Cadeira cativa: governo influencia empresas que têm capital privado com 140 indicações para conselhos
Por: Thaís Barcellos, Ivan Martínez-Vargas e Dimitrius Dantas
Fonte: O Globo
A partir de um acordo firmado no Supremo Tribunal Federal (STF), o governo
Lula vai aumentar, no fim deste mês, seu poder de influência na cúpula da
Eletrobras, mesmo depois de a companhia ter sido privatizada em 2022, na
gestão de Jair Bolsonaro. O Executivo ampliará de um para três seu número de
indicados no conselho de administração da empresa de geração e transmissão
de energia, que investiu só no ano passado R$ 7,7 bilhões.
Ao ampliar seus poderes na Eletrobras (da qual a União manteve 45%), o
governo pretende ter mais voz nas decisões estratégicas da companhia, como a
definição de investimentos, demissões de empregados e pagamentos de
dividendos. No entanto, essa não é a única empresa de controle privado em que
a União exerce influência por meio de indicações para conselhos de
administração.
Levantamento feito pelo GLOBO mostra que o governo Lula tem hoje
capacidade de indicar nomes para 140 assentos nos conselhos de administração
e fiscais de 63 empresas privadas ou de economia mista em 20 setores,
considerando apenas membros titulares.
Isso inclui negócios controlados pela iniciativa privada em que a União é
acionista minoritária e aqueles em que tem influência indireta, por meio do
BNDES e de fundos de pensão de funcionários de estatais, como Previ (Banco
do Brasil) e Petros (Petrobras).
A lista tem gigantes como JBS, Vale, Bradesco, Itaú, Natura, Gerdau, Embraer,
Vibra e Renner. Também foram contabilizados os assentos em empresas
controladas pelo governo que têm sócios privados, como Telebras, Petrobras e
Banco do Brasil. As empresas desse grupo com dados públicos faturaram juntas
mais de R$ 2 trilhões em 2024.
Renda complementar
Ao menos 39 nomeados para conselhos dessas companhias exercem funções
no Executivo, como ministros, secretários e assessores das pastas. É um
artifício conhecido para turbinar rendimentos — que são limitados ao teto de
R$ 46,3 mil no setor público — de profissionais que trocaram o setor privado
pelo governo. O que é pago aos conselheiros se soma aos salários dos cargos
públicos. São vencimentos extras que podem chegar a R$ 546 mil por ano.
Como comparação, o número de vagas preenchidas pelo governo nos
conselhos dessas empresas com sócios privados é equivalente a um terço
daquelas em que o Executivo tem livre nomeação nos colegiados: 44 estatais
que são 100% da União e reúnem 418 conselheiros. É o caso de Caixa, PPSA e
do próprio BNDES, por exemplo. As indicações para cargos nessas estatais são
mais visíveis do que a influência que o governo exerce no setor privado.
As nomeações passam pelo crivo político do Planalto. Especialistas avaliam que
a presença de indicados pela administração pública em empresas privadas não
é um problema em si, mas ponderam que é necessário seguir critérios técnicos
nas escolhas e a independência dos nomeados.
Para o Conselho de Administração da Eletrobras, o governo indicou os exministros
de Minas e Energia de governos petistas Silas Rondeau e Nelson
Hubner e o atual diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da
Petrobras, Mauricio Tolmasquim. Ainda haverá uma vaga no conselho fiscal da
empresa, para a qual foi indicado o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega,
com remuneração estimada em R$ 151 mil anuais.
Foi com a coordenação de conselheiros que o governo conseguiu, no mês
passado, a troca do CEO da metalúrgica Tupy para abrir espaço a alguém mais
próximo do Planalto. O BNDES foi responsável pela indicação de três
ministros de Lula para a cúpula da metalúrgica: Anielle Franco (Igualdade
Racial), Carlos Lupi (Previdência) e Vinicius de Carvalho (Controladoria-Geral
da União). A menor remuneração anual de membros do colegiado foi de R$
546 mil em 2023, último dado disponível. Procurados, os ministros não se
manifestaram.
CVM questionou BNDES
A escolha dos três chegou a entrar na mira da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), que regula o mercado de ações. No entendimento do órgão, antes de
assumirem os cargos as autoridades deveriam ter realizado uma consulta formal
sobre possível conflito de interesses à Comissão de Ética Pública (CEP) da
Presidência da República. Depois de a CEP concluir que não houve conflito de
interesses, a CVM encerrou a apuração.
A confirmação deles só foi possível porque o BNDES mudou, no início do
terceiro governo Lula, sua política de indicação para conselhos de empresas das
quais é sócio relevante.
A instituição havia adotado, sob a direção de Maria Silvia Bastos Marques, no
governo de Michel Temer (2016-2019), uma regra segundo a qual só indicaria
conselheiros independentes, nomes de mercado e com experiência nos ramos
das companhias sem ligação direta com o banco e o governo. Essa norma do
BNDES caiu em 2023, com a indicação de Aloizio Mercadante para dirigir o
banco. Além de funcionários do banco, que não podem receber remuneração
extra nos conselhos, a lista de escolhidos voltou a ter nomes do governo.
Por meio do BNDES, por exemplo, o coronel da Aeronáutica Geraldo Correa
Lyra Junior, ex-piloto do avião presidencial de Lula e da ex-presidente Dilma
Rousseff, tornou-se conselheiro da elétrica Copel em agosto de 2023. Com
formação ligada aos setores de defesa e aeroespacial, encerra o mandato no fim
do mês. Procurado, ele não respondeu.
