11/07/2025

Fazenda paulista afasta ITCMD da doação de imóvel no exterior

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP)
respondeu à consulta de um contribuinte que não incide Imposto de
Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre imóveis localizados no
exterior, mesmo que o doador esteja no Brasil. O entendimento agradou
especialistas por reconhecer a isenção, mesmo sem aplicar a decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, que vetou a cobrança
do imposto quando o doador está no exterior (Tema 825).
No caso que gerou a consulta à Sefaz (Resposta à consulta tributária nº
30969/2024), uma contribuinte que mora em São Paulo quer doar ao filho, que
mora em Portugal, um apartamento naquele país, além de valores em conta
bancária no exterior e participação societária em uma empresa portuguesa.
Na resposta à consulta, a Sefaz ressalta que o ITCMD foi instituído pela Lei
estadual nº 10.705/2000 e regulamentado pelo Decreto nº 46.655/2002. Em
nenhuma das duas normas há previsão para incidência do imposto sobre a
doação de bem imóvel localizado no exterior.
Por outro lado, o Estado destaca que incide ITCMD sobre a participação
societária em empresa nacional ou estrangeira, assim como bens móveis, títulos
e créditos (artigo 3º, incisos I e II). Portanto, no caso concreto, fica entendido
que o imposto incide sobre a transferência de valores em conta bancária no
exterior e da participação societária na empresa portuguesa.
Apesar de a consulta ser parcialmente e não totalmente favorável ao
contribuinte, especialistas entenderam que não era necessário aplicar a decisão
do STF no Tema 825 ao caso. No ano de 2022, a Corte declarou
inconstitucionais dispositivos da lei paulista que preveem a incidência do
ITCMD na transmissão por doador com domicílio ou residência no exterior;
ou por causa mortis, quando o falecido era residente ou teve o seu inventário
processado no exterior.
É o que explica Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers. “A isenção não afronta
o tema do Supremo porque ele falava de doador não residente e a consulta está
tratando de doador no Brasil”, explica. “O contribuinte parece estar tentando
se resguardar para não pagar imposto sobre a doação do imóvel”, diz.
A discussão no Supremo foi diferente da situação abordada pelo contribuinte
na solução de consulta respondida pela Sefaz, afirma Ana Carolina Monguilod,
sócia do CSMV Advogados e professora do Insper. “A SC está correta ao dizer
que a legislação atualmente em vigor determina que, no caso de bens imóveis,
tem competência para cobrar o ITCMD o Estado no qual o bem imóvel está
localizado”, afirma.
A resposta à consulta cita a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, que
instituiu a reforma tributária. Para Eduardo Diamantino, do Diamantino
Advogados Associados, no entanto, a reforma mudou a dinâmica de cobrança
do imposto e, assim, a resposta da Secretaria de Fazenda já nasceu defasada. Ele
destaca que o artigo 16 da emenda passou a prever que o ITCMD pode ser
cobrado com base no local de domicílio do donatário ou do herdeiro, e não só
com base no critério do local do bem.
“A consulta simplesmente ignorou isso e respondeu com a previsão
constitucional antiga, pré-reforma”, diz Diamantino. “Ela é exótica, criando
uma isenção que não precisava ter criado”, defende o advogado. A reforma
tributária estabelece que a cobrança é válida se prevista em lei estadual
específica. Porém, o Fisco paulista continuou a autuar contribuintes com base
na lei estadual já em vigor.
A cobrança do ITCMD sobre bens móveis no exterior é ainda mais
controversa, destaca Alexandre Tadeu Navarro, sócio do Bicalho Navarro
Advogados. Ele explica que a Constituição sempre exigiu uma lei complementar
federal que regulasse a cobrança do imposto pelos Estados. Quando julgou o
Tema nº 825, diz Navarro, o Supremo reforçou essa necessidade de lei
complementar (que exige quórum maior para aprovação do que as leis
ordinárias).
SP interpretou a reforma de modo a continuar aplicando a lei”
— Alexandre Navarro
Até lá, no entanto, os contribuintes entendem que o Estado de São Paulo não
poderia continuar aplicando a lei estadual existente, mas deveria ter editado
nova legislação. "São Paulo interpretou a reforma de modo a entender que
podia continuar aplicando a lei, mas aquela lei nasceu morta, não tinha base
constitucional”, diz. “Se depois surge uma base, não é possível repristinar aquela
lei antiga, reaproveitar a norma que era inválida, como o Estado de São Paulo
quer”, defende Navarro.
Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), foi proposto o
Projeto de Lei nº 7, em 2024, para atualizar a lei que rege a cobrança do ITCMD.
Ele institui expressamente a cobrança quando os atos de transferência tiverem
relação com o exterior. Porém, conforme a última movimentação, o PL está na
Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento, desde março do ano
passado.
Um caso muito parecido ao da consulta já chegou ao Supremo para análise
pelos ministros. Nesse caso, os contribuintes questionavam a cobrança de
ITCMD sobre a doação de cotas de empresa localizada no exterior por doador
que mora no Brasil. O argumento desses contribuintes era a necessidade de lei
complementar federal para incidência do imposto e a invalidade da lei estadual.
Segundo o ministro do STF Kassio Nunes Marques, no entanto, a lei
complementar é necessária apenas quando o doador morar no exterior, ou o
inventário for processado em outro país. “Sendo os doadores residentes no
Brasil poderá o Estado de São Paulo exercer plenamente a sua competência,
para instituir o ITCMD sobre os ativos financeiros recebidos pelos recorrentes
em doação”, afirma o ministro na decisão de dezembro de 2024 (RE 1524457).
Eduardo Diamantino, fundador do Diamantino Advogados Associados,
lembra que o próprio Supremo já havia decidido, no julgamento do Tema nº
110, no ano de 2008, que uma lei declarada inconstitucional não pode voltar a
valer automaticamente. “A Solução de Consulta nº 30.969, de 2024, está longe
de ter colocado um ponto final nas discussões sobre o tema, que ganharam
nova roupagem após a Emenda Constitucional 132”, resume o especialista.
Além disso, há tributaristas que entendem que a doação de bens no exterior
constituiria apenas o adiantamento da transferência por ocasião da sucessão por
morte. "A operação está só antecipando a transmissão dos bens antes que
ocorra o falecimento do detentor, sem alterar a natureza do que está sendo
transferido”, afirma Camila Tapias, sócia fundadora do Utumi Advogados.
“Seria totalmente plausível a aplicação do decidido no Tema 825 para o caso
julgado por Nunes Marques”, conclui ela.