STF retoma julgamento de multa isolada por erro em obrigação tributária
Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, pela quinta vez, o julgamento
virtual do caráter confiscatório da multa isolada no âmbito tributário. A multa
é cobrada pelo Fisco quando há descumprimento ou erro alguma obrigação
tributária acessória -- declarações e emissões de documentos fiscais exigidos
junto com os recolhimentos de tributos.
O julgamento começou em novembro de 2022, mas foi interrompido por dois
pedidos de vista e dois pedidos de destaque, que foram posteriormente
cancelados (RE 640452). Até agora, votaram o relator, ministro Luis Roberto
Barroso, e os ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Cristiano Zanin.
Tanto Barroso quanto Toffoli concordam que é preciso haver limite para
aplicação desse tipo de multa, mas divergem a respeito do patamar máximo que
elas podem atingir. Para Barroso, o teto deveria der de 20% sobre o valor do
tributo devido ou pago. O relator foi acompanhado por Fachin.
Toffoli propõe um teto mais alto, de até 60% do valor do tributo, quando
houver essa obrigação tributária, mas podendo chegar a 100% se houver
circunstâncias agravantes. Quando não houver tributo ou crédito vinculado, ele
admite o patamar de até 20% como teto para a multa, podendo chegar a 30%
se houver circunstâncias agravantes. Zanin seguiu a divergência.
Caso concreto
No caso levado ao Supremo, a Eletronorte questionava uma lei do Estado de
Rondônia, hoje revogada, que instituía multa de 40% sobre o valor da operação
se alguma obrigação acessória fosse descumprida. No processo, a empresa
deveria pagar R$ 168,4 milhões por não emitir notas fiscais em compras de
diesel para geração de energia termelétrica.
O ICMS devido havia sido recolhido pela sistemática da substituição tributária,
em que um contribuinte da cadeia adianta o pagamento em nome dos demais.
O valor da pena imposta à Eletronorte pelo descumprimento da obrigação
acessória foi o dobro do montante do imposto pago.
A Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), que atua no processo
caso como parte interessada (amicus curiae) fez um levantamento sobre o tema
englobando 16 Estados.
Destes, 11 aplicam multa por descumprimento de obrigação acessória sobre o
valor da operação, e não sobre o valor do tributo - o que deixa a conta muito
mais alta. São eles: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso, Paraná, Santa Catarina, Amapá, Ceará, Rio Grande do Norte e
Sergipe.
Segundo Tiago Conde, que defende a Eletronorte no processo, explica que está
em jogo o reconhecimento do caráter confiscatório da multa. "Muitas vezes
o contribuinte não cumpriu a obrigação acessória por não saber sequer que ela
era devida", afirma. "A decisão do Supremo pode ajudar a trazer estabilidade,
porque o descumprimento de obrigação acessória não pode acarretar em uma
multa com caráter confiscatório, para fins meramente arrecadatórios", defende.
Outro lado
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende a União como
parte interessada no processo, e sustenta que estabelecer um patamar único
para as multas isoladas “iria em descompasso com o princípio constitucional da
igualdade, pelo qual as situações devem ser tratadas de forma distinta na medida
de suas particularidades”.
Segundo o órgão, o dinheiro dessas multas é usado na garantia de ações de
interesse público, como o combate à lavagem de dinheiro, preservação do meio
ambiente, a proteção ao mercado interno, a lealdade de concorrência e a
proteção sanitária. "Elas têm uma importância extrafiscal (além da arrecadação)
e, muitas vezes, incidem em setores sensíveis, como combustíveis, bebidas e
cigarros", exemplifica.
Dessa forma, conclui o órgão, os diversos patamares das multas não ferem o
princípio constitucional da capacidade contributiva. “É preciso que essas
sanções sejam interpretadas em conjunto com outros princípios constitucionais,
como isonomia, segurança jurídica, lealdade de concorrência, proteção sanitária
e o desenvolvimento nacional.”
A Procuradoria-Geral do Estado de Rondônia também foi procurada, mas não
respondeu até o fechamento da reportagem.