Supremo afasta cobrança de Imposto de Renda sobre antecipação de herança
Fonte: Valor Econômico
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a possibilidade de cobrança
do Imposto de Renda (IRPF) na antecipação de herança. Por unanimidade, os
ministros seguiram o entendimento do relator, o ministro Flávio Dino, e votaram
contra a União. Para ele, a incidência do imposto federal permitiria uma dupla
tributação, por já incidir o ITCMD, de competência estadual.
O tema não tem uma jurisprudência consolidada no Supremo. A decisão da 1ª
Turma, tomada na sessão de julgamento de ontem, destoa inclusive de um
precedente do próprio colegiado, também unânime, de agosto de 2023. Na
ocasião, foi inclusive determinado ao contribuinte o pagamento de multa de 5%
sobre o valor da causa por conta de inadmissibilidade do agravo interno (RE
1437588).
O entendimento formado ontem também é contrário a um acórdão da 2ª Turma de
maio deste ano em que o desfecho foi favorável à União, por três votos a dois (RE
1425609). Dessa decisão, foram opostos embargos de divergência, para que a ação
seja julgada pelo Plenário, formado pelos 11 ministros do STF, a fim de uniformizar
os precedentes.
O próprio plenário, no entanto, em outro caso, já disse que a questão seria
infraconstitucional - ou seja, caberia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dar a
palavra final (ARE 1274573).
Na visão de advogados, apesar do resultado positivo para os contribuintes na 1ª
Turma e de, em tese, já haver quórum para afastar a cobrança, não é possível ainda
cantar vitória, por conta das decisões destoantes e da mudança no voto dos
ministros a depender do processo.
Para os herdeiros e os que querem transmitir a herança, a União não pode cobrar
IRPF do doador, pois já há a incidência do imposto estadual para os donatários.
Além disso, quem doa não teria acréscimo patrimonial, e sim decréscimo, pois se
desfaz do bem. Defendem que o donatário e o doador desde 1988 são isentos de
IRPF, nos termos do artigo 6º, inciso XVI, e artigo 22, inciso III, da Lei nº 7.713/1988.
Já a União entende que o IRPF deve ser cobrado do doador porque ele aumenta seu
patrimônio por meio de uma suposta “mais valia” - diferença entre o valor histórico
da herança e o de mercado. A Fazenda se apega ao artigo 23 da Lei nº 9.532/1997,
que prevê alíquota de 15% sobre a diferença do valor de mercado e o custo de
aquisição “na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de
herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima”.
Na sessão de ontem, foi analisado um segundo recurso da Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN) contra decisão desfavorável do Tribunal Regional da 4ª
Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre. O caso envolve a transmissão do
patrimônio de Douglas Conrado Stange, ex-diretor da WEG, fabricante de
equipamentos elétricos, para seus três filhos.
A ação chegou à Justiça por um mandado de segurança preventivo. O patriarca
queria transferir o patrimônio em vida aos herdeiros pagando só o ITCMD e não o
IRPF, usando como base de cálculo o valor de mercado. O patrimônio ainda não foi
transferido.
O julgamento começou no Plenário Virtual, em março deste ano. Quatro ministros
já haviam votado a favor dos contribuintes - o relator, Flávio Dino, Cristiano Zanin,
Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. O placar foi reiniciado por um pedido de
destaque, que levou o caso para o plenário físico, mas todos os integrantes da
turma reafirmaram seus votos. O ministro Luiz Fux, que ainda não tinha se
posicionado e pediu vista na última sessão, também acompanhou o relator ontem.
Segundo Fux, a jurisprudência do STF é pela “inexistência de materialidade
tributária nesse acréscimo patrimônio em favor do doador”. Apesar de acompanhar
Flávio Dino, Fux fez uma ressalva de que os fatos geradores do IRPF e do ITCMD são
distintos - o primeiro é sobre acréscimo de patrimônio e o segundo sobre a causa
mortis.
“Uma coisa é transmissão causa mortis, outra coisa é Imposto de Renda tendo em
vista a valorização do bem, mas a jurisprudência é realmente no sentido que votou
o ministro Flávio Dino”, disse Fux, na sessão (RE 1439539).
Na visão do advogado Fernando da Silva Chaves, sócio do Papp, Taranto & Chaves
Advogados, que atuou no caso pelo doador, a União tributar a doação, já cobrada
pelo Estado, fere o pacto federativo e o conceito constitucional de renda. Isso
porque não há acréscimo patrimonial por parte do doador e ele não poderia usufruir
do bem. “A norma prevê um acréscimo irreal, inexistente e levanta um conflito de
competências entre os Estados e a União envolvendo essa sucessão hereditária”,
afirma.
O IR, adiciona, já seria cobrado pela Receita Federal, mas em outro momento,
quando houver a venda do imóvel pelo herdeiro ou donatário. Segundo ele, apesar
de existirem três linhas de interpretação sobre o tema no Supremo, as decisões
favoráveis à União são minoria. “Os legisladores criaram uma hipótese de
acréscimo patrimonial virtual que precisa ser corrigido no Judiciário”, completa.
Para o advogado Felipe Kneipp Salomon, do Levy Salomão Advogados, existe um
potencial para o tema ser julgado pelo plenário, por conta das decisões divergentes
nas duas turmas. Na visão dele, há bitributação se incidir o IRPF. “É uma situação
bastante gravosa se atribuir a competência de o Estado cobrar tributo sobre doação
e, na mesma proporção, a Receita querer cobrar sobre ganho de capital. Realmente
tem uma bitributação aqui”, avalia.
Ele diz que o problema da dupla tributação nestes casos fica ainda mais agravado
por conta da reforma tributária (Emenda Constitucional nº 132/2023), que institui
uma progressividade nas alíquotas do ITCMD. A partir dessa permissão legal,
Estados como São Paulo já têm projetos de lei para aumentar a alíquota máxima
para 8% - hoje, o percentual é único em 4%. “Um projeto no Senado ainda busca
aumentar o teto da alíquota de 8% para 16%, então é um tema que tem chamado
atenção e a operação vai ficando mais custosa”, diz ele, citando o Projeto de
Resolução nº 57/2019.
Em nota ao Valor, a PGFN diz que deve recorrer da decisão, “pois o STF já possui
entendimentos anteriores das suas duas turmas de maneira diferente”. E
acrescenta “que o reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança
precisaria ser feito pelo Plenário”.