Em nota, o BNDES afirmou que suas indicações buscam levar experiência às
instâncias estratégicas dessas empresas, “em seu melhor interesse”. Além disso,
afirmou que as escolhas seguem as leis e estão em linha com as melhores
práticas de governança corporativa, “prestigiando a diversidade na composição
do Conselho de Administração”.
Crivo do Planalto
Além dos cargos nas estatais, o governo concentra na Casa Civil, em Brasília, o
controle das indicações da União para empresas privadas. Nas maiores, os
nomes são decididos diretamente com Lula, de acordo com auxiliares do
presidente. Mesmo para indicados pela Previ e pelo BNDES há um
acompanhamento do Planalto, que sofre influência de segmentos políticos e
corporativos. Entre eles, sindicalistas do setor bancário ligados ao PT, como o
ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, apontado como alguém que
disputa influência em conselhos do setor financeiro. Ele é descrito como um
dos fiadores da escolha de João Fukunaga para dirigir a Previ.
A partir do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o governo
tem influência na escolha de 50 vagas em conselhos de 30 empresas de setores
como financeiro, varejo, energia e mineração. O próprio Fukunaga integra o
Conselho de Administração da Vale, que pagou, em média, R$ 1,5 milhão a seus
integrantes em 2023, segundo os últimos dados divulgados pela empresa. Foi
por meio da Previ que Lula tentou emplacar Mantega como CEO da
mineradora, mas a operação não foi adiante após a reação negativa dos demais
acionistas, evidenciando o limite da influência estatal no setor privado.
Critério de pontos caiu
Assim como o BNDES, a Previ mudou sua política de seleção de representantes
nas empresas em que tem participação. Antes, vigorava um sistema de pontos,
que beneficiava quem tinha formação em áreas específicas. Mas desde 2024 é
exigido apenas o cumprimento de parâmetros mínimos de formação, sem
diferenciação de especialização.
A política de indicação do fundo de pensão está na mira do Tribunal de Contas
da União (TCU). A corte abriu uma auditoria para apurar as causas do déficit
de R$ 17 bilhões da Previ no ano passado e se suas decisões de investimento
têm relação com planos da diretoria para conquistar assentos nos conselhos.
Em comunicado, a Previ alega não haver conflito de interesse na indicação de
dirigentes do fundo ou do BB: “Os investimentos são realizados seguindo as
regras da governança da Previ, com base nas análises de uma equipe técnica
altamente qualificada. Não por ingerência do governo.” A Previ nega que a
alteração recente na política de indicações tenha privilegiado sindicalistas. Sobre
a nomeação de Fukunaga na Vale, argumenta que, desde a privatização da
empresa, os presidentes da Previ fazem parte do conselho. Já a Petros informou
que tem nove indicados em conselhos de seis empresas, todos externos.
Experiência e independência como critérios, dizem especialistas
Para a economista e especialista em governança corporativa Eliane Lustosa, há
um retrocesso no processo de indicação em empresas com investimentos de
entidades influenciadas pelo governo, como BNDES e Previ.
Ela chefiou a BNDESPar, braço de participações do banco, como diretora da
instituição, entre 2016 e 2019, e implementou o aperto na política de indicações
abandonado em 2023. Para Lustosa, as melhores práticas de governança
indicam a importância de regras sólidas para que conselheiros contribuam com
foco na companhia, não no interesse imediato do acionista, que se beneficia
dessas decisões no longo prazo, com a lucratividade e preservação da empresa.
— Para que o conselheiro possa exercer seu papel adequadamente, é necessário
manter distância tanto da empresa investida, para poder questionar o que está
sendo feito pelos executivos, quanto do seu investidor. Não é fazer o que é bom
para o acionista, mas o melhor para a empresa — considera Lustosa, que atua
em conselhos.
Interesses divergentes
No caso do BNDES, além do risco de interferência política há um fator a mais
de atenção, devido ao papel do banco como credor e de fomento a
investimentos dessas empresas, observa José Guilherme Berman, sócio de
Regulação e Assuntos Governamentais do BMA Advogados:
— O papel do BNDES é permitir que determinadas empresas tenham acesso a
crédito que não teriam no mercado privado. Nesse caso, a indicação tem que
ser pensada no interesse da empresa privada, que busca maximizar lucro.
Para o advogado Plinio Shiguematsu, o padrão ouro de governança é escolher
profissionais que tenham experiência nas áreas de gestão da iniciativa privada,
com conhecimento do setor em que a companhia atua ou das áreas financeira
ou jurídica. Para Shiguematsu, também é questionável a escolha para conselhos
de empresas de ministros ou diretores do BNDES, que já ocupam cargos que
demandam dedicação em tempo integral:
— É preciso indicar pessoas que possam contribuir com a visão estratégica da
companhia, que possam fazer uma avaliação de riscos. Boas indicações ajudam
a gerar valor para os acionistas nesses casos, inclusive para o governo.
Nota da Redação: Em uma primeira versão, esta reportagem dizia que a escolha de três
ministros para o conselho da Tupy está na mira da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM). Na verdade, o órgão encerrou essa apuração após a Comissão de Ética Pública da
Presidência da República descartar conflito de interesse nas nomeações. A reportagem foi
atualizada para corrigir essa informação.
*Colaborou Sérgio Roxo