17/10/2024

Ministros do STJ negam a viúva direito de morar em imóvel deixado por marido

Fonte: Valor Econômico
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, negar a
uma viúva o chamado direito real de habitação - que garante ao cônjuge
sobrevivente o uso de imóvel após a morte do companheiro. Os ministros
entenderam que, como ela possui recursos financeiros suficientes para assegurar
a sua subsistência e moradia dignas, o imóvel deveria ficar com os dois filhos dele.
É a primeira vez, segundo especialistas, que o STJ flexibiliza o direito real de
habitação. A discussão envolve o artigo 1.831 do Código Civil. O dispositivo
estabelece que “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real
de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que
seja o único daquela natureza a inventariar”.
No recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), os dois
filhos do falecido argumentaram que a viúva é beneficiária de pensão deixada pelo
pai, que era procurador federal, e que agora, sozinha, recebe o mesmo valor que
antes era revertido para o sustento do casal, além de ter mais de R$ 400 mil
acumulados em sua conta bancária.
De acordo com eles, a viúva teria recursos financeiros “mais do que suficientes”
para residir em imóvel do mesmo padrão ou até superior. Os herdeiros
acrescentaram que não possuem imóveis e alugam outros bens para morar com
seus filhos, netos do falecido, que poderiam ser abrigados no imóvel deixado pelo
pai.
A argumentação foi acatada pela relatora, a ministra Nancy Andrighi. Para ela, “o
direito real de habitação não é absoluto e, em hipóteses específicas e excepcionais,
quando não atender a finalidade social a que se propõe, poderá sofrer mitigação”.
E acrescenta: “Eventual relativização do direito real de habitação, somente
excepcionalmente admitida, deverá ser examinada de modo casuístico,
confrontando-se concretamente a necessidade de prevalência do direito dos
herdeiros em face do direito do consorte” (Resp nº 2151939).
Para o advogado Márcio Marçal, do escritório Motta Fernandes Advogados, que
representa os herdeiros no caso, “com esse julgamento, a 3ª Turma do STJ fixa nova
interpretação do Código Civil”. “Será [o entendimento] um guia para outros
processos”, diz ele, que teve o apoio de um dos netos do falecido, o advogado Bruno
Ribeiro de Saboya Moledo. Ele tinha seis anos quando seu avô morreu, em 2005.
Moledo fez sustentação oral no julgamento e defendeu que não haveria, no caso
concreto, “um vínculo afetivo e psicológico entre imóvel e recorrida para ser
preservado”. Então, acrescentou, “não há motivo para o direito real de habitação
ser mantido”.
O advogado Eduardo Swiech, que defende a viúva, também fez sustentação oral no
julgamento. Ele considerou desnecessárias as censuras e críticas quanto ao
padrão de vida desfrutado por ela. “Com acusações infundadas de má-fé. Beiram a
agressão moral, que enseja o dano moral sofrido pela recorrida”, afirmou.
O Poder Judiciário deve estar atento às transformações sociais”
— Stephanie Rodrigues
Especialistas ouvidos pelo Valor destacam a importância do julgamento. Stephanie
Rodrigues, do Yarshell Advogados, considera que o STJ abre precedente importante
para reforçar que o Poder Judiciário deve estar atento às transformações sociais, as
quais estão em constante evolução, especialmente no Direito das Famílias e
Sucessões.
“O direito real de habitação não é um tema novo no STJ. O contorno do ineditismo
se dá apenas na sua mitigação sob a perspectiva da situação econômica do
cônjuge sobrevivente e dos descendentes do falecido”, afirma Stephanie.
Izabel Bajjani, especialista de Direito de Família e Sucessões, entende que essa
flexibilização foi muito importante para permitir que o Judiciário volte a analisar o
caso a caso. “A história de uma família não é igual à história da outra”, diz ela,
destacando o fato de o processo ter subido ao STJ. “O Superior Tribunal de Justiça
só analisa questão jurídica, não analisa prova nem fato. É raro julgar um caso como
esse.”
Izabel lembra que no anteprojeto do Código Civil, consta essa flexibilização no
direito real de habitação. “A redação do projeto do novo Código Civil pretende que
o direito real de habitação seja concedido quando comprovadas a baixa renda e a
efetiva necessidade de utilização daquele imóvel para moradia, para além da
possibilidade de tal direito vir a ser exercido de forma concomitante entre o
cônjuge/companheiro sobrevivente e os filhos”, afirma a advogada.
Caberia no caso julgado pelos ministros da 3ª Turma, de acordo com a advogada
Stephanie Rodrigues, recurso contra a decisão - embargos de declaração e/ou
embargos de divergência. Nos embargos de declaração, diz, seria possível
sustentar que o acórdão recorrido teria sido omisso ao deixar de enfrentar
argumentos relevantes apresentados pela viúva em suas contrarrazões, que seriam
capazes de alterar a conclusão que se chegou.
Nos embargos de divergência, acrescenta a advogada, seria possível demonstrar
que o acordão recorrido divergiu de julgamento anterior do STJ em que não foi
aplicada a flexibilização do direito real de habitação frente as peculiaridades do
caso concreto, confrontando as respectivas teses jurídicas.