo nº 5009764-78.2023.4.03.6181).
Se um pedido de reparação cível, que tramita atualmente na 41ª Vara Cível do
Rio de Janeiro e busca indenização pelas perdas, tiver resultado favorável,
poderá beneficiar os cotistas (processo nº 0841983-64.2025.8.19.0001). As
carteiras, atualmente, estão sob responsabilidade da Arm Capital, especializada
em ativos estressados. Ela estima que haja 144 ações individuais pedindo
ressarcimento dos prejuízos.
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), havia aplicado o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) ao caso, equiparando o pequeno investidor a um
comprador. Condenou, solidariamente, o Vanquish Pipa (o primeiro sucessor
do Infinity), a Modal (distribuidora de títulos e valores mobiliários, que hoje
pertence à XP) e a RJI Corretora (que atua como administradora do fundo) a
ressarcir a autora em R$ 100 mil mais correção monetária e juros de 1% ao mês.
Segundo a defesa da investidora, feita pelo advogado Guilherme Vaz Porto
Brechbühler no STJ, houve falha no dever de informação ao se comercializar
um título, com perfil conservador e resgate imediato, que estava sob
investigação. “Não cabe transferir o ônus do investimento para quem aporta
R$ 30 mil, R$ 50 mil, R$ 100 mil nas cotas de um fundo de investimento”, disse.
“Esse risco tem de ser assumido por aqueles que estão desenvolvendo o
negócio”, acrescentou ele.
Os representantes das empresas envolvidas rechaçaram a aplicação do CDC.
Argumentaram que o funcionamento dos fundos é regido pela Lei da Liberdade
Econômica (Lei nº 13.874). Danielle Fernandes Bouças, do Vieira Rezende
Advogados, ao defender a RJI, destacou que a administradora é prestadora de
serviços para o fundo, e só poderia ter sido alvo de ação que partisse
diretamente do fundo, não de uma cotista individual. “O prestador de serviço
responde apenas em caso de dolo [intenção] ou má-fé”, destacou.
Por sua vez, o próprio fundo consiste em um condomínio de natureza especial,
formado pelo conjunto do patrimônio dos cotistas e, assim, não pode ser
responsabilizado por perdas individuais, destacou Ana Beatriz Vanzoff
Robalinho Cavalcanti, que representou o fundo Pipa no julgamento.
“Demandar o fundo é, em última instância, demandar os cotistas”, sustentou.
“Os danos pela má gestão foram sofridos de forma proporcionalmente igual
por todos os cotistas”, concluiu.
O advogado da distribuidora, Rodrigo Salomão, destacou que a Lei da
Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 2019), além da regulação da CVM,
estabeleceram uma matriz de risco para a regulação do mercado financeiro e a
responsabilidade de cada prestador de serviço.
“Atribuir responsabilidade de maneira ampla, automática e solidária subverte
toda essa lógica e, certamente, trará consequências regulatórias e econômicas
desastrosas para esse mercado altamente regulado”, afirmou.
A relatora, ministra Daniela Teixeira, não apresentou os fundamentos do voto,
mas condenou apenas a RJI, na qualidade de corretora, a ressarcir a investidora
pelas perdas. Em relação ao fundo e à distribuidora, ela acatou parcialmente os
pedidos feitos, sem apresentar detalhes, excluindo sua responsabilização
solidária. Ainda não há data para a retomada do julgamento.
Especialista em contencioso e arbitragem do Cascione Advogados, Luiz
Claudio Gonçalves Freire afirma que, sob a ótica de funcionamento dos fundos
de investimentos, não é possível aplicar indistintamente o CDC. “O fundo pode
ser tão prejudicado quanto os cotistas em casos de má gestão ou
descumprimento do seu regulamento pela gestora ou administradora”, afirma.
“É comum que o fundo busque em juízo a reparação pelos prejuízos, o que, na
prática, se reverte em favor dos cotistas, mediante a recomposição do
patrimônio do fundo.”
Segundo Freire, se o voto da ministra relatora tiver esse fundamento e
prevalecer, o entendimento vai representar um avanço relevante na
jurisprudência. “Trará maior segurança jurídica ao setor, ao reforçar a distinção
de responsabilidades entre os agentes que compõem a estrutura dos fundos de
investimento.”
Procurada pelo Valor, a RJI disse que “sempre agiu em conformidade com a
legislação vigente e tendo como princípio as melhores práticas de mercado,
atuando de forma diligente em nome dos investidores que representa”.
Acrescentou que “não é e nunca foi responsável pela gestão dos fundos Infinity;
logo, nunca teve o poder de decisão sobre a escolha de ativos”. A gestão dos
fundos preferiu não se manifestar. Procurada pelo Valor, a XP não retornou até
o fechamento da reportagem.