Proposta no Senado ameaça transição para o novo modelo tributário
Por: Rodrigo Spada
Fonte: Folha de S. Paulo
A transição para um novo modelo tributário é algo inédito para a maior parte
desta geração de brasileiros. É natural, portanto, que haja alguma inquietação
por parte dos agentes políticos e econômicos sobre a implementação da
reforma em curso no país. Essa apreensão, entretanto, não pode ensejar
propostas que, ainda que bem intencionadas, prejudiquem o novo modelo
tributário. Por isso alertamos para os riscos apresentados pelo PLP 219/2025,
de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR).
A reforma buscou corrigir distorções históricas do sistema tributário brasileiro
ancorando-se em um princípio central: a não-cumulatividade plena. Ou seja, as
empresas pagam o tributo apenas na agregação de valor que realizam em seu
processo produtivo. A forma de garantir isso é a concessão de crédito tributário
amplo e automático.
Acontece que, no início da vigência do IBS, as empresas estarão com suas
operações em curso. No dia anterior à sua implantação, existirão estoques de
mercadorias adquiridas ainda sob o regime dos tributos antigos, sobre os quais
não houve cobrança de IBS. Então, na medida em que esses estoques forem
vendidos já no novo sistema, a empresa terá IBS a recolher na saída, mas não
terá IBS a creditar, porque ele simplesmente não existia no momento da
compra.
À primeira vista, isso pode parecer uma situação de desequilíbrio, como se o
contribuinte fosse onerado injustamente na transição. Parece ter sido esse
entendimento que impeliu a proposta do senador Mecias, que busca conceder
crédito presumido aos contribuintes, de modo a simular o crédito de IBS que
existiria se o imposto já tivesse incidido quando aqueles estoques foram
adquiridos. Parece fazer sentido, mas, na realidade, essa lógica está incorreta.
Essa solução desconsidera um ponto essencial da própria transição: como o
ICMS será gradualmente reduzido até sua extinção, os mesmos estoques terão
sido adquiridos com alíquotas de ICMS mais altas do que aquelas que incidirão
quando forem vendidos. Isso significa que, na saída desses produtos, o
contribuinte terá um crédito de ICMS proporcionalmente maior do que o
imposto devido, o que reduz ou até elimina o valor a pagar.
Em outras palavras, o que parece uma perda pelo lado do IBS é, na verdade,
compensado pelo ganho decorrente da redução gradual do ICMS na própria
transição. Mesmo depois desse ajuste, caso ao fim da transição, em 2032, o
contribuinte ainda tenha créditos de ICMS, poderá utilizá-lo para abater o IBS,
parceladamente, a partir de 2033.
Portanto, considerando esse ajuste já previsto na transição, a proposta do
senador Mecias é danosa tanto para o Estado quanto para os contribuintes. Para
o Estado porque o crédito presumido não é gratuito. Ele representa,
inicialmente, uma redução direta na arrecadação de estados e municípios.
Na sequência, a medida passa a ser ruim para o contribuinte, porque ao
identificar essa queda de receita, o próprio mecanismo de recomposição
federativa exigiria o reajuste da alíquota de referência do IBS para repor a
arrecadação perdida. Ou seja, o benefício concedido hoje ao contribuinte seria
compensado amanhã por meio de uma alíquota maior para toda a sociedade. A
aparente economia na largada se converteria, inevitavelmente, em aumento de
carga no ano seguinte.
A transição foi estruturada para ser neutra, gradual e tecnicamente equilibrada.
A solução sugerida no Senado altera essa lógica, gera distorções, pressiona a
alíquota do IBS e fragiliza o pacto federativo. Na ponta do lápis, não há
benefício real para o contribuinte. Por isso, o PLP 219/2025 deve ser rejeitado,
não por negar a preocupação legítima com os estoques, mas porque oferece
uma solução que, no fim, prejudica todos: União, estados, municípios, empresas
e consumidores.