TJRJ reafirma que Airbnb oferece serviço de hospedagem e o obriga a recolher ISS
Por: Beatriz Gimenez
Fonte: Jota Tributario
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) reafirmou que o
Airbnb realiza intermediação de hospedagem e, por isso, deve recolher o
Imposto sobre Serviços (ISS) sobre os serviços prestados no município de
Petrópolis (RJ). A 8ª Câmara de Direito Público do tribunal rejeitou recurso
apresentado pela plataforma, que buscava reverter a decisão que havia
reconhecido sua responsabilidade pelo recolhimento do tributo.
Em sede de apelação, o TJRJ já havia concluído que o Airbnb é intermediador
do serviço de hospedagem e, por isso, deve pagar o ISS no caso das
acomodações realizadas em Petrópolis, atendendo à regra de substituição
tributária local. Os desembargadores reconheceram a validade da Lei Municipal
8.299/22, que atribui à intermediadora da operação a responsabilidade por reter
e recolher o imposto.
O caso teve origem em ação movida pelo município, que pretendia reconhecer
a relação tributária que obriga a empresa Airbnb a substituir o anfitrião e a pagar
o ISS no seu lugar. O pedido foi feito com base no Código Tributário de
Petrópolis, que, no artigo 182, parágrafos 15º e 16º, estabelece a substituição no
caso de “atividades de intermediação e execução de hospedagens e congêneres
for efetivado por intermédio de plataformas eletrônicas”. Em primeiro grau, o
município havia perdido. Depois, com a vitória do ente público em segundo
grau, a plataforma recorreu por meio de embargos de declaração, agora
rejeitados.
O advogado tributarista do Martinelli Advogados, Rodrigo Melo de Castro
Dias, esclareceu ao JOTA que “a substituição tributária é uma espécie de
responsabilização, em que o substituto passa a ocupar o lugar do contribuinte
no polo passivo da relação tributária.”
Airbnb alega que presta serviços tecnológicos
Em sua defesa, o Airbnb alegou que presta serviços tecnológicos de
desenvolvimento e licenciamento de software, disponibilizados gratuitamente
na internet. Argumentou que esses serviços estão sujeitos ao recolhimento do
imposto no local onde a empresa mantém sede, no caso em São Paulo,
conforme a regra geral do ISS definida pela Lei Complementar 116/2003 e pelo
Código Tributário.
Além disso, o Airbnb sustentou que não promove intermediação de
hospedagem, mas sim de aluguel por temporada. Para a empresa, esse serviço
não estaria sujeito ao ISS, com base em entendimento fixado pela Súmula 31
do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse enunciado define a
inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre operações de locação de bens
móveis. E, por fim, a plataforma sustentou a inconstitucionalidade da lei
municipal de Petrópolis, uma vez que ela exige o ISS de intermediários sediados
em outros territórios.
O tributarista do Martinelli Advogados questionou a responsabilidade do
Airbnb prevista pelo Código Tributário de Petrópolis, ao ressaltar a regra
prevista pelo artigo 6º da LC 116/2003 e artigo 128 do Código Tributário
Nacional (CTN). Ele explica que ambos os dispositivos autorizam que a
legislação tributária municipal atribua a responsabilidade pelo recolhimento do
ISS a um terceiro que não seja o contribuinte, desde que o responsável tributário
tenha ligação com o evento que enseja a cobrança do imposto. No contexto do
ISS, esse evento seria a prestação de serviço. No entendimento de Dias sobre o
caso, o vínculo do Airbnb com o serviço intermediado não está claro.
Airbnb oferece infraestrutura para hospedagem, afirma relatora
A desembargadora da 8ª Câmara de Direito Público Margaret de Olivaes Valle
dos Santos, relatora do processo, afirmou que a atividade negociada pelo
Airbnb não consiste em locação por temporada. Na sua visão, a plataforma da
empresa oferece um portfólio de imóveis mobiliados e com infraestrutura
necessária a uma hospedagem.
