Gestora cria fundos para investir em artistas e futebol
Por Ana Paula Ragazzi — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Um mês antes do início da pandemia, cinco executivos que se encontraram
no Grupo Finaxis resolveram deixar a casa e criar a Contea Capital, dedicada
a criar soluções estruturadas para investimento em ativos alternativos. A
gestora está colocando de pé dois fundos que trazem inovação ao mercado.
Um deles, em fase de captação, vai investir em entretenimento e já deu o
primeiro passo: comprou a agenda de shows do sertanejo Gusttavo Lima.
Outro produto, ainda em fase inicial, deverá se dedicar ao mundo do
futebol.
A ideia da gestora surgiu da observação de que o cenário de queda dos juros
no Brasil levaria investidores a buscar aplicações de mais risco e retorno.
“Quando o Brasil convivia com juros altos, o dinheiro estava na Faria Lima,
e os investimentos, também. Era só comprar um título público. Com juros
mais baixos, o dinheiro segue na Faria Lima, mas os bons ativos não são
mais, necessariamente, os financeiros. Surge a grande oportunidade de ir
para a economia real”, afirma Paulo Marins, sócio da Contea.
O plano é encontrar empresários de sucesso, com negócios bem planejados
e que possam ser inseridos no mundo financeiro. Os sócios da Contea têm
três décadas de mercado, atuando na estruturação e gestão de fundos de
crédito. E o veículo escolhido para o primeiro produto é um fundo de
direitos creditórios (Fidc), chamado Four Even. Esse é o nome da empresa
que nasceu junto com ele, e reúne os cinco maiores produtores de shows
das cinco regiões do país.
“Nos fundos que estruturamos, teremos sempre um consultor, um grande
especialista no segmento, que nos trará número e informações sobre o
negócio. Nosso papel será o de traduzir isso tudo para o ambiente da Faria
Lima, na precificação, na mitigação de riscos e estruturação de garantias”,
diz o sócio Cristiano Pardi. Os donos da Contea investirão junto com os
cotistas, o que, afirmam, mostra o alinhamento deles ao negócio.
Segundo os executivos, o mercado de shows no Brasil movimentou algo em
torno de R$ 300 bilhões em 2019, ou cerca de 4,5% do PIB. Desde 2020 está
paralisado pela pandemia, e a aposta do Fidc é que quando os eventos
forem liberados haverá grande demanda reprimida para os espetáculos. Em
função da procura, espera-se que o valor de cada apresentação, assim com
o cachê dos artistas, subam.
O papel da Four Even é apresentar à equipe da Contea quais são os artistas
com mais capacidade de valorização e atração de público, ou seja, que
poderão representar um bom investimento. A primeira pedida foi a compra
de uma temporada de 192 shows do cantor Gusttavo Lima - de acordo com
informações de mercado, o fundo avaliou em R$ 100 milhões todas essas
datas ao artista. Como o Fidc ainda está em fase de captação, os executivos
não confirmam os valores. Lima será uma espécie de “âncora” do fundo,
que está em fase final de negociação com mais três nomes: outro
representante sertanejo, uma estrela da MPB e um astro dedicado à música
eletrônica.
Para fazer a oferta a Gusttavo Lima, o trabalho da Contea foi o de fazer a
conta de quanto vale cada show do artista, levando em consideração os
números de turnês passadas, entre 2017 e 2019. Uma parte desse dinheiro,
após a aplicação de uma taxa de desconto, foi antecipada ao artista. A outra
está atrelada à performance dele - ou à condução da sua carreira, que
poderá fazer com que seu cachê se valorize mais ou menos. No modelo, o
fundo tem hoje as datas. E existe uma estratégia de gestão ativa dessa
agenda, que busca um valor médio de venda de cada apresentação futura
acima do valor de compra antecipado pelo fundo hoje.
Assim, o fundo terá perdas ou ganhos em função da oscilação desse valor
do show. Nessa indústria, o produtor compra a participação do artista nos
shows e faz o pagamento diretamente a ele - no caso de Gusttavo Lima, a
partir de agora, será feito ao fundo. Nem o artista e, portanto, nem o fundo,
correm o risco de bilheteria ou de eventuais problemas que impeçam a
realização do evento. “Se chover ou não tiver público, por exemplo, não são
riscos do fundo. Se a data foi vendida, o fundo vai receber. Existe uma
estrutura complexa, que inclui seguro, e garante o recebimento do dinheiro
assim que a data é vendida”, diz Marins.
Segundo ele, o formato dá a tranquilidade ao artista que pode seguir com
seu trabalho de criação sem se preocupar com a agenda. O risco que o
fundo corre é o da imagem do artista, de algo que ele faça ou que aconteça
que, por exemplo, façam com que ele não seja mais chamado para shows.
“Por isso, na aquisição da agenda, a análise é profunda. Não importa apenas
se ele canta bem. Temos que analisar como ele se comporta na vida dele e
como interage com os fãs e a mídia. Estamos comprando um ‘ativo’ que é
personificado. O show só poder ser feito por ele”, diz Marins.
Quando fecha com o fundo, o artista recebe uma parte do total e tem de
performar para receber o restante. Ele poderá, inclusive, diz Marins,
receber valor extra em relação ao que foi inicialmente acordado. “O fundo
não faz gestão de carreira, nem de imagem. O artista já tem essas equipes,
mas se isso for mal administrado, terá impacto no que o fundo pagará a
ele.”
No caso do fundo para futebol, a ideia da Contea é repetir a motivação do
investimento em startups, em que se compra pequena participação, sem
assumir a gestão. “Não seremos dirigentes de futebol, nem empresários.
Vamos escolher, com a ajuda de gente especializada, jogadores com
potencial, assessorados por bons empresários, e investiremos na carreira
deles. Aqui, a análise vai da parte física, da habilidade para jogo e também
do emocional”, afirma Marins.