15/12/2025

Juiz flexibiliza prazo para ação contra sentença arbitral

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Uma sentença da Justiça de São Paulo flexibilizou o prazo para entrar com
ação anulatória contra sentença arbitral. Esse período, chamado de
decadência, é de 90 dias, conforme estabelecido pela Lei de Arbitragem (nº
9307/1996). Para a 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, no
entanto, o prazo não se aplica ao caso por conta de falha no dever de
revelação de dois árbitros. O caso envolve uma disputa de R$ 500 milhões
entre sócios do Hotel Fasano, em Angra dos Reis (RJ).
O dever de revelação dos árbitros é similar à obrigação de magistrados de
declararem-se suspeitos ou impedidos de julgar por ter alguma relação com as
partes. É, normalmente, motivo comum para anular sentenças arbitrais - apesar
da anulação ser exceção. De 71 procedimentos arbitrais contestados no
Judiciário em 2024, só 17 tiveram a impugnação acolhida (cerca de 24%),
segundo a mais recente pesquisa “Arbitragem em Números”, de Selma Lemes.
De 1,2 mil arbitragens em andamento, o percentual de impugnações aceitas
representou 1,39%.
A discussão sobre o Hotel Fasano começou em 2017, quando a arbitragem foi
instaurada pela incorporadora Kara José contra a Polo Capital, a Yogo
Participações e Empreendimentos Imobiliários S.A. e Frade Spot Participações
S.A.. Segundo sentença arbitral, foi feita uma parceria entre a Kara José e o
Grupo Polo, em que cada empresa ficou com 50% das cotas sociais, para a
construção do empreendimento de luxo.
De acordo com a Kara José, o Grupo Polo, que deveria fazer o aporte
financeiro, tomou empréstimo a taxas elevadas, além de ter praticado atos
contrários ao interesse da joint venture em benefício próprio. Por isso, ela pediu
indenização pelas supostas violações cometidas, mas o tribunal arbitral não
acatou. A sentença é de novembro de 2020 e o procedimento tramitou na
Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).
Em nota ao Valor, o Grupo Polo disse que vai recorrer da sentença dada na
ação anulatória "proposta por quem reiteradamente descumpriu seus
compromissos e obrigações no âmbito do empreendimento FRADE e, por
unanimidade, restou vencida em todos os seus pleitos formulados na
arbitragem". "A Polo confia na integral reforma da decisão”, diz o grupo.
A Kara José entrou com ação anulatória contra a decisão arbitral em agosto de
2023. Isso porque teria descoberto a indicação cruzada entre árbitros e o
advogado da Polo Capital, que atuavam em conjunto em outra arbitragem, em
curso na Câmara Internacional do Comércio (CCI). Para a Justiça, a falha no
dever de revelação dos árbitros foi “grave”, “afetando de forma insuperável a
sua imparcialidade” (processo nº 1146362-42.2023.8.26.0100).
O advogado do Grupo Polo, Luiz Alberto Colonna Rosman, atuava como
presidente de um tribunal arbitral, simultaneamente, em outro caso, na CCI. Ele
teria sido indicado pelos árbitros José Emilio Nunes Pinto e Nelson Eizirik, que
também julgavam o caso do Hotel Fasano, na CAM-CCBC.
Na visão do juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, os advogados José Emilio Nunes
Pinto e Nelson Eizirik tinham o dever de manter relação imparcial em relação
a Luiz Alberto Colonna Rosman. No entanto, indicá-lo para atuar
conjuntamente em outra arbitragem fez com que mantivessem “relação
necessariamente próxima e menos formal”, que "propiciou o recebimento de
remuneração e a existência de relacionamento estreito”.
Essa omissão obstou o devido processo legal, segundo Pellegrinelli, e é
“irremediável, tendo restringido importantes direitos da contraparte”. O
magistrado não viu necessidade de comprovar eventual prejuízo “uma vez que
a sua inexistência seria insuficiente para evitar a nulidade do procedimento
arbitral”.
Para ele, a omissão torna “o presente caso excepcional, o que obsta a
caracterização da decadência”. Ele determinou que o prazo começasse a contar
a partir do momento em que as partes souberam dessa relação - em agosto de
2023, em sessão no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Ao
anular a sentença arbitral, o juiz determinou que outra decisão seja proferida.
O advogado Arthur Arsuffi, sócio do Reis, Souza, Takeishi & Arsuffi
Advogados, que defende a Kara José na ação, diz que soube da relação entre os
árbitros e o advogado da parte contrária por acaso. “Era impossível se descobrir
essa relação, que estava num procedimento arbitral sigiloso perante a CCI e
acabou sendo revelada no Poder Judiciário por um golpe de sorte, porque essa
sentença da CCI também foi questionada numa ação anulatória perante o
Judiciário”, afirma.
“Quando o TJ julga essa ação anulatória em sessão pública, a Kara José
descobre e leva ao Judiciário essa questão”, completa o advogado, que
acompanhou o julgamento do caso sigiloso. O grande diferencial do processo,
segundo ele, é a flexibilização do prazo decadencial.
“Não seria possível considerar que o prazo teria se esgotado sem que houvesse
ciência desse fato tão grave, porque todos deveriam ter direito de serem
julgados por um tribunal imparcial”, defende Arsuffi.
Um especialista da área, que não quis se identificar, disse que as partes devem
poder impugnar sentença arbitral quando houver falha no dever de revelação
de árbitros. Mas pondera que há um excesso nessa obrigação. "Hoje, há um
excesso de necessidade de revelação, tudo vira motivo para revelar", diz.
Para o especialista, a sentença da Justiça paulista pode gerar insegurança jurídica.
"É um perigo, porque pode dar margem para questionamentos que surjam
muito tempo depois de uma relação jurídica que já era para estar estabilizada",
diz.
O advogado Daniel Raichelis Degenszajn, que atua pelo Grupo Polo na ação
anulatória, disse que “não irá se manifestar sobre decisões judiciais proferidas
em processos em curso”, e que o seu cliente “apresentará oportunamente os
recursos cabíveis”.
Procurados pelo Valor, os advogados Nelson Eizirik e Luiz Alberto Colonna
Rosman não quiseram comentar, assim como o Fasano, por não integrar a ação.
O advogado José Emilio Nunes Pinto não deu retorno até o fechamento desta
edição.