STJ: Antigo dono deve pagar condomínio de imóvel leiloado
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o antigo
proprietário é quem tem a responsabilidade pela dívida do condomínio de
um imóvel arrematado por leilão. Segundo advogados, a decisão destoa da
jurisprudência, que impõe ao arrematante do certame público o
pagamento dos débitos. A decisão foi unânime, dada em julgamento realizado
ontem.
O caso trata de dívida de R$ 738 mil, reconhecida por sentença em 1998, de
imóvel situado no Jardim Paulista, em São Paulo, avaliado em R$ 1 milhão. Ele
foi a leilão em 2017 para saldar o passivo e o próprio condomínio o arrematou
por 50% do valor de avaliação, isto é, por R$ 606 mil. O antigo proprietário é
a Cimob Participações, atual Gafisa, condenada a pagar o montante.
No STJ, a controvérsia gira em torno da interpretação do artigo 1.345 do
Código Civil. O dispositivo estabelece que o adquirente de uma unidade
responde pelos débitos do alienante.
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o diferencial do caso é que não
constava no edital do leilão a dívida condominial. Mesmo assim, ainda seria
possível o arrematante se tornar responsável pelo débito se houvesse outros
meios para ele ter ciência da dívida (REsp 2197699).
“Se, embora por outro meio, foi atingida a finalidade de informar
antecipadamente aos interessados sobre as despesas condominiais aderidas ao
imóvel dando-lhes oportunidade de, ao seu critério, desistir da participação na
hasta pública, não soa razoável declarar a nulidade da arrematação e do
respectivo edital apenas para privilegiar a formalidade em detrimento do fim a
que se destina a norma”, disse Nancy, citando precedente.
Na visão dela, deve permanecer a responsabilidade do antigo proprietário pelo
débito no período em que imóvel era de sua titularidade. “Tendo ocorrido a
arrematação por valor insuficiente para saldar a dívida de forma integral, não se
justifica o provimento do recurso”, acrescentou a ministra. Ela manteve decisão
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
O advogado da Cimob na ação, Leopoldo Loureiro, sócio do Leopoldo
Eduardo Loureiro & Advogados Associados, diz que ainda é preciso ver o
acórdão para opinar sobre eventual recurso. Ele alega que, como o próprio
condomínio arrematou o imóvel, seria difícil ele desconhecer a dívida. “Ainda
que não constante o valor da dívida no edital, era óbvio que arrematante sabia
da dívida e sabia do valor”, afirma.
Segundo Loureiro, o imóvel já foi vendido e quitado há três décadas. “O imóvel
era de um terceiro que comprou, mas não registrou a escritura, então ficou em
nome da Cimob ainda”, diz. Outro argumento é que o condomínio acabou se
tornando credor e devedor, se fosse admitida a sucessão. “Esse tipo de
confusão geraria a extinção da dívida”, completa o advogado.
Ele ainda afirma que a empresa não tem como pagar o passivo. “Vai caber ao
condomínio decidir como quer receber, mas vai ser bem difícil”, adiciona.
Recentemente, no processo de execução, foi deferida a penhora de cotas sociais
de empresas do grupo, mas que, segundo Leopoldo, “estão quase inativas, então
não vai gerar impacto financeiro”.
A advogada Regina Céli Silveira Martins, do VBD Advogados, diz que a decisão
destoa de julgado anterior. "O STJ já havia reforçado entendimento de que o
arrematante pode vir a responder por débitos anteriores à arrematação do bem,
ainda que não constantes do edital, se deles havia como ter tomado ciência”,
afirma ela, citando o REsp 2097540.
O julgamento, acrescenta, “aparentemente vai de encontro a este entendimento
anterior, transferindo ao antigo proprietário do imóvel a responsabilidade pelo
pagamento dos débitos anteriores à arrematação, mesmo sendo o arrematante
o próprio condomínio, ou seja, com ciência da existência de débitos anteriores”.
“É necessário analisar com cautela o acórdão tão logo este seja disponibilizado
para que possamos entender se houve de fato uma alteração de entendimento”,
completa Regina.
O advogado Thiago Badaró, do Nardes Badaró Advocacia, diz que a dívida de
um imóvel tem natureza “propter rem”, isto é, “acompanha o imóvel”. “Em
regra, a dívida é de responsabilidade do arrematante, desde que esteja publicado
no edital que há débitos vinculados ao imóvel, como IPTU e condomínio.”
Mas, nesse caso, pesou o fato de a dívida não ter sido publicada na hasta pública
e o valor pago não ser suficiente para quitar o passivo. “É muito injusto alguém
dever um valor muito além do valor do imóvel, dar o imóvel para saldar a dívida,
mas o montante que falta ser extinto”, diz Badaró, que enfrenta caso similar
sobre adjudicação.
O advogado entende que, nesse tipo de ação, o posicionamento do STJ não é a
melhor opção para que a dívida seja, de fato, quitada. “É muito melhor cobrar
de quem adquire o bem na arrematação. Se for um terceiro, ele tem o dinheiro
para pagar a dívida”, acrescenta. “Já um cenário de que o devedor não tem
dinheiro para pagar e perde o imóvel acaba sendo uma desvantagem, porque
ele está insolvente e não conseguiria pagar a dívida na sua integralidade.”
Procurada pelo Valor, a defesa do condomínio não deu retorno até o
fechamento da edição.