19/02/2024

Companhias intensificam renegociação com credores em 2024

Por Fernanda Guimarães, Cristian Favaro e Mônica Scaramuzzo — De São
Paulo
Fonte: Valor Econômico
Empresas que decidiram não reestruturar seus passivos no ano passado na
esperança de que a melhora da economia e a queda de juros pudessem mitigar
os problemas financeiros devem ser protagonistas de uma nova onda de
processos de renegociação em 2024. Após um ano recorde de pedidos de
recuperação judicial, as companhias deverão seguir com repactuação de dívidas,
buscando proteção contra credores, acordo extrajudicial ou mecanismos no
mercado de capitais.
O caso mais recente foi o da Gol, que ingressou com recuperação judicial nos
Estados Unidos, com dívidas de R$ 20,3 bilhões reportadas no fim do quarto
trimestre. Na pandemia, a demanda por aviões estava perto de zero, o que
facilitou a reestruturação da rival Latam, que entrou com pedido de proteção
contra credores naquele período.
Na petroquímica Unigel, credores, controladores e detentores de dívidas
(“bondhholders”) estão em intensas negociações para evitar pedido de proteção
aos credores, processo que se arrasta há meses. A InterCement também
renegocia com credores e colocou ativos à venda no Brasil e Argentina para
ajustar seu balanço.
Segundo especialistas consultados pelo Valor, essa tendência deverá atingir
empresas que ainda estão com o custo da dívida sufocando a geração de caixa,
algo que não será amenizado com a queda dos juros ao longo de 2024. Muitas
empresas estão ainda com vencimentos importantes neste ano e em 2025, e boa
parte enfrenta dificuldade de mudar o perfil do endividamento e alongar os
prazos. Existe uma visão de que o setor do varejo, ainda estrangulado, também
seguirá com processos de reestruturação de seus balanços.
Importantes varejistas, como Casas Bahia (ex-Via), estão buscando alternativas
para reduzir endividamento. O Magazine Luiza anunciou aumento de capital de
R$ 1,25 bilhão, com suporte da família Trajano e BTG Pactual, para endereçar
o problema. No mercado, analistas projetam que a operação pode ajudar a
reduzir a alavancagem do grupo.
Para o sócio da gestora Farallon, Antenor Camargo, foi observado no segundo
semestre do ano passado uma melhoria de humor do empresariado brasileiro
principalmente após o início do ciclo de corte de juros. “A percepção de ‘luz
no fim do túnel’ melhorou o cenário de crédito de um ano que começou muito
difícil [com a crise da Americanas]. O início de 2024 deixa claro que a direção e
intensidade da queda de juros foi importante, mas não suficiente para reverter
a pressão financeira das companhias - principalmente para aquelas que não
equalizaram seus passivos em 2022 e 2023.”
De acordo com Camargo, o custo financeiro médio no pós-covid ainda está
excessivo e trará consequências nesse ano. “Uma retomada na atividade do
mercado de ‘equities’ [ações] em 2024 pode suavizar o quadro.”
Luciano Lidemann, da consultoria FTI, conta que o ano começou agitado para
as empresas que buscam estruturações financeiras. Segundo o executivo, no
entanto, nem todos os casos são rumo a uma recuperação judicial, mas de
negociação bilateral com credores. “Todo o período de juros alto achatou a
estrutura de capital das empresas”, afirma.
Lidemann aponta que muitas empresas seguraram os processos à espera da
abertura mais firme do mercado de capitais e algumas conseguiram acessar
recursos com aumentos de capital via ofertas subsequentes (“follow-ons”), por
exemplo, mas que o mercado ainda não está aberto para todas as companhias.
“Muitas empresas têm vencimentos em 2024 e 2025 e não podem esperar
mais”, afirma o executivo.
Diante desse cenário, a administradora de recuperação judicial, EXM Partners,
enxerga mais um ano de pedidos de proteção contra dos credores, depois do
recorde de 2023. A projeção é de que o número de processos de recuperação
judicial suba 10% neste ano ante o ano anterior.
A liquidez geral voltou. Há soluções de mercados de capitais”
— Bruno Baratta
O sócio da EXM Partners, Eduardo Scarpellini, afirma que a expectativa está
ancorada na leitura de que há processos de recuperações judiciais represados no
período de pandemia e que agora devem se desenrolar. “Na pandemia, os
bancos foram mandatados para pedalarem operações e houve a injeção de
recursos nesse período. E os vencimentos começaram agora”, diz. O setor do
agronegócio deverá observar um aumento do número de casos, diante das secas
e alta de custos, em parte como reflexo do aumento dos preços dos fertilizantes
por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Para Pedro Sternick, sócio da Latache Capital, passado o período mais agudo
ao longo deste ano, haverá estabilidade do número de processos de
reestruturação, algo que virá naturalmente com a continuidade da queda das
taxas de juros da economia. “O filme está melhor do que no ano passado, mas
a foto ainda não está boa.”
Para Bruno Baratta, responsável pela operação brasileira do banco Houlihan
Lokey, a leitura também é de melhora de cenário, decorrente da maior liquidez
do mercado em relação ao ano passado. Por isso, segundo ele, o ambiente se
desenha para menos recuperações judiciais de emergência - ou seja, as que
ocorrem diante da ausência de caixa. “A liquidez de forma geral voltou. Há
soluções de mercados de capitais”, diz, destacando a retomada de emissões.
Baratta aponta também a melhora na economia e perspectiva de queda na taxa
de juros, embora o mercado ainda tenha dúvidas em quão rápido e quão
profundo o corte vai ser.
Em nota, o grupo Casas Bahia informa que seu objetivo é trabalhar seu plano
de transformação, apresentado em agosto passado, que mira pontos como
redução de estoques antigos que contribuem para melhoria do capital de giro e
fechamento de lojas com margem de contribuição negativa. O grupo destaca
ainda sua oferta de ações recente e indica que mudanças no perfil de dívida, seja
em prazo, custo e diversificação, são trabalhos recorrentes das empresas.
“Quanto à recuperação judicial, é importante esclarecer que a empresa descarta
essa possibilidade. As dívidas de curto prazo estão concentradas em poucas
instituições e a empresa tem livre acesso para conversar diretamente com elas.”
Em nota, Vanessa Rossini, diretora de relações institucionais do Magalu, afirma
que os R$ 1,25 bilhão da operação de aumento de capital dará fôlego para
investimento ao grupo. “Vamos usar esse dinheiro, sobretudo, para acelerar os
investimentos em tecnologia.” Rossini diz que a rede não tem necessidade de
renegociar ou reestruturar sua dívida. “Com relação aos vencimentos de dívida
do curto prazo, já efetuamos o pagamento de R$ 1 bilhão em janeiro. E, ao
longo do ano, planejamos reduzir o endividamento em R$ 3 bilhões no total
(pagando também a dívida de R$ 2 bilhões com vencimento em abril de 2024)
- mantendo uma sólida posição de caixa.”
Já a Gol disse que seu objetivo com a recuperação judicial nos EUA é
reestruturar suas obrigações financeiras de curto prazo e fortalecer sua estrutura
de capital para sustentabilidade no longo prazo. “Estamos confiantes de que,
por meio desse processo, poderemos expandir ainda mais nossa posição como
uma das principais companhias aéreas da América Latina”.
A Unigel disse que não iria se manifestar sobre o tema. InterCement não se
manifestou até o fechamento desta reportagem