Corrida dos dividendos': empresas vão pagar R$ 37 bi extras para blindar acionistas de alta do IR
Por: Roberto Malfacini
Fonte: O Globo
A aproximação da nova regra que vai taxar dividendos a partir de 2026, criada
para compensar a nova lei do Imposto de Renda que isenta salários até R$ 5
mil, desencadeou uma verdadeira onda de pagamentos extraordinários entre
empresas listadas na Bolsa brasileira.
Um relatório do BTG Pactual mostra que, apenas desde o início de novembro,
as companhias anunciaram R$ 68 bilhões em proventos, e pelo menos R$ 35,7
bilhões desse total correspondem a dividendos extras, pagos antecipadamente
para evitar a cobrança de 10% que entrará em vigor no próximo ano.
Segundo o BTG, a combinação de lucros robustos com baixa alavancagem
financeira abriu caminho para diversas companhias “transformarem reservas de
anos anteriores em pagamentos extraordinários”, como forma de “blindar
acionistas da mudança tributária”.
Imobiliárias puxam a fila de dividendos extras
Conforme o relatório, o setor imobiliário é o destaque na lista de empresas que
já confirmaram pagamentos extras. Seis companhias do ramo anunciaram
dividendos extraordinários nas últimas semanas, entre elas Even, Trisul e Eztec,
com retornos que chegam a quase 10% do preço da ação, o chamado yield,
indicador usado pelo mercado para medir o retorno do dividendo em relação
ao valor do papel.
Itaú, Vale e Petrobras entre os maiores desembolsos
Entre os maiores valores anunciados no trimestre, considerando dividendos
regulares e os extraordinários, estão Itaú, com R$ 23,4 bilhões, Vale (R$ 15,3
bilhões), Petrobras (R$ 12,2 bilhões) e Axia (antiga Eletrobras, com R$ 4,3
bilhões). Embora parcela desses montantes esteja na política regular de
dividendos das empresas, o BTG aponta que boa parte dos anúncios foi
antecipada para aproveitar a regra atual e escapar da tributação prevista para o
próximo ano.
Principais pagamentos anunciados


Entenda a regra
A lei proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso prevê a isenção do
Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês — uma promessa de
campanha do presidente Lula. Para compensar essa perda de arrecadação será
compensada por uma nova alíquota mínima de até 10% para quem ganha acima
de R$ 600 mil por ano.
Não se trata de uma alíquota adicional ao que já é pago hoje por esses
contribuintes. Mas sim de um patamar mínimo que eles deverão recolher caso
a cobrança atual não chegue a esse nível. Assim, um contribuinte de alta renda
assalariado, que já recolha mais do que 10% para o IR, não será tributado.
Na base dessa nova alíquota, entrarão rendimentos hoje isentos, como
dividendos de acionistas, e outras rendas já parcialmente tributadas, como
alugueis. O Fisco vai somar os ganhos totais desse contribuinte de alta renda,
de todas as fontes (salários, alugueis, dividendos e outros). Caso a cobrança
atual de IR seja muito baixa, será feito um ajuste para garantir um pagamento
mínimo.
Essa alíquota mínima de IR será de no máximo 10%. Haverá uma "escadinha",
chegando a 10% só para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão por ano. Confira
a seguir:
Vem mais por aí
A tendência é que novos anúncios de distribuição de dividendos sejam feitos
nas próximas semanas, segundo o BTG. O banco calcula que as empresas sob
sua cobertura acumulavam, até setembro, R$ 548 bilhões em lucros e reservas,
representando cerca de 20% do valor de mercado desses grupos. Embora nem
tudo vá virar distribuição imediata de dividendo para acionistas, o banco afirma
que “há muito mais por vir”, especialmente porque o prazo para declarar
dividendos ainda livres da nova taxação se encerra no fim de dezembro.
Entre as companhias apontadas pelo BTG como fortes candidatas a anunciar
dividendos extraordinários estão nomes de diferentes setores da economia. No
setor imobiliário, aparecem a Direcional, focada em habitação popular e
projetos ligados ao Minha Casa Minha Vida, e a Cyrela, uma das principais
incorporadoras do país, com atuação concentrada em empreendimentos de
médio e alto padrão.
No ramo de energia, entram a Copel, responsável pela geração, transmissão e
distribuição no Paraná, a Energisa, que opera distribuidoras em 11 estados, e a
Isa Energia (antiga ISA CTEEP), gigante da transmissão responsável por parte
relevante da rede de alta tensão no Sudeste.
Entre as empresas de tecnologia e telecomunicações, a Unifique se destaca pela
oferta de internet em fibra óptica no Sul do país. Já no setor de consumo, a lista
inclui a Ambev, maior fabricante de bebidas da América Latina, enquanto na
indústria de base aparece a Usiminas, uma das principais siderúrgicas brasileiras,
com forte presença no mercado de aços planos.
Efeito sobre a Bolsa deve ser sentido, mas diluído no tempo
O BTG estima que parte relevante desses dividendos será reinvestida no
mercado acionário por investidores pessoa física, fundos e estrangeiros.
Considerando que o Ibovespa movimenta em média R$ 24 bilhões por dia, a
entrada de parte desse capital tende a ajudar a sustentar o bom momento da
Bolsa.
Ainda assim, o impacto deve ser gradualmente absorvido, já que as empresas
não precisam pagar os valores imediatamente. Pela lei, os dividendos declarados
até 31 de dezembro podem ser quitados entre 2026 e 2028, diluindo os efeitos
ao longo dos próximos anos.