Venda de créditos judiciais se torna alternativa para empresas que precisam levantar capital
Por: Fernanda Guimarães
Fonte: Valor Econômico
As empresas brasileiras passaram a olhar para o seu contingente jurídico em
busca de alternativas para fazer caixa, em um momento de restrições de acesso
ao dinheiro, juro alto e investidores mais seletivos. Ao fazer um pente-fino para
dentro de casa na busca de “ativos escondidos no balanço” - sem visibilidade
financeira -, as companhias passaram, em grande parte, a mirar não só
precatórios, que são as dívidas do governo com sentença judicial definitiva, mas
também para outras disputas judiciais.
Com isso, o mercado de créditos judiciais no Brasil, jargão conhecido como
“legal claims” no mercado, começou a ganhar cada vez mais espaço, levando a
um número crescente de gestoras que passaram a atuar nesse nicho. Se antes
esse tipo de ativo não era visto pelas empresas como “monetizável”, agora as
áreas jurídicas corporativas passaram a atuar de forma mais ativa para contribuir
com as financeiras.
Diante desse amadurecimento, uma nova onda, já comum em mercados mais
desenvolvidos como os Estados Unidos, também começa a chegar no Brasil.
Empresas começam a buscar embaixo do tapete onde pode ter recursos”
— Francisco Clemente
Grandes companhias, por exemplo, começaram a passar um portfólio de ações
para um fundo creditório (FDIC), estruturado por uma gestora especializada e
transações devem começar a ser anunciadas em breve.
De partida, a companhia recebe um capital por esse portfólio, que pode ajudar
na redução da alavancagem, por exemplo. No final, ainda fica com grande parte
do ganho das causas. Casas especializadas em ativos alternativos, como a
Prisma, por exemplo, tem atuado nesse novo nicho no Brasil. Bancos também
estão começando a buscar oportunidades nesse mercado.
Dentre as empresas que lançaram mão da venda de créditos jurídicos mais
recentemente estão nomes como Marisa, que vendeu créditos tributários para
fazer caixa, assim como a BRF. Procuradas, Marisa e BRF não comentam.
Esse mercado também tem se aquecido por casos de Santas Casas vendendo
ações contra a União, pedindo pagamento por “leito do SUS”. A “tese do
século”, que se trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins,
também vem movimentando esse mercado nos últimos anos.
Companhias também fizeram a venda desses ativos de litígios para fazer caixa
em meio a processos de recuperação judicial.
Sem problema emergencial de caixa, a empresa de embarcações Oceanpact
anunciou a cessão parcial de ações judiciais contra a Petrobras de cobrança de
taxas diárias de contratos. Em fato relevante informou ao mercado que recebeu,
com isso, R$ 100 milhões e, ainda, participaria majoritariamente, no futuro, de
valores a serem recebidos na ação. A Oceanpact também preferiu não comentar
o assunto.
Alguma empresas têm olhado a possibilidade de vender ativos judiciais como
forma de “destravar valor”, visto que pode haver no balanço disputas
bilionárias. Contribui, ainda, para essa demanda do mercado, o interesse vindo
também de empresas que podem utilizar determinados tipos de créditos
tributários para o abatimento de impostos.
“O mercado de ‘legal claims’ começou com a venda de crédito ‘single name’ (de
apenas um devedor). A venda do portfólio veio em um segundo momento.
Agora, com o amadurecimento desse mercado, há um grupo de empresas que
não precisam necessariamente levantar capital, mas vendem esse pacote para
busca de eficiência de recursos”, diz Guilherme Setoguti, advogado e presidente
da Associação Brasileira de Special Situations e Litigation Finance. A entidade
foi lançada no ano passado para atender as demandas dessa indústria. O
aumento de gestoras de “special sits” tem dado nos últimos anos um
combustível a esse mercado.
Gustavo Junqueiro, sócio do Dias Carneiro Advogados, aponta que um fato
importante no crescimento desse mercado é que houve o entendimento de que
esses são ativos “totalmente descorrelacionados” ao negócio da empresa. Ou
seja, é uma boa alternativa para companhias que precisam de liquidez.
“Empresas começam a buscar embaixo do tapete onde pode ter recursos vistos
como ilíquidos”, afirma Francisco Clemente, sócio da KPMG. Segundo ele,
uma das razões que tem impulsionado esse mercado é a nova lei de recuperação
judicial. Em pesquisa sobre ativos alternativos, que acaba de ser lançado pela
KPMG, ter dinheiro em caixa é o principal motivador para a venda desses
ativos. No geral, muitas empresas também vendem créditos inadimplidos com
esse propósito, mercado que tem rapidamente se expandido no país.
