30/05/2025

STJ exclui de recuperação créditos de cooperativas

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, pela primeira vez,
que os créditos de cooperativas não estão sujeitos aos efeitos da recuperação
judicial. Ou seja, o cooperado em processo de reestruturação deverá pagar toda
a dívida, sem os deságios e prazos prolongados previstos no plano aprovado.
O que se discutiu no STJ foi se contratos firmados com cooperativas de crédito
podem ser classificados como “atos cooperativos” - que, pela legislação, não se
sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.
O parágrafo 13º do artigo 6º da Lei nº 11.101, de 2005, inserido em 2020, diz
que “não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e
obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades
cooperativas com seus cooperados”.
Há divergência de interpretação sobre o dispositivo, segundo advogados.
Devedores entendem que essas operações de crédito teriam natureza mercantil
e se igualariam às de instituições financeiras - portanto, a dívida poderia ser
inserida na recuperação judicial. Já os credores entendem que são atos
cooperativos, os quais a lei de recuperação judicial prevê a exclusão desde o ano
de 2020.
Ainda de acordo com especialistas, juízes do Centro Oeste, principalmente do
Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, têm sido mais favoráveis aos devedores,
principalmente quando são empresas do agronegócio e produtores rurais,
admitindo a inclusão dos créditos. Em São Paulo, os precedentes são para
ambos os lados.
A avaliação é que a decisão do STJ, apesar de não ser em recurso repetitivo,
poderá influenciar os casos em curso, ajuizados após a mudança legislativa. E
inclusive desincentivar os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais
- grande parte do que devem geralmente é para cooperativas.
O caso julgado pelo STJ é do Grupo Baurular, varejista de construção com sede
em Penápolis (SP). Ela pediu recuperação judicial em fevereiro de 2022,
declarando dívida quase R$ 900 mil. Inseriu no processo créditos com a Sicredi
Alta Noroeste SP, da ordem de R$ 425 mil, e com a Sicoob Nosso, de R$ 1,7
milhão.
As cooperativas impugnaram a inclusão dos valores e obtiveram decisões
favoráveis na primeira e segunda instâncias da Justiça paulista. Segundo os
advogados do caso, os créditos já foram excluídos. Se tivessem sido mantidos
na recuperação judicial, sofreriam 70% de deságio e a primeira parcela só seria
paga em 22 meses, conforme prevê o plano de recuperação judicial do grupo.
No recurso ao STJ, o grupo diz que a cooperativa é uma instituição financeira,
equiparando-se a bancos, devendo o crédito ser tratado de mesmo modo.
Argumenta que a operação é similar à praticada pelo mercado, com condições
normais de juros e prazos.
Mas a tese não foi acatada pelo relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Para ele, o ato cooperativo, definido pelo artigo 79 da Lei nº 5.764/1971 (Lei
das Cooperativas), é qualquer ato realizado entre cooperativa e associados para
cumprir os objetivos sociais. Isso porque “os associados participam da gestão
da cooperativa e, ao mesmo tempo, utilizam de seus produtos e serviços, são
‘donos e usuários’”.
“Assim, não há como criar distinções entre os atos dos usuários realizados
dentro do objeto social”, diz Cueva, no acórdão (REsp 2091441 e REsp
2110361). Na visão dele, “é suficiente que os atos sejam praticados entre a
cooperativa e o cooperado para a consecução do objeto social para serem
considerados atos cooperativos, regidos pelo mutualismo”.
O advogado Fabiano Jantalia, sócio-fundador do Jantalia Advogados, que
defende a Sicredi Alta Noroeste SP no processo, afirma que a discussão é antiga,
mas ganhou relevância no último ano por conta do aumento expressivo das
recuperações judiciais, especialmente no agronegócio. “Acredito que a decisão
deve servir de desestímulo a pedidos de recuperação judicial no agro porque
grande parte das dívidas são com cooperativas de crédito”, diz Jantalia,
realçando o “timing” da decisão.
De acordo com o advogado, a jurisprudência, até então dividida, deve agora
seguir o posicionamento do STJ, mesmo que não seja vinculante. “A
jurisprudência era um pouco mais inclinada a favor dos devedores do que das
instituições, justamente com uma interpretação, a meu ver, equivocada”, diz
Jantalia.
Já a advogada Cybelle Guedes Campos, sócia do Moraes Junior Advogados,
discorda do entendimento. Para ela, é preciso distinguir o ato cooperativo
“puro”, com base no mutualismo, da atividade financeira típica de mercado.
“Na prática são idênticas às operações bancárias convencionais, com a cobrança
de juros e encargos financeiros que visam tão somente o lucro, e não são
revertidos em benefício dos próprios cooperados”, afirma.
Para ela, “o que deve ser levado em consideração é a análise substancial e
aprofundada da operação que de fato ocorreu e não simplesmente a tipificação
do contrato, com a análise formal e literal dos dispositivos legais”. A decisão,
adiciona, distorce o instituto do ato cooperativo, cria um desequilíbrio entre
credores e pode comprometer o próprio soerguimento da empresa.
Visão diferente tem o advogado Vladimir Lozano Junior, do Godoy Advogados
Associados, que defende a Sicoob no caso. “A alteração trazida pela lei em 2020
excluiu a cooperativa e atos cooperados da recuperação judicial. Então
entendemos que eles não podem mais ser submetidos aos efeitos da
recuperação”, diz Junior, que obteve entendimento favorável em outros casos.
Procurada pelo Valor, a defesa do Grupo Baurular não deu retorno até o
fechamento da edição.