STJ vai definir índice de correção do valor de dívidas e indenizações
Por Joice Bacelo — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retorna do recesso, amanhã, com um
julgamento que vai impactar os pagamentos de dívidas e indenizações. Os
ministros que compõem a Corte Especial, a mais alta instância do tribunal,
vão decidir qual índice de correção deve ser aplicado sobre estes valores.
Há duas opções na mesa: Selic, hoje em 13,75% ao ano, ou juros de 1% ao mês
mais correção monetária conforme o índice adotado pela tabela do tribunal
onde o caso for julgado (INPC ou IPCA, por exemplo).
O valor da dívida pode mudar consideravelmente a depender do que ficar
decidido - afetando devedores e credores em grandes disputas e o mercado de
créditos judiciais. “Num cenário de baixa taxa Selic, como no ano de 2020, que
esteve em 2%, os credores tendem a ser severamente prejudicados, ao passo
que os devedores serão fortemente beneficiados”, frisa a advogada Maria
Andréia dos Santos, do escritório Machado Associados.
Marcelo Levitinas, do escritório Graça Couto Advogados, cita a evolução de
uma dívida de R$ 1 milhão cobrada desde 2013 como exemplo para a diferença
do valor final. Se o processo for resolvido este ano e se aplicar a Selic, o credor
receberá R$ 2,3 milhões (remuneração de 131% da dívida). Pelo critério de juros
de 1% ao mês mais IPCA seriam R$ 3 milhões (remuneração de 200% da
dívida).
A decisão que será tomada pelo STJ vai valer para as situações em que os juros
moratórios não foram previamente convencionados. Qualquer pedido de
indenização que não decorrer de relação contratual - por acidentes ou danos
ambientais, por exemplo - ou dívidas decorrentes de contratos que não preveem
o percentual serão impactados.
“Tem uma série de relações que não têm essa previsão. Os contratos de
crédito, por exemplo, às vezes preveem juros remuneratórios, mas não os
moratórios”, afirma Levitinas. “Temos muitos clientes de fundos de
investimentos de direitos creditórios, de recuperação de ativos, que estão
preocupados.”
Há uma discussão que corre em paralelo e, segundo o advogado, pode agravar
essa situação, o que torna o julgamento de amanhã ainda mais tenso para o
mercado de crédito. São decisões de tribunais locais e também de ministros do
STJ em relação aos contratos que preveem toda dinâmica de remuneração da
dívida - casos que, teoricamente, não seriam afetados pelo julgamento que
ocorrerá na Corte Especial.
Essas decisões afirmam que, no momento em que o credor ingressa com ação
judicial para cobrar a dívida, o que está previsto no contrato é desconsiderado
e se aplica o critério de remuneração previsto pelo tribunal.
“Está totalmente conectado com a discussão de agora. Se os dois
entendimentos se aplicarem ao mesmo tempo, ou seja, o tribunal decide que
não se aplica a regra contratual e o índice do Judiciário passa a ser a Selic, por
exemplo, a dívida será enxugada”, diz Levitinas. “Vai ficar muito menor do que
a efetivamente contratada”, enfatiza.
O julgamento previsto para amanhã teve início no mês de março e o placar está
empatado em 1 a 1. Ainda faltam muitos votos para o desfecho. A Corte
Especial é composta pelos 15 ministros mais antigos do tribunal e, tirando a
presidente, ministra Maria Thereza de Assis Moura, todos votam.
Em um julgamento realizado pela Corte Especial no ano de 2008, os ministros
decidiram pela aplicação da Selic - abrangeria tanto a correção quanto os juros
de mora. Essa decisão vem sendo replicada desde então. Mas ainda existe
possibilidade de mudança de jurisprudência porque o caso julgado na época
envolvia uma dívida pública.
O que está posto agora é se as dívidas entre particulares estão englobadas
naquele julgamento ou se merecem um tratamento diferenciado.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso na Corte Especial, entende que
são situações diferentes. Defende que, para as dívidas civis, sejam aplicados
juros de 1% ao mês e correção monetária conforme o índice adotado pela tabela
do tribunal onde o caso estiver sendo julgado.
A Corte discute o tema por meio de um recurso da empresa de transporte
rodoviário Expresso Itamarati. A companhia foi condenada a pagar
indenização por dano moral a uma passageira. Segundo consta no processo, o
motorista passou por uma lombada em velocidade acima da permitida e a
passageira foi arremessada para o alto. Ela sofreu lesões que resultaram na
invalidez para o trabalho que exercia, o de prestação de serviços domésticos
(REsp 1795982).
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a condenação da
primeira instância: R$ 20 mil acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir
da data em que a empresa foi citada (novembro de 2014) e correção monetária
a contar da data da sentença (outubro de 2016). A Expresso Itamarati recorreu
ao STJ pedindo a aplicação só da Selic.
O ponto central dessa discussão é o artigo 406 do Código Civil. Esse dispositivo
determina que os juros moratórios, quando não estabelecidos em contrato,
serão fixados pela taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional. A Corte Especial, quando julgou o tema no ano
de 2008, entendeu que se tratava da Selic.
Em março, quando esse novo julgamento começou, o representante da
empresa, Marcos Cavalcante Oliveira, defendeu que fosse mantida a
jurisprudência. “É o texto literal da lei”, frisou.
Para o relator, ministro Salomão, que proferiu voto na ocasião, no entanto, o
objetivo da Selic não é o de corrigir débito de natureza civil. “Sua função é
interferir na inflação do futuro e não refletir a inflação do passado”, disse.
Ainda segundo Salomão, quando a Selic é aplicada, por exemplo, no período
entre 2002 e 2021, representa 219%, enquanto pelo cálculo do método
composto adotado pelo Banco Central é 787%. “Quando se usa a soma dos
acumulados mensais da Selic não se chega nem à inflação, não dá nem a
correção monetária”, afirmou.
O julgamento foi interrompido e voltou à pauta com o voto-vista do ministro
Raul Araújo no fim do mês de junho. Para ele, não existe razão para se impor
uma alta taxa ao devedor. Afirmou, ao votar, que a Selic é hoje o indexador que
rege o sistema financeiro brasileiro e não há dúvida a ser essa taxa a que se refere
o artigo 406 do Código Civil.
Na opinião de Araújo, a aplicação de juros de mora de 1% ao mês mais correção
monetária conduzem a uma situação em que o credor obtém remuneração
muito superior à de qualquer aplicação financeira, pois os bancos são vinculados
à Selic.
“Para as punições, há as previsões contratuais de multa moratória”, concluiu.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vista regimental do relator.