Novo Código Civil pode aumentar processos e gastos, dizem advogados
Fonte: Consultor Jurídico
A proposta de atualização do Código Civil redesenha profundamente as regras
sobre a reparação de danos provocados por cidadãos ou empresas,
normalmente feita em dinheiro - a chamada responsabilidade civil. O resultado
pode ser mais processos na Justiça. A constatação é de advogados convidados
nesta quinta-feira, 11, pela comissão temporária para atualização do Código
Civil.
O PL 4/25 é de autoria do senador Rodrigo Pacheco, que presidiu a audiência
pública. Quando foi presidente do Senado, em 2023 e 2024, Pacheco instituiu
uma comissão de juristas para elaborar o texto apresentado por ele.
O senador Carlos Portinho afirmou estar preocupado com a prática de juízes
de aplicarem a lei de modo muito diferente do texto legal, o que poderia colocar
em xeque a aplicação do novo Código Civil. O senador é o relator sobre o tema
de responsabilidade civil na proposta.
"Magistrado tem que aplicar a lei como é, se não nada do que a gente está fazendo aqui vai
alcançar resultado nenhum. Juízes não são a lei, elas são feitas pelos legisladores."
Risco ao investimento
O advogado José Roberto Castro Neves classificou como "nociva" para o
investimento a possibilidade de o magistrado aumentar em até quatro vezes a
indenização por danos extrapatrimoniais - como os danos morais. Isso poderá
ocorrer se o ofensor for uma empresa rica, por exemplo, pois levará em conta
a condição econômica.
"Tenho certeza que vai ser muito nocivo para o investidor estrangeiro aplicar o dinheiro no
país onde, se ele cometer um dano, [o valor] poderá ser quadruplicado. Não há nenhum
casamento com o prejuízo que ele de fato vai causar."
A Justiça brasileira tem altos índices de processos judiciais de indenizações,
argumentou o professor da FGV Fábio Floriano Melo Martins. Ele
exemplificou com dados divulgados pelas companhias aéreas: o Brasil é
responsável por 1,2% dos vôos domésticos do mundo; mas tem 98,5% das
ações contra o setor no planeta. As informações foram divulgadas em 2024 pela
Associação Brasileira das Empresas Aéreas e pela Associação Internacional de
Transportes Aéreos.
Proteção ao cidadão
Já o advogado Nelson Rosenvald argumentou que há um "fenômeno mundial"
em que as empresas calculam se praticar o ilícito e pagar a indenização é mais
lucrativo do que adotar procedimentos responsáveis. Para o convidado, o atual
Código Civil não incentiva a prevenção de danos, mas o texto de Pacheco sim.
"Eu não nego que existe um estoque judicial alto no Brasil. Mas o que nós temos no Brasil
hoje é uma banalização das vítimas. [Existem empresas] pegando carona no seu direito de
imagem, no seu direito autoral, na sua marca, na sua patente. E isso só piora nesta era
algorítmica, em que somos reduzidos a um conjunto de dados que nos despersonaliza."
A ministra do STJ Maria Isabel Gallotti afirmou que o custo Brasil (série de
custos para investir no país) não mudará, com ou sem a alteração do Código
Civil. Ela defendeu que o texto proposto reproduz as decisões que os tribunais
já adotam hoje. A ministra ajudou a elaborar o PL 4/25.
Dano e risco
Representante de Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Juliana
Cordeiro de Faria avaliou que pequenos negócios serão cobrados de forma
desproporcional, caso haja algum prejuízo ao cliente. Isso porque, entre outros
pontos, o texto prevê que "todo aquele que cria situação de risco obriga-se a
tomar as providências para evitá-los".
"Pense numa cabeleireira do bairro. Se ela vai fazer um procedimento e causa um dano à sua
cliente, hoje ela só responde pelo Código de Defesa do Consumidor, por culpa. No projeto de
lei, se ela comete a mesma falha e a cliente perde um compromisso com danos significativos,
nós vamos ter aqui a responsabilidade civil [da cabeleireira]."
O presidente do STJ, Herman Benjamin, explicou que a proposta altera o
foco nos danos ocorridos para ações que deveriam ter sido adotadas para evitar
esses danos. A mudança é necessária, em sua opinião.
"Nós, juízes, somos os piores árbitros para o dano. Na maioria das vezes, o dano não pode
ser reparado de forma adequada. Não é possível imaginar um sistema de responsabilidade
civil baseado no dano."
Falta de clareza
Cordeiro ainda considerou insuficiente os critérios para definir em quais
atividades a pessoa deverá indenizar um dano independentemente de sua culpa.
A proposta prevê a regra para casos que não são perigosos na sua essência, mas
que trazem riscos especiais e diferenciados. Para identificar essas atividades, o
juiz deverá considerar a estatística e a experiência. Para a advogada, isso gerará
decisões diferentes e aumentará conflitos judiciais.
Outro critério a ser utilizado será possíveis classificações de risco por agências
reguladoras. O representante do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa, Luiz Fernando Dalla Martha, afirmou que a previsão pode
aumentar a burocracia e beneficiar empresas com maior lobby. Para ele, é
melhor que a jurisprudência defina esses risco especiais e diferenciados.