Na Latache Capital, gestora focada em empresas com ativos problemáticos
(‘special sits)’, a abordagem por empresas tateando sobre o interesse em créditos
judiciais tem crescido, à medida que as companhias percebem o valor desses
ativos. “As empresas têm passado por um processo de transformação interna e
percebendo que os ativos jurídicos têm valor e que, assim, podem se valer
dessas oportunidades para uma monetização extraordinária”, comenta o sócio
e diretor jurídico da Latache, Stefan Lourenço.
Segundo ele, para a aquisição desses ativos é necessária uma ampla diligência,
até mesmo para entender a capacidade de pagamento da contraparte, o que
influencia no risco e, consequentemente, na precificação. Uma cláusula comum
na compra dos créditos judiciais, segundo ele, é o chamado “earn out”. Se o
pagamento for feito em um prazo mais curto que estimado na hora da compra,
a empresa recebe um valor adicional pré-acordado. Na Latache, as ações
precisam necessariamente ter já passado pelo trânsito em julgado do mérito, ou
seja, quando não se cabe mais recursos, para ser elegível para a compra.
O diretor da Makalu responsável pela área de ‘legal claims’, Felipe Ciciarelli,
lembra que esse mercado no Brasil não é novo, exatamente por conta dos
precatórios, que sempre atraiu investidores. No entanto, mais recentemente, o
mercado “secou”, em um momento em que a PEC dos Precatórios afetou a fila
de pagamentos pela União, diminuindo o apetite dos investidores. Com esse
tema agora mais organizado, aponta Ciciarelli, a expectativa é de um novo
aquecimento, quando é também esperado que mais ativos sejam vendidos por
parte das empresas.
Na mesa da Makalu no momento, segundo o executivo, há cerca de R$ 1,1
bilhão de ações, considerando o valor de face. São diferentes casos não só
envolvendo o ente público, mas também grandes empresas Por lá, afirma
Ciciarelli, o olhar tem se voltado também às disputas privadas, que podem ser
venda de direitos hereditários, comerciais ou até mesmo ações de cobranças de
honorários.
A gestora Prisma Capital tem conversado com grandes empresas para o
financiamento de litígios. “Com isso, a empresa prioriza a alocação do seu
capital no ‘core business’, e não em litígios”, afirma João Mendes, sócio da
gestora. Nesse tipo de negócio, existe uma cessão parcial do crédito judicial, ou
seja, a gestora financia a causa - dos advogados a demais custos envolvidos - e
a empresa consegue manter uma área jurídica mais enxuta, participando do
ganho no êxito da ação. “Essa companhia também traz um sócio
comprometido, que vai colocar capital para gerar resultado. Alguém que vai
compartilhar o risco”, comenta.
Mais recentemente, as empresas também começaram a utilizar essas ações
judiciais como forma de conseguirem capital mais barato, muitas mirando a
redução de alavancagem, por exemplo. “Esses ativos (os judiciais) têm uma
utilidade financeira gigantesca. O diretor jurídico de uma empresa acaba tendo
um papel que antes era apenas do CFO. Ele torna agora mais eficiente o
departamento jurídico e se torna uma fonte de recursos para empresa”, comenta
Mendes, da Prisma. Ao empacotar essas ações judiciais em um FIDC, a empresa
recebe o dinheiro acordado. E mais à frente, conforme os processos tiverem
sucesso, fica com grande parte dos ganhos.
“A beleza desse tipo de FIDC é ser composto por casos variados, com riscos
jurídicos variados, então a diversificação diminui o risco e permite taxas mais
atrativas”, diz o sócio da Prisma.
Já o sócio da Jive, Mateus Tessler, nota que as empresas estão ainda mostrando
um interesse cada vez maior em utilizar esses créditos como colateral para
empréstimos. Por serem feitos por meio de uma cessão fiduciária, explica, a
empresa, além de conseguir taxas competitivas, consegue manter o valor da
dívida fora de seu balanço. “Temos dado predileção a fazer isso. O desembolso
é mais baixo e não fico com o risco do atraso (de pagamento)”, comenta Tessler.
“Geralmente quem faz isso são empresas grandes. Não é o CFO quem tem a
ideia, mas sim o assessor jurídico.”