10/07/2025

No Brasil, pobres pagam proporcionalmente três vezes mais impostos que super-ricos, diz estudo da Oxfam

Por: Juliana Causin
Fonte: O Globo
Enquanto o 0,15% mais rico da população concentra R$ 1,1 trilhão em renda,
mais que a metade da parcela que ganha menos junta, o sistema tributário
brasileiro faz com os mais pobres paguem, proporcionalmente, três vezes mais
impostos do que os que estão no topo da pirâmide econômica.
O peso recai principalmente nas mulheres negras e reforça uma estrutura de
desigualdade racial.
A conclusão faz parte de um estudo da Oxfam Brasil, organização britânica que
atua no combate à desigualdade, que será apresentado nesta quinta-feira na
Câmara dos Deputados, à Frente Parlamentar Mista pelo Combate às
Desigualdades.
O documento, que revisa a regressividade do sistema tributário no país, sugere
rever benefícios fiscais para os mais ricos e aponta para o peso do recorte racial
nas distorções do regime atual.
Nos cálculos da organização, os 0,1% mais ricos no Brasil destinam 10% da
renda a tributos. Já os 10% mais pobres comprometem 32% do que recebem.
Uma das principais causas dessa diferença, para a Oxfam, está na estrutura do
sistema brasileiro.
Enquanto países desenvolvidos tributam mais renda e patrimônio, o Brasil
depende principalmente de impostos sobre consumo, que atingem com mais
força quem gasta a maior parte do que recebe em bens essenciais.
— Em média, 70% da renda de uma pessoa mais pobre está envolvida no
consumo de bens e serviços. Então, proporcionalmente, essa pessoa vai pagar
mais impostos do que os mais ricos — afirma a diretora executiva da Oxfam
Brasil, Viviana Santiago. — Essa é uma das questões mais importantes porque
a carga tributária que incide sobre a população no Brasil não é a mesma, não
está todo mundo no mesmo barco.
O relatório, chamado de “Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil”
destaca que os tributos indiretos, sobre produtos e serviços, representam 14,8%
do Produto Interno Bruto brasileiro, contra 9,7% na média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE.
Já a tributação brasileira sobre propriedade equivale a 1,5% do PIB do Brasil,
enquanto a média dos países ricos é de 2,4%. A carga sobre salários e ganhos
de capital também é menor no Brasil: de 3%, enquanto a média nos países da
OCDE é de 9%.
Essa estrutura tributária, para a Oxfam, reforça estruturas de concentração de
renda e a desigualdade racial. Ao concentrar R$ 1,1 trilhão em renda, a parcela
0,15% mais rica da população concentra 14,1% do total nacional. A radiografia
desse grupo de super-ricos mostra que 81% são homens brancos, 19%
mulheres e apenas 20% pessoas negras ou pardas. Em contraste, as mulheres
negras lideram 65% dos lares mais pobres.
Reforma do IR
O estudo aponta que a carga tributária indireta, que incide sobre o consumo, é
significativamente mais elevada em famílias chefiadas por pessoas negras.
Especificamente, essas famílias pagam, em média, 10,8% de sua renda em
tributos indiretos, enquanto as famílias chefiadas por pessoas brancas
desembolsam cerca de 9,7%.
Ao trazer o recorte racial, a organização sugere que o sistema tributário
brasileiro "perpetua a exclusão social da população negra".
Viviana Santiago diz que a Oxfam quer alertar para um cenário da desigualdade
tributária no Brasil que tem cor e gênero. Maioria entre os lares mais pobres, as
mulheres negras são especialmente penalizadas pelo sistema atual.
— Quando falamos da população mais pobre no Brasil e sobre a qual incide
uma carga tributária muito maior, estamos falando principalmente de um
população negra e sobretudo de mulheres negras, que são chefes de família, O
que traz (nesse relatório) é essa dimensão de que o sistema tributário atual não
só mantém, como alimenta a reprodução de adesigualdades — afirma Santiago.
O estudo é divulgado em um momento em que o governo tenta avançar no
Congresso com o projeto de lei (PL 1087/2025), de relatoria do deputado
Arthur Lira (PP-AL), que isenta o Imposto de Renda para quem ganha até R$
5 mil mensais e cria uma alíquota mínima de 10% para rendas acima de R$ 50
mil por mês. No paralelo, tenta afastar críticas de que vem aumento de impostos
com uma estratégia de comunicação voltada a reforçar que o “andar de cima”
precisa contribuir de forma mais igualitária.
O governo tem apontado que o projeto de reforma no IR irá beneficiar 10
milhões de pessoas com a isenção e atingir apenas 141 mil brasileiros que
ganham mais do que R$ 600 mil por ano. O relatório da Oxfam Brasil aponta
que oito em cada dez atingidos pela alíquota mínima seriam homens brancos,
enquanto os beneficiados pela isenção de IR são 44% negros e 41% mulheres.
Para a organização, além de ampliar a progressividade do IR, seria preciso
enfrentar outras distorções. A organização defende medidas como o fim da
isenção sobre lucros e dividendos, a regulamentação do imposto sobre grandes
fortunas e a inclusão de marcadores raciais nas declarações do IR para embasar
políticas públicas.