STJ julgará se provisões bancárias podem ser deduzidas do PIS/Cofins
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará um tema relevante para bancos:
se suas provisões podem ser classificadas como despesas e,
consequentemente, deduzidas do PIS e da Cofins. A tese envolve
especificamente as Provisões para Créditos de Liquidação Duvidosa
(PCLD) - aquelas que as instituições financeiras são obrigadas a registrar nos
balanços quando clientes deixam de pagar o que devem por pelo menos seis
meses.
As despesas dos bancos com PCLD dobraram desde 2021, segundo o último
Relatório de Economia Bancária do Banco Central, de 2023. O volume, antes
de R$ 80 bilhões, passou a ser de mais de R$ 160 bilhões no fim de 2023. Se a
tese dos contribuintes for vencedora, eles poderão reduzir esses valores da base
de cálculo dos tributos federais, que têm alíquota de 4,65%.
A tese também ganha relevância por conta do aumento da inadimplência no
Brasil. A quantidade de empresas no negativo atingiu recorde em fevereiro deste
ano, com 7,2 milhões de inadimplentes, quase um terço do total de pessoas
jurídicas no país, segundo a Serasa Experian. No caso das pessoas físicas, são
75 milhões de inadimplentes, outro montante sem precedentes na série
histórica, iniciada em 2016.
Os bancos defendem que a inclusão das PCLD na base dos tributos aumenta o
custo de crédito no Brasil, pois o provisionamento diminui a disponibilidade de
recursos para empréstimos. Ainda de acordo com o relatório do Bacen, os
tributos representaram, em média, 21,9% sobre o spread bancário entre 2021 e
2023, e a inadimplência, 31%.
As instituições financeiras, até então, têm perdido a discussão no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e nos tribunais regionais federais,
segundo advogados. Não há precedentes de mérito no STJ - normalmente os
recursos não são analisados por questões processuais. Existem 18 ações na
Corte Superior, informou a Confederação Nacional das Instituições Financeiras
(CNF) nos autos.
Novo julgamento começará do zero e com argumentos de novos players”
— Paulo de Carvalho
A tese foi afetada como Incidente de Assunção de Competência (IAC) pela 1ª
Seção do STJ no fim de março deste ano pela sua relevância social e econômica,
mesmo com pouco volume de processos. Na prática, se assemelha ao rito de
recurso repetitivo, pois a decisão vinculará todo o Judiciário. Até que se julgue
a matéria, todos os processos que discutem a questão estão suspensos (REsp
2088553).
Mesmo se houver derrota no STJ, a perspectiva é positiva para os bancos,
porque a dedução já foi permitida pela reforma tributária, por meio do artigo
192 da Lei Complementar nº 214/2025.
A discussão se baseia na interpretação do artigo 3º, parágrafo 6º, inciso I, letra
a, da Lei nº 9.718/1998. O dispositivo permite deduzir do PIS e da Cofins
“despesas incorridas nas operações de intermediação financeira”. Para os
contribuintes, os valores provisionados são uma perda, portanto, devem ser
deduzidos. Para o Fisco, é apenas uma estimativa de risco de inadimplência de
operações de crédito, não sendo uma despesa efetivamente assumida.
Nos casos afetados, os bancos perderam na primeira e segunda instâncias. Um
envolve o Banco Daycoval e o outro a Agibank (REsp 2088553 e REsp
1938891). O entendimento foi de que a provisão é um cálculo estimado “da
importância necessária para absorver o risco de inadimplência para fins de
apuração do resultado, ou seja, não se trata de despesas efetivamente
verificadas”.
No STJ, o Daycoval argumenta que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN), no parecer nº 325/2009, já admitiu que a PCLD seria despesa de
intermediação financeira. E que esse valor “se desprende do patrimônio da
instituição financeira e, definitivamente, prejudica os seus resultados”. “Tanto
é assim que a recuperação dessa perda (na hipótese de pagamento por parte do
devedor inadimplente) gera uma receita", afirma.
