Fundo tem aval para executar carga de empresa 'protegida'
Por Camila Souza Ramos | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Em um momento em que avança o crédito privado no agronegócio e em
que pululam recuperações judiciais no setor, inclusive de pessoas físicas,
novas controvérsias sobre regras e instrumentos de financiamento estão
emergindo.
Recentemente, uma companhia que acabara de entrar em recuperação
judicial perdeu na Justiça uma carga que havia sido dada como lastro de um
Certificado de Depósito Agropecuário/Warrant Agropecuário (CDA/WA).
No mês passado, a 16ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
deu razão ao Latin America Export Finance, fundo de commodities
gerido pela americana Crecera, que reivindicava uma carga de amendoim
que havia sido dada pela paulista Brumau como lastro de um empréstimo
de US$ 8 milhões. Após um embargo de declaração, a Justiça manteve a
decisão no início do mês.
Com três unidades de processamento de amendoim, a Brumau pediu
recuperação judicial em março. O pedido ativou uma cláusula prevista no
contrato de financiamento que a colocava imediatamente como
inadimplemente.
Como o empréstimo, na modalidade de pré-financiamento à exportação,
tinha como garantia títulos de CDA/WA referentes a lotes de amendoim, o
fundo decidiu resgatar a carga e vendê-la a uma concorrente da Brumau, a
Zuza Cereais. A mercadoria estava depositada em um armazém da Brumau
gerido pela Control Union, que figurou como depositária do produto.
A retirada imediata gerou controvérsia. O Latin America Export Finance diz
que a Brumau impediu a retirada da mercadoria do armazém. "O normal
seria não ter resistência, o procedimento é esse. Quem tem os títulos
apresenta ao depositário e tem o direito de retirar os bens. Só tem
demanda judicial quando o devedor resiste", disse Melissa Reis, sócia do
Feijó Lopes Advogados, que representa o fundo.
Nos autos, a Brumau alegou que, como a Justiça aceitou a recuperação
judicial, o crédito deveria ser incluído na lista de créditos e que essas cargas
eram "essenciais à atividade da empresa".
O juiz Leandro de Paula Martins Constant, porém, entendeu que o bem era
um direito extraconcursal (que não se encaixa na recuperação) e, além
disso, que não era dívida. Para o magistrado, os amendoins, lastro dos
CDA/WA, "não são mais propriedade" da Brumau porque esses títulos
"transferem a propriedade dos bens depositados aos portadores dos títulos
adquiridos por meio de endosso".
Ricardo Notari, da banca Nunes, D'Alva & Notari, que defende a
processadora de amendoim, disse que a Brumau "não fez objeção para a
retirada da mercadoria". "Avisaram em cima da hora, não tinha gente
preparada e acharam que estavam impedindo".
Para Reis, essa decisão reforça a garantia material da produção agrícola que
os CDA/WA dão a operações de financiamento "e que acabam sendo mais
fortes que um penhor ou hipoteca". Na B3, há em estoque 208 papéis de
CDA/WA, um quarto do estoque de Cédula do Produtor Rural Financeira
(CPR) - outro instrumento de garantia.
"Mas a CPR ou outro título não permitem a transferência de propriedade",
sustentou Reis. Porém, a obrigatoriedade de que o depositário tenha filial
no Estado onde o produto é armazenado ainda dificulta um uso mais
disseminado do CDA/WA, segundo advogados.