Dúvidas contábeis no PL 1.087 (altas rendas)
Por: Edison Fernandes
Fonte: Valor Econômico
Quem acompanha este espaço já percebeu que a relação entre Direito
Tributário e Contabilidade é um assunto recorrente. Do meu lado, tenho
defendido há bastante tempo o diálogo entre essas disciplinas e talvez mais que
isso: uma interrelação mais estreita (recursividade) entre elas. No Projeto de
Lei – PL 1.087, que isenta de imposto as cidadãs e os cidadãos que
tenham renda até cinco mil reais e propõe como compensação a tributação
mínima das chamadas “altas rendas”, há vários temas contábeis, dos quais
dois merece atenção.
Preliminarmente, é importante comentar, ainda que brevemente, o modelo de
integração proposto neste PL. Para lembrar, essa integração seria entre a
tributação do lucro da pessoa jurídica e a tributação dos rendimentos da pessoa
física dos sócios, remunerada normalmente por meio de dividendos
(distribuição do lucro da pessoa jurídica. A política tributária, por meio da
legislação, deve fazer uma escolha entre, basicamente, tributar exclusivamente
a pessoa jurídica, o que implica a isenção dos dividendos (modelo atual), tributar
exclusivamente a pessoa física (modelo de difícil implementação) ou distribuir
(dividir) a tributação entre a pessoa jurídica e a pessoa física, o que se pretende,
de certa forma, no PL 1.087.
No modelo do PL 1.087, de maneira sumária, o montante dos tributos sobre o
lucro da pessoa jurídica será utilizado como “redutor” do imposto mínimo
devido pela pessoa física do sócio – quase como uma compensação, de modo
a “integrar” os tributos sobre o lucro da pessoa jurídica com a tributação do
rendimento (dividendos) da pessoa física do sócio. Nessa integração, surgem os
dois pontos de dúvida contábil do PL, destacados para serem comentados neste
artigo.
Em primeiro lugar, é preciso definir qual a “carga tributária” suportada pela
pessoa jurídica, para que o respectivo montante seja “integrado” com a
tributação dos dividendos distribuídos. O PL utiliza a alíquota efetiva do
imposto devido. A noção de “imposto devido” não está suficientemente clara,
haja vista que a apuração dos tributos sobre o lucro da pessoa jurídica considera
ajustes permanentes e temporários, o que resulta em tributo corrente e tributo
diferido (tanto ativo quanto passivo). Nesse sentido, o “imposto devido” não é
necessariamente a “despesa do imposto”.
Além disso, o “imposto devido” tampouco é necessariamente o valor que
consta na guia de recolhimento (DARF). Isso porque há previsão legal de
destinação do imposto que não seja o recolhimento aos cofres públicos. São
situações em que a empresa contribuinte “escolhe” onde os recursos do
imposto devido será aplicado.
Em segundo lugar, os elaboradores do PL 1.087 tiveram consciência do
desenvolvimento de atividade empresarial, e a respectiva geração de lucros, por
meio de grupos econômicos. Dessa forma, pode acontecer, dentro do grupo
econômico, que algumas empresas tenham lucro e recolham os tributos
correspondentes e outras apurem prejuízo. Em razão disso, o PL permite a
consideração da alíquota efetiva do consolidado das operações,
independentemente da pessoa jurídica que as desenvolve.
Sobre esse ponto também é dúvida se estamos diante das regras contábeis sobre
a contabilidade consolidada, isso porque há disposições expressas no âmbito da
regulamentação contábil sobre o assunto. Vale ressaltar que o “balanço
consolidado” é elaborado para grupos de empresas com relações de controle:
consolidam-se os balanços das controladas.
No entanto, há situações – não raras – em que o lucro de uma pessoa jurídica é
formado com parte do lucro de outra empresa que não está sob seu controle,
isto é, coligadas (método de equivalência patrimonial – MEP) ou participações
societárias sem influência significativa (método do custo). A dúvida é como
tratar a “consolidação” prevista no PL.
Enfim, os temas contábeis do PL 1.087 geram dúvidas sobre qual o valor
relativo aos tributos sobre o lucro da pessoa jurídica que será utilizado para
“integrar” a tributação sobre os dividendos da pessoa física dos sócios.