Empresas distribuem R$ 100 bi em dividendo e ações gratuitas para se antecipar a imposto mínimo
Por: Eduardo Cucolo
Fonte: Folha S. Paulo
A entrada em vigor do Imposto de Renda Mínimo para altas rendas em 2026 já
levou as grandes empresas listadas em Bolsa a anunciarem a distribuição de
quase R$ 100 bilhões em lucros acumulados até este ano, segundo levantamento
feito pela Folha com base em comunicados publicados no site da CVM
(Comissão de Valores Mobiliários).
A maioria optou pelo pagamento com dividendos, o que significa dinheiro para
o investidor, mas algumas companhias têm buscado uma alternativa: remunerar
o acionista por meio da entrega de ações resgatáveis, sem desembolso de caixa.
Os dados consideram os anúncios feitos de 1º de novembro a 16 de dezembro,
com base em lucros retidos ao longo dos últimos anos ou apurados em 2025.
Entre as maiores distribuidoras de dividendos ou ações estão a geradora e
transmissora de energia Axia (R$ 34,3 bilhões), o Itaú Unibanco (R$ 23,4
bilhões) e a Rede D'Or (R$ 7,7 bilhões). Nenhuma das companhias deixou
explícito o que motivou a decisão de pagamento.
Cerca de metade desse valor (R$ 52 bilhões) será entregue em dinheiro até 2028
—sendo R$ 36 bilhões distribuídos neste ano.
A outra parte será paga aos sócios por meio das chamadas ações bonificadas,
que é a distribuição gratuita de novos papéis, de forma proporcional à
participação do acionista na empresa. Nesse último caso, há uma capitalização
da companhia por parte dos sócios.
O QUE SÃO AÇÕES BONIFICADAS
Com a emissão de ações, as empresas evitam esvaziar seu caixa ou se
endividarem para pagar os sócios. É também uma forma de manter os recursos
no país. Cerca de 60% das ações na Bolsa estão nas mãos de estrangeiros, e há
receio de que o pagamento de dividendos neste fim de ano pressione o câmbio.
Sergio Ricardo Fogolin, sócio do escritório Siqueira Castro Advogados, explica
que ações bonificadas podem ser vendidas normalmente na Bolsa e seguem as
mesmas regras de tributação. Mas, ao contrário dos dividendos, que são
dinheiro direto na conta, a bonificação só gera liquidez se ele vendê-las.
"Quem prefere liquidez imediata tende a gostar mais de dividendos, quem
aposta na valorização da empresa pode se beneficiar das bonificações", afirma
Fogolin.
No caso dos programas anunciados neste fim de ano, há a possibilidade de
recompra dos papéis pelas próprias empresas.
Entre as companhias que divulgaram comunicados destaca-se a Axia Energia
(ex-Eletrobras), que marcou assembleia no dia 19 para analisar a decisão do
conselho da empresa sobre o tema. A proposta é transformar em capital R$
34,3 bilhões das reservas de lucro, com a entrega de novas ações preferenciais
aos acionistas em 26 de dezembro, segundo fato relevante publicado na CVM.
Segundo a empresa, a operação preserva a flexibilidade financeira e a capacidade
de investimento, evita a diluição dos acionistas e resguarda o direito das ações
preferenciais sobre dividendos, por meio da criação de uma nova classe dessas
ações, resgatáveis e/ou conversíveis em ordinárias até 2031.
A Rede D'Or São Luiz anunciou o pagamento de R$ 5,6 bilhões em dividendos
em 30 de dezembro de 2025 e R$ 2,1 bilhões até 30 de dezembro de 2026,
sendo estes últimos "com a retenção dos tributos eventualmente devidos".
REGRAS DE ISENÇÃO
Diversos advogados entendem que a tributação de lucros registrados até 2025,
ou seja, antes da criação do imposto mínimo, é inconstitucional, mesmo que os
dividendos sejam pagos nos anos seguintes.
A nova lei, no entanto, só garante a isenção se a empresa definir o que vai fazer
com eles até o próximo dia 31 e pagar os valores até 2028. Para sociedades
anônimas, há dúvida sobre esse último prazo, e muitas optaram por
desembolsar o dinheiro ainda neste ano.
Para evitar disputas no Judiciário, muitas companhias decidiram seguir o que
está na lei.
Nos comunicados entregues à CVM, algumas empresas citam textualmente que
a decisão sobre a distribuição do lucro acumulado ou capitalização segue a nova
lei do Imposto de Renda da Pessoa Física, sancionada em novembro pelo
presidente Lula (PT).
Pela nova legislação, haverá retenção na fonte de 10%, a partir de 2026, no
pagamento de dividendos acima R$ 50 mil por mês para pessoas físicas
residentes. Para estrangeiros, a retenção independe do valor. A tributação
definitiva depende de outras rendas recebidas pelo investidor e será calculada
na declaração do IRPF do ano seguinte.
A maioria das empresas tem utilizado como base de cálculo os lucros
acumulados até setembro deste ano, data do último balanço trimestral, sejam
eles referentes ao atual exercício ou a anos anteriores.
Algumas levantaram números até 31 de outubro e 30 de novembro,
antecipando a apuração do lucro que só seria divulgado em 2026.
Nesta terça (16), a Receita Federal divulgou documento no qual confirma a
validade da isenção tanto para esses dividendos como para a capitalização feita
dentro das regras previstas na nova lei.
IMPACTO FISCAL
Tramita no Congresso uma proposta para estender o prazo para definir a
distribuição dos dividendos até abril, mas representantes das empresas avaliam
que são praticamente nulas as chances de aprovação da proposta nesta última
semana de funcionamento do Congresso.
O governo também já sinalizou ao setor privado que não está entre as suas
prioridades neste fim de ano editar uma medida provisória para dar mais tempo
às empresas.
O impacto fiscal dessa antecipação depende de alguns fatores. Os cálculos de
arrecadação com o novo imposto já consideraram que haveria redução na
distribuição de lucros como reação ao novo tributo.
Além disso, parte desse dinheiro se refere a resultados que estavam retidos há
décadas e dificilmente seriam distribuídos nos próximos anos. O governo
também considerou nas projeções o valor distribuído nos anos pós-pandemia,
que está cerca de 15% acima da média histórica e poderia não se repetir no
futuro.
Em relatório divulgado em 4 de dezembro, o BTG Pactual computava o
anúncio de R$ 68 bilhões em dividendos desde novembro, sendo pelo menos
R$ 35,7 bilhões em recursos extras. O banco estima que os lucros retidos até o
final do terceiro trimestre deste ano somem R$ 548 bilhões, o equivalente a
20% do valor de mercado dessas companhias.
O maior valor em dividendos nesse período é do Itaú Unibanco, que anunciou
o pagamento de R$ 23,4 bilhões em dividendos referentes ao exercício de 2025
e juros sobre capital próprio aos acionistas.
A Abrasca (associação das companhias abertas) calcula que as empresas
brasileiras de capital aberto possuem cerca de R$ 240 bilhões em lucros
acumulados que ainda não haviam sido repassados a seus sócios.