STF autoriza cálculo de multas administrativas com base no salário mínimo
Por: José Higídio
Fonte: Consultor Jurídico
É possível fixar multas administrativas em múltiplos do salário mínimo, uma
vez que não há impedimento para que ele seja usado como mera referência, sem
indexação econômica. Foi o que decidiu o Plenário do Supremo Tribunal
Federal em sessão virtual encerrada nesta terça-feira (4/11).
O caso tem repercussão geral, ou seja, a tese estabelecida servirá para situações
semelhantes nas demais instâncias da Justiça.
Contexto
O recurso levado ao STF tratava de multas administrativas aplicadas a empresas
e estabelecimentos que exploram atividades farmacêuticas sem comprovar que
elas são exercidas por profissionais habilitados e registrados no Conselho
Federal e nos conselhos regionais de Farmácia. A Lei 5.724/1971 estabeleceu
que o valor dessas multas deve ser de um a três salários mínimos.
Mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região extinguiu uma execução fiscal
movida pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRFSP)
contra uma drogaria e anulou as multas aplicadas.
Na ocasião, os desembargadores apontaram que o inciso IV do artigo 7º da
Constituição proíbe a vinculação do salário mínimo “para qualquer fim”.
Também lembraram que o próprio STF tem diversos precedentes contrários à
fixação dessas multas administrativas em múltiplos do salário mínimo.
O CRF-SP recorreu, alegando que a regra da Constituição se restringe às
situações em que o salário mínimo é usado como indexador econômico — ou
seja, quando o valor de algo é vinculado de forma automática às variações do
mínimo. No caso das multas administrativas, ele seria apenas uma referência.
Voto do relator
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso. Para ele,
estabelecer a multa administrativa em múltiplos do salário mínimo não viola a
regra da Constituição. O magistrado foi acompanhado por Alexandre de
Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques e Luiz Edson Fachin.
Embora o STF já tenha reconhecido a inconstitucionalidade da regra da lei de
1971 em algumas oportunidades, Gilmar apontou que essa posição não é
unânime. Em alguns casos, a corte já validou o uso do salário mínimo como
mera referência, pois a regra da Constituição busca impedir apenas seu uso
como “fator de indexação econômica”.
O Supremo já validou, por exemplo, um trecho (hoje revogado) do Código de
Processo Penal (CPP) que usava o salário mínimo como parâmetro para multas
por abandono de processo (ADI 4.398).
Em outra ocasião, validou o capital social mínimo de cem salários mínimos para
a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli).
Os ministros também já permitiram que pensões alimentícias sejam
estabelecidas com base no salário mínimo. Outro precedente autorizou o uso
de múltiplos do mínimo como base para o piso salarial de médicos, dentistas e
seus respectivos auxiliares.
Além disso, a própria legislação brasileira tem diversas regras que utilizam o
salário mínimo como critério para fixar multas e outras obrigações. O Código
Penal, por exemplo, prevê prestação pecuniária de um a 360 salários mínimos
como pena alternativa e estabelece o valor do dia-multa como uma fração do
salário mínimo vigente à época dos fatos.
O CPP usa o salário mínimo para fixar multas em caso de recusa injustificada
ao serviço de júri. Já o Código de Processo Civil traz múltiplos do mínimo ao
fixar as multas por descumprimento de decisões, litigância de má-fé e embargos
de declaração protelatórios.
“Diferentemente de verbas remuneratórias, a aplicação de multas não tem
sequer o potencial de gerar efeito de indexação econômica”, apontou o relator.
Isso porque tais sanções são eventuais e vinculadas à violação de obrigações:
“Essa natureza episódica impede que a multa possa servir de referencial para o
reajuste de outros valores ou para a correção monetária periódica”.
O valor da multa também não tem relação direta com o poder de compra dos
trabalhadores, como ocorre com as verbas remuneratórias. “Não se vislumbra
qualquer efeito indexador da aplicação de multa administrativa”, concluiu o
magistrado.
Divergência
O ministro Dias Toffoli divergiu do relator, pois considerou inconstitucional a
cobrança de multas calculadas com base no salário mínimo. Mas o voto ficou
vencido — apenas Cármen Lúcia, Luiz Fux e André Mendonça seguiram esse
entendimento.
Segundo Toffoli, apesar da “oscilação jurisprudencial”, o STF nunca validou o
critério do salário mínimo como base de cálculo para outras verbas ou como
indexador econômico, exceto nas hipóteses permitidas pela Constituição.
“A jurisprudência se solidificou no sentido da impossibilidade da adoção do
salário mínimo como fator genérico de indexação para quaisquer verbas,
cálculos ou reajustes de obrigações de natureza não alimentar.”
O magistrado apontou que a jurisprudência do Supremo só admite a vinculação
de parcelas ao salário mínimo quando elas dizem respeito à preservação das
garantias e dos direitos sociais do trabalhador, para suprir suas necessidades
básicas. As penalidades administrativas não se enquadram nessa categoria.
De acordo com ele, o uso do salário mínimo como parâmetro para aplicação
das multas administrativas do CRF representa “desvio de finalidade da função
social do instituto”. Além disso, o reajuste destoa dos índices oficiais da inflação
de cada período, o que gera “um ônus desproporcional” para quem é
fiscalizado.
ARE 1.409.059