BNDES e Caixa votam contra o interesse da União na Petrobras

Fonte: Valor Econômico
A confusa assembleia de acionistas da Petrobras, que se estendeu por
11h40 entre a tarde de quarta e a madrugada de quinta-feira, evidenciou a
falta de articulação de dois grandes bancos públicos - Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa - com os interesses
da União na petroleira. A ausência de alinhamento dos bancos motivou
questionamentos de representantes da União, uma vez que os minoritários
conseguiram aumentar com facilidade o número de assentos no conselho
de administração da Petrobras em detrimento do governo, que ainda
controla a companhia.
A desarticulação dos bancos públicos com o governo na Petrobras se deu
de duas maneiras. De forma prévia à reunião anual de acionistas, o BNDES
apoiou o voto múltiplo na Assembleia Geral Ordinária (AGO) da Petrobras,
dia 22. Foi a instauração do voto múltiplo que permitiu aos minoritários
eleger um candidato, o advogado Leonardo Antonelli, tirando vaga da
União no conselho de administração da estatal. Para instalar o voto
múltiplo, é preciso reunir 5% das ações ordinárias da companhia. Uma vez
instaurado o sistema, as chapas eleitorais são dissolvidas e os acionistas
depositam os votos individualmente em cada candidato. É um tipo de
eleição que não interessa ao controlador.
No caso da Caixa, os fundos de investimento administrados pela instituição
se manifestaram também de forma antecipada à assembleia com a
intenção de votar em Antonelli, mas sem o conhecimento prévio do banco.
A Caixa terminou retirando o apoio à Antonelli na assembleia e se absteve
de votar. O BNDES solicitou na AGO para voltar atrás no apoio ao voto
múltiplo, o que foi negado pela mesa, com o pedido registrado em ata.
BNDES e Caixa se valeram do boletim de voto a distância (BVD) para se
pronunciar antes da assembleia. Trata-se de um mecanismo muito usado
por minoritários no exterior, mas também no Brasil para manifestar
intenção de voto de forma prévia às assembleias.
Uma vez concluída a AGO, depois das 2h de quinta-feira - o encontro havia
começado às 15h de quarta -, o resultado foi considerado uma derrota para
a União e uma vitória do grupo de minoritários ligado ao banqueiro Juca
Abdalla, que, com o apoio de investidores estrangeiros, conseguiu indicar
dois dos três minoritários no conselho da Petrobras (além de Antonelli, o
grupo fez conselheiro o advogado Rodrigo Mesquita).
Antes da AGO, a União tinha sete vagas preenchidas no conselho de
administração e um assento vago que, pelo estatuto, também cabe ao
governo. Havia ainda duas vagas de minoritários e uma ocupada pelo
trabalhadores da Petrobras, total de 11. O governo foi para a assembleia
com chapa de oito candidatos, mas conseguiu eleger sete e os minoritários
garantiram três assentos.
Problemas técnicos e procedimentais tornaram a assembleia caótica. A
Petrobras se defende ao argumentar que foi a primeira assembleia virtual
em que se realizou o voto múltiplo. Uma primeira votação teve que ser
anulada pois se percebeu que havia erro na tabela usada para base de
cálculo. O equívoco ficou evidente quando se percebeu que a União havia
eleito só dois candidatos e que o presidente da estatal, Roberto Castello
Branco, e o presidente do conselho de administração, Eduardo Bacellar,
haviam ficado de fora. Houve críticas à decisão de refazer a votação e
insinuações, em chat da AGO, de suposta manipulação do pleito. Ao refazer
a votação, a União elegeu cinco nomes. Ficaram três candidatos do governo
para duas vagas na segunda rodada pois estava claro, desde o início, que
Leonardo Antonelli seria eleito.
O advogado Francisco Costa e Silva, que presidiu os trabalhos da AGO,
afastou qualquer hipótese de irregularidade: “Não houve nenhuma
tentativa de manipulação na AGO, mas sim falhas técnicas. O resultado final
é ‘fair’ [justo]. O único minoritário que disputava vaga pelo voto múltiplo
[Antonelli] foi eleito”, disse Costa e Silva.
O BNDES considera que o voto múltiplo seria garantido de qualquer
maneira, mesmo sem o seu apoio. “Independentemente da manifestação
da BNDESPar, o processo de voto múltiplo já estava aprovado”, disse o
banco. O apoio ao voto múltiplo, via BVD, foi do conselheiro indicado pela
BNDESPar na Petrobras, Ricardo Viegas. Procurado, Viegas não retornou
para explicar a razão do apoio ao voto múltiplo antes da AGO. “O BNDES
reforça que houve um erro de manuseio do sistema na votação. Durante a
realização da Assembleia os representantes da BNDESPar fizeram o
esclarecimento do erro técnico e o pedido formal de retratação do voto
múltiplo, o qual consta em ata da Assembleia Geral Ordinária e
Extraordinária da Petrobras S.A.”
O BNDES disse ainda que Costa e Silva questionou o representante do banco
na assembleia acerca da utilidade do pedido de retratação do voto uma vez
que, pela contagem dos votos até aquele momento, independentemente
da manifestação da BNDESPar, havia sido atingido o percentual mínimo de
quórum para aprovação do voto múltiplo. A BNDESPar tem 0,24% das ações
ordinárias de Petrobras.
Os fundos da Caixa, por sua vez, recuaram do apoio a Antonelli na
assembleia. O banco é responsável pela gestão do fundo FMP-FGTS, que
detém 1,45% do capital da estatal. Na condição de gestor dessas carteiras,
a Caixa havia sinalizado voto em Antonelli, acompanhando a indicação dos
minoritários. Entretanto, o nome foi barrado pelos controles internos do
banco por razões de governança. O advogado moveu ação contra a
Petrobras e a leitura é que seria inadequado tê-lo como representante no
conselho. Assim, o apoio foi retirado. A Caixa não comenta o caso.
Uma fonte afirmou que não havia sido feita checagem adequada sobre
Antonelli pelo fundo, instância em que essas indicações se davam de forma
quase automática. A Caixa, porém, vem adotando novas práticas de
governança, que agora são estendidas à área de gestão de recursos. Com
esse objetivo, foi deslocado para a vice-presidência de recursos de terceiros
o executivo Alexandre Ywatta, que era o responsável pela área de riscos e
compliance do banco.
Com a retirada dos votos a Antonelli, o fundo da Caixa levantou outros
nomes, mas, no tumulto que marcou a reunião, não conseguiu fazê-lo.
Mesmo sem a Caixa, Antonelli tinha votos para se eleger. Outro interlocutor
disse que não foi intencional o posicionamento que acabou prejudicando a
União. A fonte disse, porém, que o fundo é minoritário da companhia e
segue uma régua de governança e, portanto, não necessariamente precisa
acompanhar a União nas votações.
Antonelli havia dito ao Valor, depois da AGO, que não existe conflito de
interesses entre a atuação dele como advogado e a indicação de seu nome
para o conselho da Petrobras. “Todavia, para que não pairem dúvidas,
todos os candidatos ao Conselho de Administração da Petrobras devem
cumprir as orientações do Comitê de Pessoas, o qual apontou em relação a
diversos candidatos medidas mitigatórias as quais, creio, serão por todos
cumpridas”, afirmou.