Após regulamentação do BC, Receita deve publicar nova regra para aumentar controle sobre transações com criptoativos
Por: Thaís Barcellos
Fonte: O Globo
A Receita Federal deve publicar nos próximos dias uma norma para aumentar
o controle sobre transações com criptoativos após o Banco Central divulgar a
regulação geral do setor. Em um primeiro momento, o objetivo é adequar as
regras brasileiras ao padrão da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) a fim de possibilitar a troca de
informações com outros países e fortalecer o combate à lavagem de dinheiro e
ao crime organizado. Decisões sobre tributação, por sua vez, estão sendo
estudadas com cuidado e não devem ser anunciadas no curto prazo.
Nesta segunda-feira, o BC divulgou a regulamentação geral de ativos virtuais,
esperada desde a aprovação do Marco Legal do setor em 2022 e que vai entrar
em vigor no dia 2 de fevereiro. As normas criadas marcam a entrada das
empresas de criptoativos no mercado regulado do BC.
As empresas que atuam ou estão interessadas em atuar no mercado terão de
pedir autorização de funcionamento ao órgão. Além disso, aquelas constituídas
no exterior terão de transferir operações e clientes para uma prestadora de
serviço no Brasil, seja uma empresa do setor já em funcionamento, uma que
seja constituída para atuar nesse mercado ou ainda corretora de títulos ou de
câmbio. Há ainda a cobrança de ao menos três diretores constituídos no país.
O BC ainda estabeleceu que algumas atividades das prestadoras de serviços de
ativos virtuais passam a ser tratadas como operações de câmbio. É o caso, por
exemplo, das stablecoins, criptomoedas que acompanham o valor de um ativo
de referência, como o dólar e euro, e costumam ser mais estáveis.
Também se encaixam como operação de câmbio os pagamentos ou
transferências internacionais com ativos virtuais e transferência de ativo virtual
para cumprir obrigações decorrentes do uso internacional de cartão ou outro
meio de pagamento eletrônico.
Na visão da Receita, a exigência que já existe de prestação de informações das
plataformas de criptoativos ao Fisco sobre as transações que acontecem no país
não tem sido cumprida por algumas empresas do ramo, particularmente por
aquelas que não têm registro no país. Há particular preocupação com as
remessas para o exterior. O entendimento é de que, em geral, problemas com a
Receita nesse trâmite podem ser indícios de lavagem de dinheiro.
Acordo com a OCDE
A nova regra deve fechar essas brechas e fazer as adaptações necessárias para o
cumprimento do acordo com a OCDE no âmbito do CARF (Crypto-Asset
Reporting Framework ou Estrutura para Relatórios de Criptoativos, em
tradução livre), arcabouço para prestação de informações sobre criptoativos,
que permite o intercâmbio automático de dados padronizados entre países
participantes. O Brasil começará a compartilhar informações a partir do ano
que vem.
Dada a característica transnacional do mercado, esse mecanismo é considerado
importante para combater a sonegação fiscal e prevenir a lavagem de dinheiro.
O CARF estabelece, por exemplo, que as prestadoras de serviços do setor têm
de coletar e reportar ao Fisco local detalhes sobre usuários com transações
relevantes.
A intenção do Fisco de aumentar o controle sobre transações cripto foi
adiantada ao GLOBO pelo secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, em
entrevista na semana passada. Na ocasião, Barreirinhas disse que essa é a
próxima iniciativa do órgão para "fechar as portas” do sistema financeiro para
o crime organizado, promovendo uma asfixia financeira das facções.
O secretário também havia dito que definições do mercado realizadas pelo BC
poderiam ter implicações tributárias para o Fisco, mas essa parte ainda está em
estudo dentro do órgão.
— Se, por exemplo, for considerado operação de câmbio pelo órgão regulador,
que é o BC, teria o reflexo tributário do IOF (Imposto sobre Operações
Financeiras) — disse Barreirinhas na entrevista.
Incidência de IOF
Após o anúncio das regras do BC, o mercado está preocupado com a incidência
de IOF sobre operações com stablecoins. Desde o aumento do imposto, em
maio, brasileiros estão recorrendo mais a esses ativos para fazer remessas ao
exterior ou compras internacionais, já que hoje não há tributação do IOF nessa
operação.
O novo arcabouço regulatório, ao enquadrar essa transação como operação de
câmbio, pode significar uma mudança nesse entendimento tributário. Mas isso
depende de um ato específico do Fisco.
Segundo tributaristas, porém, a incidência de IOF no futuro é provável, até
porque o critério para aumento do tributo em maio foi justamente a
uniformização da cobrança para fins similares. Foi o caso, por exemplo, da
definição da alíquota de 3,5% para transações internacionais em cartões de
crédito e débito, remessas ao exterior e para compra de dinheiro em espécie.