Marcos Lopes Prado, sócio da área imobiliária do Cescon Barrieu, esclarece a
diferença entre hospedagem e locação. Ele explica que a locação de imóvel está
limitada ao período mínimo de 90 dias, conforme estabelece a Lei do
Inquilinato, e, por isso, não pode ser contabilizada em diárias. Acrescenta que
“a locação por diária agrega serviços além do uso do imóvel — como café da
manhã, limpeza, concierge, troca de roupa de cama e de banho — e se
caracteriza um serviço de hospedagem semelhante a um hotel”. Nesta hipótese,
seria devido o ISS, afirma.
Já a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), que
teve o pedido negado pelo TJRJ para participar do processo como amicus
curiae, trouxe argumentos levantados pelos desembargadores, como a
possibilidade de o Airbnb ser contribuinte do ISS nos serviços de hospedagem.
Foi discutido que a prática de firmar contratos em sua própria plataforma, como
ocorre na maioria dos casos, respalda a responsabilidade cível da plataforma,
segundo a jurisprudência atual, e esse fato também poderia justificar a
responsabilidade tributária.
Segundo boletim divulgado pela entidade, durante os debates orais, o tribunal
também afastou a aplicação do Tema 1020 da Repercussão Geral do STF ao
caso. Nesse precedente, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do
Cadastro de Prestadores de Outros Municípios (CPOM), que antes obrigava os
prestadores de serviços estabelecidos fora do território a terem uma inscrição
municipal de São Paulo no caso de serviços prestados no município.
O tema foi levantado no caso do Airbnb pois a Legislação de Petrópolis exige
que a empresa intermediadora de hospedagem tenha o cadastro para que ela
possa recolher imposto no município, ainda que sua sede esteja localizada em
outro território. Porém, a associação afirma que a 8ª Câmara rechaçou o
entendimento, embora não haja menção expressa da discussão nas decisões.
A sócia fundadora do Utumi Advogados Camila Tapias discorda do TJRJ. Para
ela, a inconstitucionalidade prevista pelo Tema 1020 deveria alcançar a lei de
Petrópolis, pois o STF foi claro ao proteger empresas não locais de cobranças
administrativas tributárias que restringiriam a sua atuação econômica. “A
imposição de obrigação tributária a uma empresa não estabelecida no
município, seja como contribuinte ou responsável, sem sede ou estabelecimento
fixo local, afronta os princípios constitucionais da legalidade, territorialidade e
livre iniciativa”, ressalta.
Outros municípios enxergam possibilidade de cobrar ISS das
plataformas
Paralelamente ao debate jurídico, a decisão da 8ª Câmara repercutiu no cenário
político. O posicionamento do TJRJ chamou a atenção de líderes das capitais
brasileiras, que enxergam no precedente a possibilidade de outros municípios
cobrarem ISS das plataformas intermediadoras de hospedagem.
As cidades de Fortaleza, Florianópolis, Salvador, Vitória, João Pessoa e Recife
estão se articulando para também cobrar o ISS das plataformas de hospedagem,
seguindo o exemplo de Petrópolis. Em São Paulo e no Rio de Janeiro já existem
projetos de lei em tramitação que propõem a regulamentação do tema. Na
capital paulista tramita o PL 386/2025, de autoria do vereador Jair Tatto (PT)
e, no Rio, o PL 107/2025, proposto pelo vereador Salvino Oliveira (PSD).
Em nota enviada ao JOTA, o Airbnb informou que vai recorrer da decisão do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A empresa reforçou que atua apenas
como intermediadora de locação por temporada, atividade que não está sujeita
à cobrança de ISS, conforme a Súmula 31 do STF. Também destaca que o
aluguel de imóveis residenciais por curtos períodos não caracteriza atividade
comercial, tampouco serviços hoteleiros. Por fim, a empresa lembra que
“milhares de brasileiros utilizam essa modalidade como fonte de renda e
exercício legítimo de seus direitos".
O processo citado na matéria tramita com o número 0009610-
89.2022.8.19.0042