11/11/2025

Receita restringe uso de créditos obtidos por meio de ações coletivas

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal criou mais critérios para a habilitação e uso de créditos
tributários reconhecidos em ações judiciais coletivas propostas por
associações. Por meio da compensação, esses créditos são usados como uma
espécie moeda, reduzindo o valor de imposto a pagar. Porém, nos últimos anos,
começaram a se multiplicar as chamadas “vendas de mandados de segurança
coletivos”, vistas como fraude pelo Fisco.
As novas determinações estão na Instrução Normativa da Receita Federal
nº 2288, publicada ontem no Diário Oficial da União. A IN prevê
expressamente, por exemplo, que o pedido de habilitação do crédito será
negado se o mandado de segurança coletivo tiver sido proposto por “associação
de caráter genérico” ou se a filiação à associação ou o ingresso na categoria
profissional tiver ocorrido após o trânsito em julgado da ação coletiva (quando
não cabe mais recurso no processo).
Estariam ocorrendo abusos no uso dessas ações coletivas e orientações
equivocadas com relação à compensação dos créditos nelas reconhecidos,
colocando contribuintes em risco de serem autuados, segundo o tributarista
Fabio Calcini, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
Os abusos mais típicos, segundo o advogado, eram de contribuintes que se
associavam a entidades localizadas em outros Estados ou referente a atividade
econômica distinta. “Agora a Receita exige pertinência com a associação ou
sindicato que entrou com a ação coletiva”, diz. “Se é uma associação de
frigoríficos, não é possível que uma empresa que comercializa celulares se
associe”, exemplifica.
Nesse sentido, segundo Calcini, a IN foi adequada e veio em boa hora para
limitar um uso fraudulento. “Até vendiam [associações] para o contribuinte usar
decisões que nem transitadas em julgado [concluídas] estavam”, afirma o
tributarista.
Receita deve exigir os critérios da IN para compensações já feitas também”
— Cristiane Matsumoto
Um ponto polêmico da IN, segundo o advogado, é a previsão de que o
contribuinte que aderir à entidade após o ajuizamento da ação, ainda que antes
da concessão do mandado de segurança, terá o creditamento limitado. ”É ilegal
e viola o direito do contribuinte”, diz. Calcini acredita que essa restrição pode
acabar sendo judicializada.
A Receita Federal deverá exigir o cumprimento dos novos critérios mesmo na
análise de compensações tributárias que já foram feitas e estão dentro do prazo
de cinco anos para homologação, segundo alerta a advogada Cristiane
Matsumoto, sócia do escritório Pinheiro Neto. “Teve um boom [nas
compensações], muito por conta dos julgamentos da tese do século e sobre o
Sistema S, e várias consultorias, assim como as próprias associações, acabaram
tentando vender mandados de segurança coletivos para as empresas”, afirma.
Pela tese do século, o Supremo Tribunal Federal excluiu o ICMS do cálculo do
PIS e da Cofins. Sobre o Sistema S, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que
as contribuições devidas ao Sesi, Senai, Sesc e Senac devem incidir sobre toda
a folha de pagamentos das empresas, mas, antes, decisões limitavam essa base
a 20 salários mínimos.
Cristiane acredita que isso pode ter motivado a Receita a impor mais
formalidades às compensações tributárias. A orientação aos clientes, diz ela,
sempre foi de checar a legitimidade, no estatuto da empresa, para aderir ao
mandado de segurança coletivo de alguma associação. “Agora, a documentação
necessária está mais clara”, afirmou, sobre a IN.
A IN determina que cada pedido de habilitação de créditos terá que ser
formalizado em um processo administrativo diferente, pelo site da Receita
Federal. Não será mais possível fazer a compensação tributária diretamente.
Além dos documentos que já eram obrigatórios, as compensações decorrentes
de mandado de segurança coletivo exigirão: a petição inicial da ação; o estatuto
da entidade que entrou com a ação vigente na data do protocolo do mandado
de segurança coletivo; a cópia do contrato social ou do estatuto na data do
ingresso na categoria ou da filiação; além de documento que comprove a data
de associação ou o ingresso na categoria e, se for o caso, a data de saída e o
inteiro teor da decisão judicial transitada em julgado.
De acordo com Sandro Machado dos Reis, sócio do Bichara Advogados, a
principal novidade é que os créditos compensáveis ficarão limitados ao período
posterior à filiação, à associação ou ingresso na categoria. Para o tributarista, a
restrição faz sentido com relação às associações genéricas, mas quando não for
esse o caso as restrições tendem a prejudicar créditos legítimos dos
contribuintes.
Nos casos em que o mandado de segurança coletivo não tiver delimitado o
grupo de beneficiários, será necessário que a associação tenha objeto
determinado e específico quando entrou com a ação e que o contribuinte seja
filiado à associação ou integrante da categoria profissional, desde que dentro da
abrangência territorial e de finalidade, segundo a nova norma.
Para o tributarista Breno Dias de Paula, do escritório Arquilau de Paula
Advogados Associados, na instrução normativa a Receita Federal sinaliza a
intenção de restringir o uso do mandado de segurança para a discussão sobre
créditos tributários. Também revela, segundo ele, o objetivo de limitar os efeitos
da coisa julgada. “Essas iniciativas, na prática, acabam por penalizar os
contribuintes e gerar insegurança jurídica”, diz.
O contribuinte só terá direito a crédito referente a fatos ocorridos depois da
filiação e enquanto ainda estiver na associação. Se quando pedir o ingresso na
ação coletiva já estiver em curso a execução do título judicial, diz a IN, será
necessário que o contribuinte apresente a cópia da decisão que homologou a
desistência da execução desse título ou a declaração pessoal de inexecução da
sentença no mandado de segurança coletivo, acompanhada de certidão
comprobatória.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não retornou.