Tributação de títulos isentos representará revolução no mercado de investimentos
Por: Adriana Cotias
Fonte: Valor Econômico
A proposta do governo de impor uma alíquota de 5% sobre ganhos de capital
para títulos de crédito e dividendos de fundos imobiliário e do agronegócio, que
hoje chegam às mãos da pessoa física com isenção de Imposto de Renda (IR),
se passar no Congresso, vai representar uma revolução tributária para o
mercado de investimentos. Não elimina totalmente a assimetria em relação a
papéis sem benefício fiscal ou em relação à indústria de fundos líquidos, mas
pode ter repercussão sobre os fluxos.
Ainda que continue havendo um incentivo, é uma tentativa de equalizar com
outras formas de investimentos, a exemplo dos fundos tradicionais líquidos,
que passariam a ter uma alíquota única de 17,5%, bem como as operações em
bolsa.
Hoje, fundos de renda fixa, multimercados e cambiais têm uma “escadinha” de
tributação, que começa em 22,5% e vai até 15%, conforme o prazo. Os fundos
de ações cobram 15% no resgate, enquanto os ganhos obtidos na negociação
direta em bolsa são taxados entre 15% e 20%, com isenção para operações de
até R$ 20 mil por mês.
“Deve haver alguma reacomodação [do fluxo]”, diz Vinícius Pimenta Seixas,
sócio do Pinheiro Neto Advogados. “Os investidores vão precisar fazer o
cálculo do spread que eles têm nos investimentos, considerando a tributação.
Se antes era muito atraente, porque basicamente você tinha todo o spread sem
nenhuma tributação, você vai ter que levar isso em consideração. Se aparece um
emissor, que oferece um título que, mesmo com a tributação de 15%, tem um
retorno maior do que aquele de um título que era isento, que agora vai ter o
5%, vai haver uma migração para esse outro investimento.”
Uma harmonização entre as diversas aplicações é pauta antiga da Anbima, que
representa o mercado de capitais e de investimentos. Ontem, a entidade
divulgou nota em que diz que a tributação de letras de crédito imobiliário e do
agronegócio (LCI e LCA) segue em linha com “uma defesa histórica” da
entidade, “em favor da redução das assimetrias entre diferentes produtos de
investimento”.
Em dezembro de 2015, a MP 694 propôs uma tabela regressiva para LCI e CRI,
começando em 17,5% em operações curtas e caindo a 10% para aquelas com
mais de 1.080 dias. LCA e CRA ficariam sujeitos à alíquota de 10%,
independentemente do prazo. Mas nada disso prosperou no Congresso.
Títulos que têm alíquota zero e isenções é porque visam a fomentar o mercado
de crédito imobiliário, o agro ou o setor de infraestrutura. “Nada sai sem custo”,
diz Seixas, do Pinheiro Neto. “Por um lado, você cria essa quase equalização,
mas ao mesmo tempo tira o incentivo para determinados setores que eram parte
da política fiscal do país.”
Mas a maior assimetria para os fundos está na antecipação do imposto
semestralmente, na forma do come-cotas, afirma Guilherme Cooke, sócio da
área de fundos de investimentos e participantes do mercado do Lobo de Rizzo
Advogados. “É uma discussão que a gente precisa ter de uma forma um pouco
mais ampla, porque, no final, quando todo mundo paga imposto, todo mundo
paga menos, teoricamente”, diz.
“O que realmente faria sentido do ponto de vista de quebra de assimetria entre
fundos de investimento e outros valores mobiliários seria tirar essa tributação
no meio do caminho que só fundo de investimento tem, seja fundo aberto ou
agora o fundo fechado, após a lei 14,754, de 2023”, prossegue Cooke, referindose
à legislação que acabou com o fim do diferimento em fundos exclusivos.
No curto prazo, pode haver alguma atração adicional para o universo dos
fundos, porque no momento em que um ativo perde isenção, o mercado tende
a buscar outros caminhos.
Uma dúvida é como vai ficar a alíquota de imposto sobre operações financeiras
(IOF) sobre os planos de previdência VGBL, para os quais o governo pretendia
taxar em 5% os aportes acima de R$ 50 mil, independentemente da seguradora.
Agora, a perspectiva é que não haja esse pedágio para valores até R$ 200 mil,
com o IOF cobrado para valores anuais acima de R$ 600 mil no conjunto.
Luca Salvoni, do Cascione Advogados, chama a atenção para o fato de que,
pelo menos até aqui, o pacote tributário não mencionou investimentos em
veículos fora do Brasil nem os fundos exclusivos, que tiveram a alíquota
harmonizada em 15% na 14.754. “Se não aumentarem, haverá um incentivo
curioso para a poupança offshore, cuja tributação será menor. Já se
aumentarem, fica um gosto um tanto amargo na escolha pela atualização dos
valores, seguida logo de um aumento de mais de 10% na tributação nominal.”
Seixas, do Pinheiro Neto, acrescenta que ainda precisa haver mais clareza da
recalibragem do IOF na MP anterior, quais os impactos, “porque a alíquota de
3,5% [na compra de moeda estrangeira] estava completamente destoante”.