08/07/2025

IPCA passará a corrigir depósitos judiciais

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
O Ministério da Fazenda decidiu trocar o índice de correção monetária
dos depósitos judiciais e administrativos, realizados para garantir o
pagamento de valores discutidos em processos contra a União ou órgãos
federais. A taxa Selic, usada desde o ano de 1998 e que atualmente corresponde
a 15% ao ano, será substituída pelo IPCA, hoje equivalente a 5,32%. A
medida pode desestimular a judicialização pelas empresas, segundo
especialistas, já que elas passarão a ter um retorno financeiro menor sobre o
valor depositado.
A alteração consta na Portaria MF nº 1.430, de 2025, publicada ontem no
Diário Oficial da União. O texto detalha uma mudança que já havia sido
prevista na Lei federal nº 14.973, de setembro de 2024. Contudo, não havia
ainda a definição de qual seria o novo índice de correção e nem se os depósitos
que já foram feitos seriam atingidos. Os dois pontos foram esclarecidos na
portaria.
Na época, o montante total em depósitos judiciais e extrajudiciais chegava a R$
217,6 bilhões. Esses valores são repassados pela Caixa Econômica Federal
(CEF) à conta única do Tesouro Nacional. O dinheiro depositado na conta
única do Tesouro até a entrada em vigor da nova portaria ainda será corrigido
pela Selic.
A adoção do IPCA é um jeito de desestimular que as empresas usem o não
pagamento de tributos como uma espécie de investimento financeiro, segundo
a advogada Carolina Sposito, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe. A
tributarista explica que, para as empresas que têm como fazer o depósito, isso
acaba sendo visto como um investimento, por causa do benefício da correção
pela Selic.
Carolina explica que, geralmente, quem faz o depósito judicial tem a
desvantagem de tirar esse dinheiro do fluxo de caixa. Porém, esta é uma forma
de garantir os valores em disputa judicial com mais facilidade do que o segurogarantia
ou a fiança bancária. “Não é toda empresa que consegue segurogarantia,
que é vinculada ao faturamento da companhia. E a fiança é muito
cara”, afirma ela.
Quando a Lei 14.973 trouxe a previsão de mudança da correção, em 2024,
surgiu o receio sobre o rendimento de depósitos judiciais que já haviam sido
feitos. Sobre isso, a portaria trouxe tranquilidade para os cidadãos e setor
produtivo, segundo Sposito, ao estabelecer a alteração somente para os
depósitos realizados a partir do ano que vem.
Carolina também estima que, para a União, a mudança no índice de correção
monetária dos depósitos pode reduzir os provisionamentos e gastos quando é
necessário devolver os valores e fazer o pagamento da correção. “Se a União
perde tem que provisionar os juros porque o depósito tem que ser devolvido
com valor atualizado”, explica.
Já o advogado Thiago Paranhos Neves, do escritório Pinheiro Guimarães,
afirma que a constitucionalidade da correção pelo IPCA poderá ser questionada
judicialmente. Isso porque a Selic é o mesmo índice que a União usa na correção
que aplica na cobrança das dívidas (credora) e, agora, ela passará a corrigir pelo
IPCA quando é a devedora. “A partir do momento que a União pode usar o
depósito e o contribuinte não tem o poder de levantar esse montante antes da
decisão judicial final, deveria ser dado tratamento paritário”, diz.
Ainda segundo o advogado, a mudança pode reabrir outra discussão judicial,
que é a incidência de tributos sobre esses depósitos. Para Neves, se o
rendimento do depósito deixar de ser um ganho financeiro, sendo apenas
reposição do valor, não poderia sofrer a incidência de IR, CSLL, PIS e Cofins.
“Se o intuito é corrigir pela inflação com a ideia de não gerar ganho para o
contribuinte, isso poderá permitir a reabertura de discussões sobre casos de
tributação de depósito judicial”, afirmou.
O tema aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em ação
proposta pela Confederação Nacional de Saúde (CNS), a Corte vai definir se é
constitucional a tributação tendo em vista que a taxa Selic aplicada aos depósitos
judiciais tributários não configura renda, lucro ou qualquer tipo de acréscimo
patrimonial, mas tem natureza híbrida de correção monetária e juros moratórios
indenizatórios, não constituindo ganho (ADI 7813). Para Neves, a partir de
2026, com a correção pelo IPCA, ficará ainda mais claro que não há ganho
financeiro.
Procurados pelo Valor, o Ministério da Fazenda e a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN) não responderam até o fechamento da edição.