Em nota ao Valor, a PGFN diz que a PCLD é “uma exigência contábilregulatória
do Banco Central, de natureza prudencial, representando uma
estimativa de perdas futuras, e não uma 'despesa incorrida' na intermediação
financeira" como exige a lei para permitir a dedução”.
O órgão acrescenta que a menção das provisões no parecer “ocorreu de forma
meramente ilustrativa e em um contexto distinto (análise sobre comissões pagas
a agentes autônomos)”. “A classificação contábil no Cosif não se sobrepõe à
definição legal de despesa dedutível estabelecida pela legislação tributária
específica do PIS/Cofins, que exige que a despesa seja efetivamente incorrida”,
afirma.
Em seu voto, o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, diz que o caso
merece ser discutido em IAC porque “transcende os interesses das partes
envolvidas, com expressivo impacto econômico”. Apesar de não haver
“considerável multiplicidade, a atrair o rito dos recursos especiais repetitivos”,
afirma, seria preciso uniformizar a jurisprudência da Corte “a fim de conferir à
questão controvertida a necessária segurança jurídica, em detida observância ao
princípio da isonomia”.
A obrigação de provisionar despesas de PCLD vem da Resolução nº
2.682/1999 do Banco Central. O objetivo é resguardar o risco com operações
de crédito, diz o tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados
Associados. “É uma forma do Banco Central conferir mais segurança ao
mercado financeiro e para que bancos não tratem no seu balanço um crédito
bom, quando, na verdade, não é bom”, afirma.
Para ele, os valores da provisão devem ser deduzidos, pois decorre da atividade
de captação e aplicação de recursos. “A perda que acontece na ponta da
operação, quando se aplica o recurso para receber de volta com juros, mas que
não é pago pelo cliente, é tratada como despesa tanto na contabilidade como
na esfera tributária. Logo, é uma despesa incorrida em intermediação financeira
e pode ser deduzida.”
Cabral já teve êxito com o tema no Carf - o que foi citado no acórdão de
afetação pelo ministro Bellizze. Mas a decisão foi revertida na Câmara Superior,
a última instância do tribunal administrativo.
O tributarista Jhonathan Mayer, do Marchiori, Sachet, Barros & Dias
Advogados, diz que a Receita Federal sempre foi “bem restritiva” em relação
ao que pode ser deduzido da base de cálculo do PIS e da Cofins. “A
controvérsia é relevante porque pode reduzir significativamente a carga
tributária e ainda recuperar os valores dos últimos cinco anos”, afirma.
Mayer também defende que é uma perda, pois decorre do risco de
inadimplência em operações de intermediação financeira. “A Receita defende
que uma provisão não afetaria o resultado da instituição financeira, mas
claramente afeta, porque ela é obrigada a diminuir o resultado”, diz
O advogado Paulo Henrique Brasil de Carvalho, do Lowenthal Advogados que
atua pelo Daycoval no STJ, afirma estar confiante no julgamento, apesar da
jurisprudência contrária. “É um novo julgamento, começando do zero e com
novos players trazendo argumentos”, diz. Ele tem dois outros casos no
escritório, ambos com sentença desfavorável. E afirma desconhecer decisão de
segunda instância favorável - as de primeira instância que foram a favor foram
revertidas nos tribunais.
Diretora jurídica da CNF, Cristiane Coelho diz que a decisão do STJ será um
“marco relevante à segurança jurídica no país” e é preciso afastar “distorções
que afetem a concessão e o custo do crédito”. “A constituição da PCLD reduz
a oferta de crédito e eleva seu custo”, afirma.
Em nota, a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e
Investimento (Acrefi) diz que “a decisão do STJ trará relevante impacto
financeiro e regulatório ao setor uma vez que ela versará sobre a forma de
tributação e suas deduções das instituições financeiras, influenciando
diretamente nos seus resultados”.