24/10/2025

Carf afasta IOF sobre empréstimo entre empresas do mesmo grupo


Fonte: Valor Econômico
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou uma cobrança
de R$ 21 milhões de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre um
empréstimo feito empresas do mesmo grupo econômico. Para o tribunal, a
operação não se tratava de mútuo, mas mero fluxo financeiro entre partes
relacionadas via conta corrente, transferência em que não incide o tributo. Cabe
recurso.
A decisão é importante porque destoa da jurisprudência do Carf, mais favorável
à Fazenda Nacional, como indicou o relator no acórdão, conselheiro Bruno
Minoru Takii, da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção. O entendimento
beneficia a Empresa de Mecanização Rural, do complexo industrial Grupo
Ferroeste.
Segundo advogados, é um precedente relevante porque a operação é muito
comum, especialmente em grupos familiares. A decisão nesses casos,
acrescentam, costuma depender muito das provas juntadas nos autos.
No processo julgado, além do contrato de conta corrente, havia a comprovação
contábil desde o início da operação, em que se pode ver de onde se iniciou e
finalizou o fluxo financeiro, sem aplicação de juros. Além disso, os documentos
indicam a realização do balanço no fim do ano, quando o saldo das duas contas
correntes ficava zerado.
Esses elementos são essenciais para se comprovar que a transferência não é um
mútuo, tipo de contrato em que há a obrigação de devolução dos valores, além
de normalmente haver correção. Já no contrato de conta corrente entre partes
relacionadas não há credores e devedores fixos, mas sim um fluxo
multidirecional de recursos. Essa relação pode durar por tempo indefinido, sem
obrigação de devolução imediata. Na prática, é como se fosse um caixa único.
No caso, a Empresa de Mecanização Rural foi autuada por transferências
realizadas entre os anos de 2018 e 2019. Para a Receita Federal, a operação de
conta corrente entre partes relacionadas equivale ao mútuo. O entendimento
foi mantido pela primeira instância administrativa, a Delegacia de Julgamento
(DRJ).
Na decisão, a DRJ diz que “a disponibilização e/ ou a transferência de recursos
financeiros a outras pessoas jurídicas, ainda que realizadas sem contratos
escritos, mediante a escrituração contábil dos valores cedidos e/ ou
transferidos, com a apuração periódica de saldos devedores, constitui operação
de mútuo sujeita à incidência do IOF” (processo nº 13136.720648/2022-26).
Essa também é a posição da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Em nota ao Valor, afirma que o acórdão do Carf “é no sentido de que a
existência de um contrato de conta corrente sucede um contrato de mútuo,
tornando os fluxos financeiros dele decorrentes sujeitos à hipótese de incidência
do ‘IOF-crédito’”. Cita três julgamentos recentes favoráveis (acórdãos nº 9303-
016.864, nº 9303-016.179 e nº 9303-015.128).
Lembra ainda, na nota, que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023, julgou
válido o artigo 13 da Lei nº 9.779, de 1999, permitindo a incidência do IOF
sobre “operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros
entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se
restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”. Sobre o caso
do grupo Ferroeste, diz que “aguarda a intimação da decisão para adoção das
providências processuais pertinentes”.
Na decisão do Carf, o conselheiro Bruno Minoru Takii indicou que a
jurisprudência do tribunal “tem pendido para considerar que todo contrato de
conta corrente, também conhecido como contrato de caixa único, seria uma
modalidade de mútuo e, por esse motivo, estaria sujeito ao IOF”. Essa corrente
jurisprudencial, acrescenta, analisa o artigo 13 da Lei nº 9.779, de 1999, e o
artigo 7 do Decreto nº 6.306, de 2007.
Os dispositivos estabelecem que o IOF incide sobre “operações de crédito
correspondentes a mútuo”, ou sobre “as operações de crédito decorrentes de
registros ou lançamentos contábeis ou sem classificação específica, mas que,
pela sua natureza, importem colocação ou entrega de recursos à disposição de
terceiros”.
Segundo o conselheiro, muitos contribuintes se utilizam de contrato de conta
corrente para “disfarçar o real conteúdo jurídico da relação contratual”, que
seria um mútuo, em que se estabelece o pagamento de juros à parte credora, ou
o fechamento periódico do contrato para a “apuração de haveres”, ou envio de
recursos de forma unidirecional.
Mas, para ele, é preciso diferenciar as operações. No mútuo, a essência está na
obrigação de restituir. Já no contrato de conta corrente se baseia na “indefinição
ou mesmo de inexistência de posições contratuais de ‘credor’ e ‘devedor’”.
Na visão do relator, no caso julgado, o que havia era mero contrato de conta
corrente vigente desde 2010. “Diante do conjunto probatório existente,
entendo que se esteja diante de típico contrato de conta corrente, não
equivalente ao mútuo, razão pela qual não deve incidir o IOF sobre as
operações que foram objeto de autuação”, afirma.
A advogada Franciny de Barros, sócia do escritório Candido Martins Cukier,
diz que o Fisco, “na sua ânsia arrecadatória”, sempre costuma entender que o
uso de recursos entre empresas do mesmo grupo é um mútuo, cabível de
incidência de IOF. “Ele entende que seriam vários empréstimos”, diz.
Mas, nesse caso, havia um contrato de conta corrente, o que afasta essa tese da
Fazenda. “Havia um contrato que deixava muito claro essa prática e
possibilidade de qualquer parte solicitar recursos para qualquer parte e que não
haveria a cobrança de juros”, afirma. “É uma operação muito característica e
diferente do mútuo.”
A decisão, acrescenta a advogada, serve de guia para os contribuintes que
queiram se proteger dessas cobranças. Isso porque elenca quais elementos são
essenciais para afastar a hipótese de que o fluxo financeiro em contato corrente
equivale a mútuo.
Para o tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, o acórdão é
um bom precedente, por diferenciar bem as duas operações. “A condição para
ser um mútuo é a devolução do valor e a devolução do valor não se presume”,
diz. Segundo ele, ter uma documentação robusta é o que faz o contribuinte
derrubar o auto de infração.
“Muitos dos casos que compõem a jurisprudência do Carf não têm um contrato
ou um fluxo contábil que reflita essa conta corrente. Logo, quando a fiscalização
identifica esse fato e questiona, o contribuinte não tem prova de que aquela
operação nasce como conta corrente. Então a fiscalização acusa de ser um
mútuo”, afirma.
Para Cabral, a decisão deve influenciar outros casos. “É um olhar novo, que
valoriza o contrato e a realidade”, diz. No Judiciário, de acordo com ele, a
tendência tem sido de valorizar as provas. Os casos que chegaram no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) não tiveram o mérito analisado. “A posição do STJ é
definida muito em função da compreensão dos fatos pelas instâncias inferiores.
Logo, é essencial que o contribuinte comprove não se tratar de operação de
crédito já na primeira e segunda instâncias.”