25/04/2025

Viés pró-devedor de juiz impacta economia, vê estudo

Por: Anaïs Fernandes
Fonte: Valor Econômico
A tendência pró-devedor de juízes brasileiros nas suas decisões pode afetar não
só o mercado de crédito, mas a economia real como um todo, como os níveis
de emprego e de salários, aponta um estudo publicado na série “Trabalhos para
discussão” do Banco Central.
Pedro Amoni, doutor pela Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP), e
Leonardo Alencar, professor da Faculdade Belavista e pesquisador no
Departamento de Estudos e Pesquisas do BC, mostram que as decisões judiciais
têm consequências econômicas amplas, indo além das partes envolvidas nos
litígios e impactando empresas e trabalhadores.
Quando os juízes são mais lenientes com os devedores, os bancos tendem a
restringir a oferta de crédito para mitigar os riscos legais, dizem os
pesquisadores.
Amoni e Alencar calculam que um aumento de 10% na proporção de decisões
pró-devedor resulta em uma redução proporcional de 23 pontos percentuais no
volume de novos empréstimos entre trimestres e em um aumento de 7,5 pontos
na taxa média de juros de novos contratos para tomadores ligados às comarcas
onde as decisões tendem a ser mais lenientes.
“O debate sobre a insegurança jurídica no Brasil é constante. A frequente
mudança de normas que regulam as atividades econômicas é um dos lados dessa
questão, mas a forma como os juízes decidem é outro aspecto fundamental do
problema”, diz Alencar.
O estudo combinou dados de decisões judiciais do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo (TJ-SP); de crédito do Sistema de Informações de Crédito
(SCR) e do Relatório de Estatísticas Bancárias (Estban), ambos do BC; e do
mercado de trabalho através da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
Foram analisadas quase 400 mil decisões judiciais de 319 comarcas paulistas
entre 2013 e 2018, exceto na capital, já que a complexidade de sua estrutura
dificultaria a agregação dos dados e a consistência na comparação entre os
distritos judiciais.
Com as informações dos sistemas do BC, os pesquisadores conseguiram dados
detalhados sobre operações de crédito, como valores, taxas e prazos, bem como
sobre o estoque de crédito nas agências bancárias identificadas por município.
Como os municípios estão agrupados em comarcas, os pesquisadores puderam
agregar os dados de crédito por comarca. Os sistemas do BC também
identificam o município onde empresas tomadoras de crédito estão localizadas
e, portanto, as comarcas correspondentes. Já a Rais permitiu observar o efeito
das decisões judiciais sobre a economia real, especificamente sobre o emprego
e os salários nessas empresas.
A discricionariedade judicial é uma característica inerente a qualquer sistema
legal, observa Alencar. No estudo, o nível de viés dos juízes foi medido
comparando a proporção de decisões pró-devedor nos processos sob
responsabilidade de cada juiz. Como a seleção de processos pode variar entre
juízes, os pesquisadores se basearam na distribuição aleatória dos casos dentro
de um mesmo foro. Se essa distribuição ocorrer de forma honesta, diz Alencar,
todos os juízes lidam, em média, com processos similares dentro do foro.
“Assumindo essa similaridade média, se um magistrado consistentemente
decide em favor de um dos lados, ele apresenta um viés relativo aos demais da
comarca. É essa medida que utilizamos no estudo”, explica o professor.
Na sequência, os pesquisadores analisaram a resposta dos bancos em termos de
oferta de crédito logo após decisões judiciais proferidas por juízes com
diferentes níveis de leniência. “Como a alocação de magistrados para processos
envolvendo diferentes bancos é aleatória, podemos determinar o efeito causal
do impacto da oferta de crédito após os bancos observarem decisões favoráveis
aos devedores, motivadas exclusivamente pelo fato de terem sido julgadas por
juízes mais lenientes em comparação com os dos processos de outros bancos
dentro da mesma comarca”, diz Alencar.
Os pesquisadores observaram que bancos que enfrentam mais decisões
desfavoráveis, por terem seus processos julgados por juízes mais lenientes,
tendem a restringir a oferta de crédito no período seguinte para tomadores em
localidades relacionadas àquela comarca. “Quando os bancos percebem que
naquele fórum judicial há mais decisões contrárias a eles, eles mudam o seu
comportamento de empréstimo naquela localidade, porque eles pensam que, se
emprestarem aqui novamente, pode haver maior chance de o contrato ser
quebrado. Então, os bancos emprestam menos, aumentam as taxas de juros,
não dão novo empréstimo”, diz Alencar.
Os pesquisadores também notaram que essa restrição na oferta de crédito
impacta negativamente empresas que mantêm relacionamento com esses
bancos especialmente no momento da renovação de seus contratos de crédito.
Empresas que enfrentam dificuldade para renovar crédito, por sua vez,
apresentam desempenho econômico inferior em relação aos seus pares, aponta
o estudo.
“Não tendo esse empréstimo, empresas acabam diminuindo o emprego e a
massa salarial naquela comarca”, diz Alencar.
Os resultados do estudo de Amoni e Alencar indicam que um aumento de 10%
na proporção de decisões pró-devedor está associado a uma diminuição de
3,6% na folha de pagamento total das empresas e a uma diminuição de 3,5%
no nível total de emprego.
“A conclusão desse encadeamento de resultados é que as decisões judiciais
afetam não apenas as partes envolvidas no litígio, mas também a economia
como um todo. Nesse contexto, o banco, ao ajustar sua oferta de crédito, atua
como intermediário na transmissão dos efeitos de uma decisão judicial à
economia”, diz Alencar.
O trabalho mostra ainda que o ajuste dos bancos diante da percepção de menor
proteção de seus interesses impacta principalmente as pequenas empresas,
sobretudo se elas têm relacionamento de crédito apenas com um banco. “Em
geral, as pequenas empresas têm relacionamento com menos bancos. Se ela
perde aquele banco, tem mais dificuldade de conseguir empréstimo em um
outro e também tem dificuldade de conseguir outras fontes de crédito. Uma
empresa grande pode, por exemplo, lançar um título”, diz Alencar.
O nível de respeito aos contratos varia entre países, observa o professor. Os
Estados Unidos, diz, são “exemplo notório” de como o que está escrito nos
contratos dificilmente é revisto pelo Poder Judiciário, além de as decisões
judiciais estabelecerem precedentes relativamente estáveis mo tempo.
“No Brasil, há dois aspectos que nos diferenciam dos EUA. Primeiro, nosso
direito é baseado em normas escritas pelo legislador, o que, em teoria, nos torna
dependentes de um novo processo legislativo para regular conflitos sociais
emergentes - um fator que pode gerar normas conflitantes entre si. Além disso,
mesmo quando há uma norma clara, os juízes não enfrentam custos
significativos ao desviar dela ou de precedentes fixados por tribunais”, afirma.
Alencar pondera que o objetivo do trabalho não é determinar qual seria o nível
ótimo de proteção aos credores nem avaliar se juízes mais pró-devedor estão
certos ou errados. O estudo, no entanto, ressalta “a importância no debate
público de considerar não apenas o nível de proteção aos credores que a
sociedade deseja e estabelece legalmente, mas também a forma como os
juízes tomam suas decisões”, afirma. “Em geral, esse é um aspecto menos
evidente do que mudanças legislativas.”