Congresso foi omisso ao não tributar grandes fortunas, decide STF
Fonte: Migalhas quentes
O STF formou maioria, nesta quarta-feira, 6, para reconhecer a omissão do
Congresso Nacional em regulamentar o omposto sobre grandes fortunas,
previsto na Constituição Federal.
A decisão seguiu o voto do relator, ministro aposentado Marco Aurélio,
acompanhado inicialmente pelo ministro Cristiano Zanin, que chegou à mesma
conclusão, mas apresentou fundamentação parcialmente distinta.
Ficaram vencidos o ministro Flávio Dino, que divergiu apenas quanto à fixação
de prazo para o Congresso editar a lei, e o ministro Luiz Fux, que discordou
integralmente, por entender que não há omissão inconstitucional na ausência
de regulamentação do imposto.
Veja o resultado:
Histórico
O processo começou a ser julgado no plenário virtual, mas voltou à pauta
presencial após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes.
O decano da Corte cancelou o destaque no último dia 20/10, mas a ação foi
mantida na pauta pelo presidente do Supremo, ministro Edson Fachin.
A sessão do dia 23/10 foi destinada à sustentação oral da advogada do PSOL.
Entenda o caso
A ação foi ajuizada pelo PSOL, para que o Supremo reconheça a omissão
inconstitucional do Congresso Nacional em editar a lei complementar que
institua o imposto sobre grandes fortunas.
O partido sustenta que, mais de três décadas após a promulgação da
Constituição de 1988, o dispositivo permanece sem regulamentação, impedindo
a efetividade dos objetivos fundamentais da República, como a redução das
desigualdades sociais.
A AGU e a PGR manifestaram-se pela improcedência da ação, afirmando que
a instituição do tributo constitui faculdade política da União, não um dever
constitucional, e que eventual fixação de prazo legislativo afrontaria o princípio
da separação dos poderes.
Sustentação oral
Em sustentação oral no STF, a advogada Bruna de Freitas do Amaral,
representante do PSOL, afirmou que o Congresso Nacional está omisso há mais
de 30 anos em regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, previsto na
Constituição.
Ela defendeu que a ausência do tributo viola os princípios da justiça fiscal e da
solidariedade, perpetuando um sistema regressivo que tributa mais o consumo
do que o patrimônio.
Segundo Bruna, o IGF é um instrumento de equilíbrio social e dever
constitucional, não uma escolha política. Pediu que o STF reconheça a mora do
Congresso e determine a adoção das medidas necessárias à criação do imposto.
Voto do relator
No plenário virtual, o relator, ministro aposentado Marco Aurélio, entendeu
configurada a omissão inconstitucional do Congresso Nacional. Para S. Exa., a
falta de deliberação sobre projeto de lei que trate do tema "revela inatividade
incompatível com a Constituição Federal".
O ministro citou precedente do STF na ADIn 3.682, de relatoria de Gilmar
Mendes, segundo o qual a demora irrazoável na apreciação de proposições
legislativas pode caracterizar mora inconstitucional.
"Não é admissível transformar a Lei das leis, que é a Constituição Federal, em 'sino sem
badalo', na dicção do professor José Carlos Barbosa Moreira, sob pena de ter-se o prejuízo à
força normativa do texto e a perda de legitimidade do Judiciário", afirmou Marco Aurélio.
Segundo o relator, o imposto sobre grandes fortunas - único entre os impostos
ordinários previstos na Constituição ainda não implementado - é instrumento
apto a promover justiça social e reduzir desigualdades, especialmente diante da
crise fiscal e social agravada pela pandemia.
"Passados 31 anos da previsão constitucional, que venha o imposto, presente a eficácia, a
concretude da Constituição Federal. Com a palavra, o Congresso Nacional", concluiu.
Apesar de reconhecer a mora legislativa, Marco Aurélio recusou-se a fixar prazo
para atuação do Congresso, sustentando que tal medida extrapolaria a função
jurisdicional.
"É perigoso, em termos de legitimidade institucional, uma vez que, não legislando o Congresso
Nacional, a decisão torna-se inócua", advertiu.
Assim, votou pela procedência da ação, sem impor prazo ao Legislativo para
regulamentar o tributo.
Veja o voto.
Ao proferir seu voto na sessão desta quinta-feira, ministro Flávio Dino
reconheceu a omissão inconstitucional do Congresso Nacional, entretanto
divergiu parcialmente sobre a fixação de prazo. O ministro destacou que o
sistema tributário brasileiro é regressivo e incompatível com o princípio da
capacidade contributiva, previsto na Constituição.
Ressaltou que o art. 153, VII, da CF não confere mera faculdade à União, mas
impõe um dever jurídico de instituir o IGF, o que não foi cumprido desde 1988.
Dino observou que a existência de projetos de lei sobre o tema não afasta a
mora legislativa, já que nenhum foi levado à votação efetiva. Argumentou ainda
que a falta de regulamentação impede uma tributação justa sobre a riqueza,
perpetuando desigualdades econômicas e sociais.
Ao concluir, o ministro declarou procedente a ação e fixou o prazo de 24 meses
para que o Congresso edite a lei complementar que institua o imposto,
ponderando que a medida busca equilibrar a efetividade da Constituição com a
viabilidade política e orçamentária do Parlamento.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator para reconhecer a omissão
legislativa do Congresso Nacional na regulamentação do IGF.
