Reforma padroniza e aumenta ITCMD em 14 Estados e no DF
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Além de tornar obrigatória a progressividade da alíquota do Imposto de
Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que incide sobre herança e
doação, a reforma tributária uniformizará a base de cálculo do tributo nos
Estados, que hoje adotam quatro conceitos diferentes. Para holdings
familiares, a mudança pode aumentar a cobrança tributária em 14 Estados e
no Distrito Federal (DF) que atualmente permitem usar o valor patrimonial de
bens - mais próximo do de custo do que o de mercado - nessas transmissões.
Com a reforma, na sucessão ou doação de cotas sociais de empresas, a base de
cálculo deve ser o valor de mercado dos bens que compõem o patrimônio
líquido, acrescido do fundo de comércio. Para o presidente da Federação
Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo
Spada, a mudança traz justiça tributária, isonomia e corrige falhas legislativas.
A mudança impacta sobretudo contribuintes de São Paulo, onde a lei e a
jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJSP) consideram o patrimônio líquido
nessas hipóteses. O desfecho foi favorável às famílias em 95% dessas disputas
no TJSP, segundo levantamento do BVZ Advogados compartilhado com
exclusividade ao Valor. O escritório identificou 67 acórdãos sobre o tema entre
fevereiro de 2023 e outubro de 2025. Desses, 64 acataram a tese.
Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), os precedentes são desfavoráveis. São
cinco julgados sobre o tema na 2ª Turma do STJ, todos favoráveis aos Estados.
Neles, os ministros permitem a desconsideração do valor patrimonial para que
seja calculado o valor de mercado por meio do arbitramento da base de cálculo.
Esse entendimento foi replicado em recurso repetitivo julgado anteontem, ou
seja, deve ser seguido por todo o Judiciário. Advogados destacam, porém, que
o Fisco deverá provar que o valor declarado está em disparidade com o de
mercado (Tema 1371).
Normalmente, essas discussões envolvem planejamentos patrimoniais e a
constituição de holdings para a transferência de imóveis a valor de custo por
meio da doação de ações. O Fisco, porém, entende que o imposto deve ser
cobrado considerando o valor atualizado. É daí que começam as autuações
fiscais e as discussões no Judiciário.
Com a reforma, os Estados ganham mais força para cobrar o tributo pelo valor
de mercado. Além de São Paulo, a alteração - prevista no Projeto de Lei
Complementar (PLP) nº 108/2024 - impacta famílias de outros 13 Estados que
adotam hoje em suas normas o patrimônio líquido como base. São eles: Minas
Gerais, Paraná, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Pará, Amapá, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Pernambuco, além do Distrito
Federal.
Proposta do Projeto de Lei Complementar nº 108 é dar mais munição aos
Estados”
— Tatiana Chiaradia
“A proposta do PLP é dar mais munição aos Estados para essa fiscalização, não
ficando presa ao valor patrimonial e permitindo que, olhando não somente o
valor do fundo de comércio, mas também o valor de mercado dos bens que
compõem o patrimônio líquido, podendo alcançar o valor real mais próximo
de mercado”, diz Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins Cukier.
Nas outras unidades federativas, como em Goiás, Acre, Amazonas, Paraíba e
Santa Catarina, as secretarias da Fazenda consideram o valor do patrimônio
líquido ajustado. No Rio de Janeiro e Maranhão, o valor de mercado. Roraima,
Bahia, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul usam o valor
venal.
Segundo Frederico Bastos, sócio do BVZ, esses três últimos critérios não são
objetivos como o valor patrimonial. “É um critério contábil objetivo. Quando
a gente vai para critérios de valor venal, patrimônio líquido ajustado ou um valor
de mercado da sociedade, acaba caindo numa subjetividade um pouco maior ou
para um arbitramento do Fisco.”
O arbitramento, ressalta, deve partir de uma prova que indique a
incompatibilidade dos valores. “Essa incompatibilidade tem que ser
demonstrada. Não é só dizer que não concorda, tem que ter algum lastro
documental de suporte para referendar o lado do Fisco, do porquê que ele está
atribuindo um outro valor àquela transmissão”, afirma.
Para segurança, ele sugere a constituição de laudo de avaliação da empresa para
apresentar em eventual contestação. “É uma segurança para o contribuinte.”
Como recomendação, Bastos diz que qualquer família que tem intenção de fazer
a transmissão por agora, considere fazer antes da reforma, para evitar desfecho
desfavorável na discussão do caso específico.
Para o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada, a alteração vai uniformizar a
base de cálculo do ITCMD nos Estados, que hoje adotam métodos de avaliação
distintos. “Essa possibilidade de utilizar qualquer método, por si só, já gera
discrepâncias entre avaliações. Mas o maior problema é que vários Estados
avaliam empresas sem nenhuma base técnica, utilizando apenas o valor do
patrimônio líquido contábil, o que pode fazer com que empresas sejam
avaliadas por um valor inferior a 10% do seu valor de mercado”, afirma ele,
citando São Paulo como exemplo.
Na visão dele, a jurisprudência do TJSP estimula a “pejotização” do patrimônio.
“Resulta em tratamento tributário favorecido para aqueles que possuem mais
patrimônio e conseguem constituir estruturas pejotizadas por meio de
consultorias, enquanto os que possuem patrimônio menor acabam pagando
mais imposto”, completa.
Com a aprovação do PLP 108, os Estados terão de editar novas legislações,
aplicando os novos critérios. Para Spada, além de gerar mais isonomia, evita
guerra fiscal e simulação de endereços. “Traz mais justiça fiscal ao tratar com
os mesmos critérios a avaliação dos bens independentemente de serem
transmitidos como pessoa física ou como PJ.”
Ricardo Oliveira, sócio de planejamento patrimonial da Act Investimentos,
entende que o novo dispositivo pode trazer mais subjetividade. “A falta de
critérios técnicos baseada num conceito muito amplo que é o valor de mercado
traz muita insegurança jurídica para o planejamento patrimonial e a sucessão. E
vai desafiar o Judiciário a assumir um papel que não é dele, de legislar”, afirma.
Para ele, a lei não poderia incluir na base do ITCMD o valor do fundo de
comércio, pois abarca ativos intangíveis, como lucros futuros, marcas e
patentes. “As empresas patrimoniais têm dois tipos de ativos, o imobiliário, que
é até um pouco mais fácil de avaliar, e o fluxo de caixa de aluguéis. Se quiser
fazer uma avaliação econômica da empresa, vai acabar misturando um ativo
tangível com um intangível, o que é muito subjetivo”, completa.
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE), em nota ao Valor, diz
que é um poder e dever do Fisco estadual “averiguar a regularidade contábil do
valor patrimonial declarado para fins de ITCMD, afastando do cálculo desse
imposto manipulações contábeis ilícitas”. Se o contribuinte usar "artifícios para
reduzir indevidamente o valor do patrimônio líquido nos balanços ordinários,
a partir dos quais se alcança o valor patrimonial contábil", cabe ao Fisco " afastar
essas manipulações e assim alcançar o verdadeiro ‘valor patrimonial contábil’”,
afirma.