Para tributaristas, proposta do STJ para litígios da reforma pode causar decisões divergentes
Fonte: Consultor Jurídico
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça Regina Helena Costa e Paulo
Sergio Domingues apresentaram, na semana passada, uma proposta de ato
normativo para regular a judicialização dos impostos criados pela reforma
tributária.
Integrantes de um grupo de trabalho do STJ que estudou os possíveis impactos
judiciais das novas regras, os magistrados propõem uma “política de litigante
único”. A ideia é que as ações sobre a cobrança de um tributo sejam
concentradas em um ente da federação (a União, o estado ou o município), que
seria definido a partir de determinados critérios. O plano foi detalhado em
artigo publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico na última quintafeira
(11/9).
O objetivo central da proposta, segundo os ministros, é evitar a multiplicação
de processos relativos ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Contribuição
Social sobre Bens e Serviços (CBS), os dois tributos resultantes da reforma. Em
relatório publicado no final de abril, os magistrados estimaram que a carga
processual tributária no Brasil pode até triplicar com as novas regras, que serão
implantadas de forma gradual de 2026 a 2032.
Tributaristas ouvidos pela ConJur sobre o tema avaliam que o STJ está correto
ao buscar um sistema que evite a múltipla judicialização. Eles acreditam, porém,
que a proposta do litigante único adota critérios questionáveis, deixa dúvidas
sobre contenciosos administrativos e abre brecha para decisões discrepantes
sobre o mesmo tributo, a depender do foro julgador.
A proposta do STJ
A reforma tributária é focada em impostos sobre o consumo. O ICMS, de
competência estadual, e o ISS, municipal, serão gradualmente substituídos pelo
IBS, que terá atribuição compartilhada entre estados, municípios e o Distrito
Federal. Já a Cofins e as contribuições do PIS e do Pasep darão lugar à CBS,
que ficará sob responsabilidade da União.
A estrutura legal da reforma (a Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei
Complementar 214/2025) não criou regras para a resolução de litígios sobre os
novos tributos. A emenda apenas estabeleceu que o STJ julgará conflitos entre
os entes federativos e o Comitê Gestor do IBS — órgão que fará a arrecadação
e a gestão desse imposto —, mas não regulou o julgamento de causas dos
contribuintes.
Para resolver esse problema, o STJ propõe que apenas um ente federativo
represente os interesses do Fisco em cada caso. Isso valeria tanto para ações de
execução fiscal quanto para contestações ajuizadas pelos contribuintes. Para
decidir qual ente será o responsável, os ministros sugerem dois critérios:
Porte do contribuinte
— União deve litigar com contribuintes sujeitos ao regime de lucro real (em
geral grandes empresas, com faturamento acima de R$ 78 milhões por ano);
— O estado de domicílio do contribuinte deve litigar com sujeitos ao lucro
presumido (em geral médias empresas);
— O município de domicílio do contribuinte deve litigar com optantes pelo
Simples Nacional ou pessoas físicas.
Valor do crédito tributário
— No caso de execuções (ou ações anulatórias) de crédito tributário, o que
conta é o valor do crédito, e não o porte do contribuinte. Ações de “elevado
valor” devem ficar com a União, enquanto as de “pequeno valor” cabem aos
municípios.
Limitações
Para os especialistas ouvidos pela ConJur, a proposta do STJ abre margem para
entendimentos judiciais diferentes sobre o mesmo tributo, a depender do nível
do ente federativo. Uma controvérsia sobre a cobrança do IBS, por exemplo,
poderia resultar em decisões discrepantes entre um tribunal estadual e a Justiça
Federal, por exemplo.
“A proposta abre a possibilidade de respostas judiciais diferentes para o mesmo
tributo vindas, simultaneamente, das Justiças estaduais e Federal, a depender de
quem esteja legitimado para o processo judicial”, avalia Marcos Meira, sóciofundador
do escritório M. Meira Advogados.
Para Igor Mauler Santiago, sócio-fundador do Mauler Advogados, a possível
“bola dividida” entre os entes é o maior gargalo da proposta. “O diagnóstico é
preciso, e a proposta é inteligente, numa lógica de federalismo cooperativo. Só
tenho dúvidas se a União aceitaria ter os seus créditos defendidos por outro
ente e se estados e municípios aceitariam um papel secundário na cobrança”,
pondera ele.
A avaliação é compartilhada por Diego Diniz Ribeiro, ex-conselheiro do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “A proposta não resolve
o problema da falta de uniformização. Nós podemos ter um mesmíssimo fato
tributário que resulte em uma decisão da Justiça Federal num sentido e uma
decisão da Justiça estadual em sentido oposto.”
Na visão de Júlio M. de Oliveira, sócio do Machado Associados, haverá
chance de entendimentos discrepantes não apenas em âmbito judicial, mas
também no administrativo. “Não se sabe quais serão os tribunais judiciais
competentes para os litígios tributários do IBS e da CBS. Também na esfera
administrativa há uma grande desconfiança de que se mantenham instâncias
diversas, com multiplicidade de entendimentos.”
Sugestões
Os advogados consultados pela ConJur têm visões diversas sobre a melhor
forma de resolver o problema. Para a maioria deles, os litígios deveriam ficar
concentrados na Justiça Federal.
“Na minha visão, toda causa envolve de alguma forma a União, porque o IBS
e o CBS operam com a mesma lei, as mesmas regras, o mesmo fato gerador.
Ou seja, toda causa acaba tendo repercussão federal, então a Justiça Federal
deveria julgar”, opina Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para
a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret).
“Qualquer projeto de lei deveria unificar o julgamento desses tributos numa
única esfera administrativa. Os dois tributos novos são gêmeos e merecem
julgamentos numa esfera que congregue a União, os estados e os municípios. A
via múltipla que está sendo traçada será geradora de conflitos e de insegurança
jurídica”, prevê Júlio de Oliveira.