Em seu voto, Zanin afirmou que a mora legislativa é evidente, uma vez que,
mais de três décadas após a promulgação da Constituição, o imposto ainda não
foi instituído. Contudo, divergiu parcialmente do relator quanto à fixação de
prazo para o Congresso editar a lei complementar.
O ministro destacou que há debates intensos sobre os impactos econômicos do
imposto e mencionou iniciativas internacionais, como discussões no G20 e na
ONU, voltadas à criação de um modelo global para o tributo. Segundo ele, uma
instituição isolada do IGF apenas no Brasil poderia gerar fuga de capitais,
motivo pelo qual defendeu uma abordagem coordenada no cenário
internacional.
Diante desse contexto, Zanin acompanhou o relator quanto ao reconhecimento
da omissão, também deixou de fixar prazo para o Congresso legislar, entretanto,
adotou fundamentação diversa. Os ministros Dias Toffoli e Nunes Marques
acompanharam o voto.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou integralmente o relator no julgamento
sobre a omissão do Congresso em instituir o imposto sobre grandes fortunas.
Para ela, o sistema tributário é composto por competências que não são apenas
poderes, mas deveres de atuação dos entes federativos, essenciais à realização
dos objetivos da República e à promoção da igualdade.
A ministra afirmou que, passados quase 40 anos da promulgação da
Constituição, há uma omissão inconstitucional pela falta de regulamentação do
tributo, o que enfraquece o sistema tributário e amplia desigualdades, já que a
ausência do imposto sobre grandes fortunas acaba onerando mais os que têm
menos.
Embora reconheça a omissão, Cármen Lúcia discordou da proposta de fixar
prazo para o Congresso legislar, entendendo que os prazos políticos não se
confundem com os jurídicos. Assim, votou com o relator, reconhecendo a
omissão, mas sem estabelecer prazo, reafirmando que a competência tributária
é também um dever do Estado na busca pela justiça fiscal e pela igualdade
social.
O ministro Alexandre de Moraes reconheceu a omissão do Congresso
Nacional em instituir o imposto sobre grandes fortunas. Destacou que, dos oito
tributos de competência da União, apenas esse não foi regulamentado, embora
o constituinte tenha determinado sua criação por lei complementar,
reconhecendo sua importância para a justiça fiscal e a redução das desigualdades
sociais.
Moraes observou que o tema é discutido desde 2008, com diversos projetos de
lei sem avanço, e comparou o Brasil a outros países que já adotaram tributos
semelhantes. Ressaltou, contudo, a necessidade de estudos técnicos para evitar
a fuga de capitais.
Por fim, afirmou que a ADO tem caráter de advertência institucional e que o
Supremo não pode substituir o Congresso na criação de tributos. Assim,
reconheceu a omissão legislativa, mas sem fixar prazo para que o parlamento
edite a lei, conforme o relator.
Divergência
O ministro Luiz Fux apresentou voto divergente no julgamento sobre a
omissão do Congresso Nacional em instituir o imposto sobre grandes fortunas.
Em sua manifestação, ele afirmou não reconhecer a existência de omissão
inconstitucional e defendeu a autocontenção judicial, isto é, a limitação do papel
do Judiciário em temas que envolvem escolhas políticas e econômicas próprias
do Legislativo e do Executivo.
Segundo Fux, o momento atual, marcado pela tramitação de propostas e
debates no âmbito da reforma tributária, demonstra que o Parlamento tem se
debruçado sobre o tema, razão pela qual não se pode falar em inércia legislativa.
O ministro destacou que é preciso distinguir entre "opção" e "omissão",
ressaltando que, no caso, a ausência de instituição do imposto reflete uma opção
política legítima, e não uma omissão inconstitucional.
Com base nesse entendimento, o ministro considerou que cabe exclusivamente
à União, por meio do processo legislativo, decidir sobre a conveniência e
oportunidade de criar o tributo, e que o Poder Judiciário não pode substituir o
juízo político dos representantes eleitos. Ele enfatizou ainda que o
reconhecimento de omissão inconstitucional neste contexto violaria o princípio
da separação dos poderes.
Fux também criticou o uso do Judiciário por partidos políticos como meio de
buscar resultados que não conseguiram alcançar na arena parlamentar,
afirmando que essa prática fragiliza a legitimidade das decisões políticas e
distorce o papel institucional do STF.
Assim, em respeito à autonomia do Parlamento e à natureza política da decisão
sobre a criação do imposto, o ministro votou pela improcedência do pedido
formulado pelo PSOL, afastando o reconhecimento de omissão do Congresso
Nacional.
No Congresso
Em outubro de 2024, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do PLP
108/24, segundo projeto da reforma tributária, que trata da administração e
cobrança do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços - o novo tributo que
substituirá o ICMS e o ISS.
Durante a sessão, os parlamentares rejeitaram emenda do deputado Ivan
Valente que propunha a instituição do IGF - imposto sobre grandes fortunas,
incidente sobre patrimônios superiores a R$ 10 milhões.
A proposta visava ampliar a progressividade do sistema e reforçar a arrecadação
de altos rendimentos, mas não obteve apoio da maioria.
Com a conclusão dessa etapa, o PLP 108/24 seguiu para o Senado,
consolidando, no âmbito legislativo, a opção política de não incluir o imposto
sobre grandes fortunas na reforma tributária em curso - exatamente o ponto
central da omissão questionada no STF.
· Processo: ADO 55