Projeto de lei de stablecoins nos EUA é virada ‘cripto’
Por: Ricardo Bomfim
Fonte: Valor Econômico
A aprovação do projeto de lei de regulamentação de “stablecoins” pelo Senado
dos Estados Unidos quase passou despercebida em termos de impacto nas
cotações dos ativos digitais, mas não em termos de significado histórico para o
setor.
O chamado “Genius Act” foi aprovado com o placar de 68 votos a 30 e agora
será apreciado pela Câmara de Representantes antes de ir para sanção do
presidente Donald Trump. A Câmara já tem um projeto sobre o mesmo tema
em tramitação e terá que decidir se prossegue com o texto do Senado ou se
busca uma solução alternativa.
Stablecoins são criptomoedas de valor atrelado ao de divisas tradicionais, como
o dólar.
Para Nicole Dyskant, advogada e conselheira da Fireblocks, a aprovação traz
clareza regulatória ao definir padrões federais para stablecoins nos EUA. “Serão
necessários, por exemplo, reservas na mesma quantidade dos ativos emitidos,
auditorias periódicas, requisitos rígidos de transparência e cumprimento de leis
de prevenção à lavagem de dinheiro e compliance, entre outros pontos”, diz.
O aval a esse tipo de moeda digital vem depois de alguns outros marcos
relevantes para o setor. É o caso da aprovação dos primeiros fundos negociados
em bolsa (ETFs) de bitcoin e ether à vista pela Comissão de Valores Mobiliários
dos EUA (SEC) no ano passado, e o discurso francamente pró-cripto assumido
por Trump desde a campanha nas eleições do ano passado.
A sequência de vitórias para os empresários da indústria cripto, acostumados
com banimentos e discursos sobre o perigo dos ativos digitais, parece tornar
cada vez mais próxima uma institucionalização desse mercado.
De acordo com André Franco, CEO da casa de análise Boost Research, assim
como o Senado, a Câmara também é pró-cripto, então é natural que a proposta
passe por lá. O interessante, de acordo com ele, é que já há empresas de olho
no que a regulamentação irá permitir. “Muitas empresas, desde o J.P. Morgan
até a Amazon e o Walmart estão com essa ideia de emitirem stablecoins”, diz.
As stablecoins mais famosas são o USDT, da Tether, e o USDC, da Circle, que
mantêm paridade de 1:1 com o dólar americano. Essa paridade é obtida por
meio da manutenção de reservas em ativos seguros no mesmo valor dos tokens
emitidos. São ativos como os títulos do Tesouro dos EUA, considerados
equivalentes à compra direta de dólares. Tanto que, em 2024, se a Tether fosse
um país, seria o sétimo que mais comprou Treasuries no ano, com US$ 33,1
bilhões.
Com tantas compras da moeda americana realizadas por emissoras de
stablecoins, Trump publicou no início do seu mandato uma ordem executiva
colocando esse tipo de criptoativo como parte do esforço para manter a
dominância do dólar no cenário internacional.
Caio Barbosa, CEO e cofundador da empresa de tecnologia para contratos
inteligentes Lumx, avalia que a aprovação do projeto de lei das stablecoins
amplia o uso de títulos do Tesouro como lastro, com impacto direto na
demanda por dívida pública de curto prazo. “É também uma pressão regulatória
sobre outras jurisdições, como o Brasil, para que avancem na criação de
arcabouços próprios”, afirma.
Peter Marton, líder da área de regulação para os EUA da Fireblocks, destaca
que Trump já pediu por uma tramitação rápida e “limpa” (sem emendas) do
projeto na Câmara, algo que tem uma chance razoável de ocorrer.