Cadastro nacional deve registrar mais de 100 milhões de imóveis
Por: Lu Aiko Otta, , Jéssica Sant'Ana e Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Até 2027, o número de imóveis urbanos inscritos no Sistema Nacional de
Gestão de Informações Territoriais (Sinter), base do novo “CPF dos
imóveis”, pode passar dos atuais 5 milhões para perto de 100 milhões -
quase 20 vezes mais -, de acordo com estimativa da Receita Federal. O órgão
espera também aumento na quantidade de imóveis rurais cadastrados, hoje
perto de 10 milhões.
Por causa da reforma tributária, que estabeleceu a incidência do Imposto e da
Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS e CBS) sobre as operações de
compra, venda e aluguel de imóveis, será necessário que as propriedades sejam
identificadas com um número único perante a Receita e os Fiscos dos Estados
e municípios: o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB).
Para que o novo sistema tributário funcione, haverá três grandes cadastros
unificados no país: o das pessoas jurídicas, por meio do Cadastro Nacional da
Pessoa Jurídica (CNPJ), o das pessoas físicas, com o Cadastro de Pessoas Físicas
(CPF), e o dos imóveis, com o CIB. Uma das novidades da reforma é que as
administrações tributárias da União, Estados e municípios utilizarão esses dados
de forma compartilhada. As empresas, por exemplo, não precisarão mais ter um
número para se relacionar com a Receita, outro para usar com o Estado e um
terceiro para o município.
Atualmente, imóveis são registrados nas prefeituras, nos cartórios e, no caso
dos rurais, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Mas os cadastros não dialogam. Em 2022, a Receita criou o Sinter para unificar
as informações. Porém, a adesão das prefeituras era voluntária. Com a reforma,
será obrigatória.
A expectativa entre especialistas e na Receita é que a obrigatoriedade do CIB,
aliada ao georreferenciamento que deverá fazer parte do cadastro, vai ajudar a
organizar os registros de imóveis no país. Com isso, será possível detectar casos
em que há mais de uma propriedade registrada na mesma área e identificar áreas
que não estão registradas em lugar algum e que, juridicamente, são da União.
Registros com melhor qualidade vão aumentar a segurança jurídica nas
transações de imóveis, avaliam. Além disso, dizem, será mais fácil constatar
fraudes como a grilagem de terras e fortalecer o combate ao desmatamento.
Nas áreas urbanas, será facilitado o trabalho de regularização de imóveis pelas
prefeituras, o que está alinhado com um dos objetivos estabelecidos pela
Organização das Nações Unidas (ONU) para a sustentabilidade. “O CIB e o
Sinter são os grandes indutores do desenvolvimento sustentável porque,
segundo a ONU, todos os países que têm gestão imobiliária organizada
caminham para um maior desenvolvimento sustentável”, disse ao Valor o
coordenador-geral de Cadastros e Benefícios Fiscais, Rériton Weldert Gomes.
Outro desdobramento do CIB diz respeito à fiscalização. A aquisição de
imóveis é uma forma usada pelo crime para ocultar patrimônio. O cadastro
permitirá identificar os proprietários e cruzar informações.
Objetivo é melhorar o ambiente de negócios”
— Rériton W. Gomes
“Sabemos que, no primeiro momento, vamos conhecer sobreposições, lacunas
e inconsistências”, diz Gomes. “Passaremos a ter um cenário com muito mais
potencial para atuarmos na qualificação do dado e no conhecimento territorial.”
O combate aos registros duplicados, apelidados de “beliches fundiários”, e a
identificação de áreas que a União possui, mas não sabe, são apontados pelo
presidente do Comitê Tributário Brasileiro (CTB), Adriano Subirá, como
exemplos dos ganhos decorrentes da implementação do novo sistema. Exauditor
da Receita Federal, ele conta que o CIB começou a ser construído antes
da reforma tributária, quando o Brasil tentava melhorar sua posição no ranking
Doing Business, do Banco Mundial. “O objetivo é melhorar o ambiente de
negócios”, afirma.
A iniciativa não tem como foco aumentar receitas, dz Gomes. No entanto, a
melhora na qualidade dos cadastros poderá ajudar as prefeituras a arrecadar
mais. Isso porque cada imóvel passará a ter um valor de referência, tal como
ocorre hoje com automóveis na tabela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe). Com isso, será possível estabelecer se uma transação tem
valor coerente com o mercado.
“O valor de referência vem para ser o grande indutor de conformidade, para
organizar o mercado e melhorar um pouco esse ambiente que hoje tem um
gap”, diz.
Da parte do governo federal, haverá recolhimento da CBS sobre compra, venda
e aluguel de imóveis. É um fato gerador novo, diz o coordenador. Por isso, não
há estimativa de arrecadação. O cálculo só poderá ser feito depois que os valores
de referência forem determinados.
A criação desse preço de referência também criou temores quanto a um possível
aumento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Para a Receita, trata-se de uma fake news, pois o aumento do IPTU seguirá
como é hoje: dependerá de aprovação de lei na Câmara de Vereadores. “No
momento atual não existe uma mudança na legislação do IPTU”, frisa Gomes.
Mas advogados avaliam que as prefeituras poderão usar o valor de referência
para novos cálculos do IPTU e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
(ITBI). “Se os municípios adotarem os valores de referência do cadastro para
fins de ITBI e IPTU haveria uma unificação, mas isso não é automático”, afirma
Thais Shingai, sócia do Mannrich e Vasconcelos Advogados. Por enquanto,
disse ela, as informações para o cadastro ainda são superficiais. Há algumas
diretrizes na Lei Complementar 214/25 mas, na prática, não se sabe como ele
será operacionalizado, afirma Thais.
A prefeitura deverá usar a base do Sinter na medida em que perceba que a planta
genérica de valores está defasada, diz Thiago Amaral, sócio do Demarest. O
advogado explica que o IPTU hoje é muito vinculado à planta genérica de
valores e alguns municípios têm pouca atualização. Amaral lembra que a
reforma tributária permite que a base de cálculo do IPTU seja atualizada via
decreto executivo e, com o Sinter, as prefeituras terão acesso a uma base de
dados “mais real”. Mas, diz, o contribuinte poderá questionar os novos valores.
Em nota, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) afirma que tem
participado "ativamente das construções e do processo de integração dos
cadastros". "O processo da integração envolve, além das informações
consolidadas dos três entes federados, os cartórios, que também deverão
informar suas bases dentro do Sinter", diz a entidade.
Quanto à programação da integração das informações, a CNM afirma que as
capitais e o Distrito Federal deverão concluir a integração ao Sinter até janeiro
de 2026, bem como os órgãos federais, serviços notariais e registrais. Já os
demais municípios e os órgãos estaduais deverão compor as bases até janeiro
de 2027.