06/06/2025

Sentença garante possibilidade de novo acordo com a PGFN

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Uma sentença da 1ª Vara Cível Federal de São Paulo flexibilizou a
“quarentena” de dois anos imposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN) para casos de descumprimento de transação tributária.
A decisão, que amplia liminar dada anteriormente, garante à fabricante de
produtos médicos HN a possibilidade de fechar acordo individual ou aderir
a edital por adesão - parcelamento aberto a todas as empresas.
A primeira opção é a mais vantajosa para a fabricante. Como está em
recuperação judicial, por meio de um acordo individual, poderia obter
descontos de até 70% e parcelamento da dívida em até 120 parcelas. Também
estaria autorizada a usar créditos de prejuízo fiscal.
A quarentena de dois anos está prevista na lei de transação tributária, a nº
13.988, de 2020. O que se discute é o início da contagem do prazo. A PGFN
defende como marco a rescisão formal do acordo. Já o contribuinte, quando
fica configurado o inadimplemento - ou seja, quando a empresa deixa de pagar
a terceira parcela.
Para o juiz Marco Aurelio de Mello Castrianni, da 1ª Vara Cível Federal de São
Paulo, o prazo deve começar a correr imediatamente após o inadimplemento
da terceira parcela - o que, no caso da HN, ocorreu em 1º de janeiro de 2023 -
e não com a rescisão formal pela PGFN, em 5 de janeiro de 2024.
O entendimento da União, de que o marco temporal a ser aplicado é a
conclusão do processo administrativo que apurou o não pagamento das
parcelas, se reflete na maioria das decisões dos Tribunais Regionais Federais
(TRFs), segundo advogados e a PGFN. A discussão, no caso, envolve o artigo
4º, parágrafo 4º, da lei e os artigos 18 e 77, inciso III, da Portaria PGFN nº 675,
de 2022.
Mas o juiz entendeu que o previsto na lei de transações “não é claro quanto à
forma de contabilização do prazo de dois anos, ou seja, se o termo inicial de
contagem é a data da rescisão material ou da rescisão formal”. Na interpretação
dele, o prazo que consta na Portaria PGFN nº 14.402, de 2020, começa a contar
a partir do não pagamento.
“Extrai-se, portanto, que a materialização da hipótese descrita na norma -
inadimplemento de três parcelas consecutivas ou alternadas - tem como
consequência automática e imediata a rescisão da transação, de modo que a
posterior formalização da rescisão pela autoridade competente apenas
reconhece o fato preexistente e consumado” (processo nº 5012085-
67.2025.4.03.6100).
Na visão do magistrado, o entendimento da PGFN de considerar o prazo de
dois anos como a partir da data da rescisão formal “acaba por distorcer o real
prazo de impedimento, prolongando indevidamente a sanção legal e
prejudicando contribuintes, que estariam aptos à formalização de nova
transação, se contabilizado o prazo bienal de vedação a partir do
descumprimento de alguma das condições da transação”.
Acolher a tese da União, acrescenta, “implicaria violação aos princípios da
legalidade, da igualdade e da segurança jurídica”. Para ele, “não se mostra
razoável, tampouco juridicamente aceitável, que o contribuinte fique sujeito à
fluência de prazos sancionatórios a partir de ato administrativo tardio e
meramente declaratório”.
Mesmo não sendo esse o entendimento majoritário da Justiça, outros juízes têm
dado decisões similares. Como em um caso recente analisado pelo TRF-5, em
que os desembargadores livraram o contribuinte de cumprir a quarentena e
determinaram que a PGFN fechasse novo acordo (processo nº 0801350-
37.2025.4.05.0000).
Já o TRF-2 entendeu que “a rescisão da transação não se opera
automaticamente, dependendo de processamento no sistema da administração
tributária” (processo nº 5000661-22.2025.4.02. 0000). Posicionamento
semelhante tem o TRF-3 (processos nº 5004354-84.2025.4.03.0000 e nº
5003016-75.2025.4.03.0000).
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional diz que a
sentença “diverge da posição majoritária do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, que tem reiteradamente afirmado que o prazo de dois anos para
realização de nova transação tem como marco inicial a rescisão formal da
transação anteriormente firmada”, conforme prevê a Lei nº 13.988, de 2020.
“Inexiste previsão legal de cômputo do período impeditivo a partir de certo
número de parcelas, como foi consignado na decisão judicial”, afirma.
A HN fez a primeira transação em julho de 2021 e pagou regularmente 16
parcelas. Depois, começou a inadimplir o acordo. O advogado da empresa,
Thiago Taborda Simões, sócio-fundador do TSA Advogados, diz que
protocolou ontem novo pedido de transação tributária.
“Sem a decisão, nem poderia apresentar o pedido, então ela vai ajudar
fundamentalmente, porque a empresa não teria a mínima condição de arcar com
a dívida sem os descontos”, afirma. A dívida tributária da fabricante é de cerca
de R$ 30 milhões e ele espera conseguir desconto global da ordem de 70%,
usando ainda como forma de pagamento créditos de prejuízo fiscal.
A transação também vai possibilitar, acrescenta o advogado, que a HN consiga
o certificado de regularidade fiscal para que o plano de recuperação judicial seja
homologado - ainda não houve assembleia ou apresentação da proposta.
“A HN quer pagar o Fisco e satisfazer suas obrigações fiscais e financeiras”, diz
Simões. “Queremos colaborar com o juízo para quando chegar o momento da
homologação do plano, nós já termos a certidão de regularidade”, completa.
O tributarista Rodrigo Taraia, sócio do BMA Advogados, afirma que a decisão
não é isolada, mas não é maioria. “Há uma prevalência momentânea no sentido
contrário ao argumento sustentado pelo contribuinte, adotando o
entendimento de que existe um processo administrativo que precisa ser
seguido”, diz. Nesse processo, há abertura de prazo de 30 dias para o
contribuinte contestar uma notificação da Fazenda sobre a ocorrência de uma
das hipóteses de rescisão.
Taraia lembra ainda que a transação é uma discricionariedade da União. “Ela
não está absolutamente obrigada a celebrar a qualquer custo”, afirma ele,
acrescentando que a PGFN já defendeu outro posicionamento sobre o marco
inicial. No Parecer nº 496/2009, entendeu que o prazo prescricional para
cobrança de dívida tributária quando há hipótese de rescisão do parcelamento
começa a correr tão logo seja identificada a causa - não com a notificação
formal.
“O parecer dá o entendimento que os procuradores podem tomar as ações
necessárias para a cobrança da dívida tão logo verificado as hipóteses de
exclusão, embora essa não seja a defesa da procuradoria nos processos
judiciais”, afirma. Uma solução seria automatizar a notificação aos
contribuintes, para haver um “descasamento” menor da realidade, sugere o
advogado.