06/12/2024

Escritórios de advocacia reestruturam atuação pro bono

Por Davi Vittorazzi* — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Alguns dos principais escritórios de advocacia do Brasil têm se reestruturado
internamente para atuar na advocacia pro bono, que é a prestação de
serviços jurídicos de forma gratuita a pessoas e entidades. Embora a prática
seja regulamentada há quase uma década, o desafio ainda enfrentado é de
consolidação dessa cultura social.
O termo “pro bono”, do latim, significa “para o bem público”. A chegada da
advocacia pro bono no país não tem data exata, mas há escritórios com registros
desse serviço há mais de 30 anos. O modelo de atuação foi regulamentado pela
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apenas no ano de 2015, por meio do
Ato de Provimento nº 166/2015.
Antes disso, apenas as defensorias públicas prestavam serviços jurídicos
gratuitos. No entanto, em todo Brasil, os órgãos estão sobrecarregados com a
grande demanda. Em São Paulo, Estado com mais de 44,4 milhões de
habitantes, existem atualmente 832 defensores públicos, segundo o próprio
órgão.
A defensoria paulista firmou convênios para a promoção da advocacia pro bono
com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, organização formada por
advogados criminais e defensores de direitos humanos, e com o escritório
Mattos Filho, além de atos de cooperação com faculdades de Direito.
“O Brasil tem uma carência de acesso à Justiça. As pessoas precisam acessar o
Poder Judiciário e muitas vezes não têm condições financeiras para isso. Então,
a advocacia pro bono é um dos instrumentos que se tornaram viáveis para
possibilitar isso”, contextualiza Roberto Quiroga, sócio do Mattos Filho, Veiga
Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.
Na semana passada, para fomentar a atuação de advogados na área, foi firmada
uma parceria inédita entre a Clínica de Litigância da FGV-SP e o escritório
Mattos Filho. A coordenadora da clínica, Eloisa Machado, explica que outro
objetivo do projeto é permitir aos alunos uma interação próxima de um
ambiente profissional. Os participantes atuarão em casos de litígio estratégico
sobre direitos humanos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Eloisa relata que a parceria é um modelo de advocacia de interesse público
inédito no país porque alia pesquisa, ensino e advocacia pro bono em casos de
alto impacto. “Certamente essa parceria poderá inspirar outros projetos, aliando
a advocacia e a academia, na promoção de direitos humanos”, afirma.
Quiroga conta que também existe no escritório um grupo chamado “100% Pro
Bono”, formado por advogados que trabalham exclusivamente nesses casos de
serviços gratuitos. O grupo atua em causas relacionadas a violência doméstica,
refugiados, comunidade LGBTQIA+, equidade racial e outras.
“O que a gente quer é estimular os escritórios, que eventualmente não tenham
algum programa formalizado de advocacia pro bono, para que possam fazer e
atender pessoas carentes”, disse. “Estamos nos unindo a uma faculdade de
Direito de referência do país, que vem atuando de forma muito relevante em
casos no Supremo Tribunal Federal. Para a gente, é um marco muito grande.”
Atualmente, o trabalho pro bono não gera efeito fiscal. Mas tramita na Câmara
dos Deputados, desde o ano de 2020, o Projeto de Lei nº 5592, do deputado
Denis Bezerra (PSB-CE), para incentivar a prática. O texto propõe a concessão
de incentivo fiscal no Imposto de Renda a advogados autônomos e escritórios
de advocacia (pessoa jurídica) quando exercerem advocacia pro bono, com
limite de 10% de desconto no IR devido.
Flavia Regina Oliveira, outra sócia do Mattos Filho e uma das responsáveis pelo
atendimento pro bono no escritório, destaca que a parceria com a defensoria e
a FGV-SP democratiza o acesso à Justiça. “Com essa iniciativa, aspiramos cada
vez mais mudar a jurisprudência dos tribunais, no Brasil, para garantir maior
efetividade na proteção dos direitos humanos”, afirma.
Desde a década de 1950, diz André Bernini, sócio do Pinheiro Neto Advogados
e membro da Comissão de Responsabilidade Social do escritório, a banca tem
registros de serviços pro bono. A atuação na área foi se aperfeiçoando, diz ele,
e se mantém de forma mais estruturada atualmente. Os advogados que pegam
esse tipo de caso recebem uma bonificação, aos moldes da remuneração de
atendimento de clientes que pagam pelo serviço.
“A gente tem um nível de atenção aos clientes pro bono igual aos clientes pagos.
O escritório inteiro é pro bono e todos os associados, sócios e estagiários
podem atuar nessa área", detalha. Segundo Bernini, há no Pinheiro Neto uma
média de 7 mil horas por ano de dedicação na área.
Com um sistema interno de controle e compromisso internacional firmado, o
Machado Meyer também atua na advocacia pro bono com o envolvimento da
alta liderança da banca. Isso faz toda a diferença, segundo Helena Rabethge,
gerente de Responsabilidade Social Corporativa e do instituto social do
escritório.
O Machado Meyer, porém, foca na advocacia pro bono para pessoas jurídicas,
como organizações sem fins lucrativos. “Trabalhamos também com estudos
comparativos de jurisdições, para a implementação de política públicas, como
já ocorreu em um trabalho sobre educação rural na América Latina”, diz.
Mas segundo Helena, o escritório já atuou em mutirões e em processos para
retificação de nomes de pessoas trans. “A gente entende que esta é uma questão
social no país e que precisa da ajuda privada por conta das custas envolvidas”,
explica.
Fernanda Sá Freire, sócia da área de tributária e uma das responsáveis pela
advocacia pro bono do Machado Meyer, diz que, muitas vezes, o escritório é
instigado a fazer a atuação pro bono e ações sociais pelos próprios clientes do
escritório.
Fernanda detalha ainda que esse modelo de atuação é uma tendência mundial.
Segundo ela, uma possibilidade de desenvolver o pro bono no Brasil seria, por
exemplo, a vinculação da manutenção de licenças à comprovação de dedicação
a horas pro bono, uma prática já aplicada em outros países.