Nova lei reduz burocracia e riscos na compra de imóveis
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Uma nova lei reduziu o risco de quem compra um imóvel de ter que
responder por dívida do antigo proprietário, se a pendência não estiver
registrada na matrícula do bem. O adquirente não precisa mais fazer
aquela espécie de auditoria sobre a vida do vendedor, que exigia a retirada
de ao menos dez certidões negativas - nas esferas federal, estadual,
criminal, fiscal, trabalhista e de família.
Editada recentemente, a Lei nº 14.382 só continua exigindo a
documentação sobre o pagamento dos impostos: IPTU, ITBI (compra) e
ITCMD (doação). Também a certidão de matrícula, que demonstra se o
imóvel tem algum registro de hipoteca, alienação fiduciária ou penhora.
Ao alterar o artigo 54 da Lei nº 7.433, de 1985, a nova norma pode evitar
discussões judiciais entre credores dos antigos proprietários do imóvel e o
atual dono. “A nova lei, além de diminuir a burocracia e gastos com a
compra de imóveis, dá mais segurança de que o comprador não poderá ser
responsabilizado por dívidas de terceiros, caso não exista registro na
matrícula sobre a dívida existente do vendedor”, afirma Kelly Durazzo, do
Durazzo & Medeiros Advogados.
O comprador pode chegar a economizar em torno de R$ 700, em São Paulo
e no Rio de Janeiro, por CPF pesquisado, com despesas e a contratação de
despachante para a retirada de certidões negativas. Para a advogada, “essa
lei colocou uma pá de cal sobre o assunto”, que vinha sendo discutido há
anos no Judiciário.
Segundo o advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados, a nova lei, em
linhas gerais, reforça a proteção ao terceiro de boa-fé. Ele aponta que a
jurisprudência majoritária no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
destacava, até então, a necessidade das certidões negativas. “Agora, com a
nova legislação, essas certidões deixam de ser indispensáveis para a
aquisição do bem”, diz.
Mas Sigaud pondera que o escritório ainda recomenda a emissão das
certidões. “Continua sendo relevante para evitar qualquer questionamento
futuro”, afirma. Ele lembra que várias das certidões podem ser emitidas
gratuitamente pelos sites dos tribunais, como o do TJSP.
Mesmo após a entrada em vigor da nova norma, ainda é praxe no mercado,
segundo advogados da área, a exigência de todas as certidões. Até agora,
também não se sabe de decisão judicial que mencione ou determine a
aplicação da nova lei. Por isso, na opinião do advogado Luís Rodrigo
Almeida, sócio do Dib Almeida Laguna Manssur, é preciso ter cautela até se
saber como o Judiciário vai se comportar.
Para Almeida, a nova norma transfere ao credor a obrigação de registrar
ações judiciais ou cobranças na matrícula do imóvel do devedor. “Contudo,
a Justiça ainda traz obstáculos para esses registros, em alguns casos”, diz.
Isso acontece quando, por exemplo, a ação judicial que pode resultar em
cobrança ainda está no início, “o que pode trazer problemas aos
compradores”.
Mesmo que a nova lei seja bem recebida pela Justiça e os juízes realmente
deixem de exigir esses documentos para comprovar que o comprador teve
cautela e boa-fé ao adquirir o imóvel, ele afirma que, nos casos de
empreendimentos imobiliários, seria melhor manter a diligência. “O
impacto nesses casos seria gigantesco, uma vez que envolvem diversos
terceiros, que compraram unidades no empreendimento e podem ficar em
risco.”
A discussão sobre a proteção de compradores de imóveis de boa-fé, para
que não sejam depois cobrados por credores de antigos proprietários, tem
um longo histórico no Judiciário. Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) editou a Súmula 375 que dizia que “o reconhecimento da fraude à
execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de
má-fé do terceiro adquirente”.
Apesar da súmula, surgiu no mercado uma nova dúvida por causa da sua
redação. Começou a ser travada uma nova discussão sobre quem seria o
responsável por produzir essas provas.
Uma corrente entendia que o ônus de comprovar a não ocorrência da máfé
seria do comprador. Contudo, em dezembro de 2014, o entendimento
foi pacificado pelo STJ, no julgamento de um recurso repetitivo (REsp
956.943). Nele, prevaleceu o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, de
que “inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o
ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de
demanda capaz de levar o alienante à insolvência”.
Depois disso, em 2015, a Lei nº 13.097 adotou o entendimento do STJ.
Deixou claro, no artigo 54, que essas pendências sobre o imóvel devem
constar na sua matrícula. Também estabeleceu que o comprador de imóvel
de boa-fé não poderá ser responsabilizado, caso não haja ressalva naquele
documento.
“A partir dessa publicação, o Judiciário começou a criar jurisprudência não
aceitando a hipótese de fraude, caso a dívida não constasse da matrícula”,
diz a advogada Kelly Durazzo. Contudo, ainda assim, alguns tribunais
continuavam entendendo que a praxe do setor era pedir as certidões e,
quando isso não acontecia, segundo ela, entendiam caracterizada a má-fé.
Agora, com a Lei nº 14.382, de 2022, houve a inclusão do parágrafo 2º nesse
mesmo artigo 54, o que poderá encerrar a discussão, conforme
especialistas, ao dispensar expressamente a exigência das certidões.