STJ classifica LCI como crédito sem garantia na fâlência
Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que Letra de Crédito Imobiliário
(LCI) não pode ser classificada, em processo de falência de um banco, como
crédito com garantia real. Trata-se, segundo os ministros da 4ª Turma, de
um crédito quirografário e, portanto, sem privilégio na ordem de pagamentos.
A decisão, tomada ontem, mantém acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), que determinou que o crédito de uma pessoa física que comprou uma
LCI fosse classificado como quirografário (sem garantia) no processo
falimentar do banco BVA.
A LCI tem garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), mas até um limite
financeiro máximo, que, na época do processo julgado, era de R$ 70 mil - hoje
é de R$ 250 mil. A diferença precisou entrar no processo de falência e foi
registrada como crédito quirografário, que vai para o final da fila de
pagamentos.
Segundo a defesa da titular da LCI, patrocinada pelo Brajal Veiga Advogados,
a investidora que comprou a LCI acreditava estar investindo em um título com
garantias, uma vez que ele é obrigatoriamente lastreado em bens imobiliários.
O que o STJ entendeu, no entanto, é que o credor das relações garantidas por
direito real é a instituição financeira que concedeu financiamento a
empreendedores ou compradores de imóveis, e não o beneficiário da LCI.
Acompanhando o entendimento do relator, ministro Antônio Carlos Ferreira,
o colegiado entendeu que “não é possível equiparar o lastro da LCI ao direito
real de garantia” na falência, “por falta de vinculação direta do bem dado em
garantia de terceiro à relação decorrente da emissão da LCI”.
A ministra Isabel Gallotti apresentou uma ressalva de fundamentação para
apontar que a LCI pode ser considerada um crédito com garantia real quando
esse direito for pactuado entre o banco e o comprador do título. “Caso a
instituição financeira, ao emitir a letra, o fizer sob a forma nominativa, que
contiver a identificação dos créditos caucionados e seu valor, e cumprir os
requisitos do artigo 17 da Lei nº 9.514, vai dar em favor do adquirente da letra
de crédito, contra o banco, a garantia real”, disse a ministra.
No caso dos autos, porém, segundo a ministra, o banco emitiu as LCI sem
indicação dos créditos e sem registro junto ao Banco Central (BC) ou à
Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Para o ministro Antônio Carlos Ferreira, no entanto, o preenchimento desses
requisitos faria com que o investimento deixasse de ser uma LCI e passasse a
constituir uma Letra Mobiliária Garantida. “Esse título, que também se destina
à captação de recursos para instituições financeiras no mercado imobiliário,
possui arquitetura jurídica diversa que lhe assegura garantia reforçada de
pagamento”, argumentou. Esse foi o entendimento que prevaleceu no
julgamento (REsp 1773522).
Segundo Daniel Brajal Veiga, sócio do Brajal Veiga Advogados, que defendeu
a investidora no processo, seria prematuro comentar o resultado do julgamento,
já que o acórdão ainda não foi publicado. “Esperamos que o STJ, após o
julgamento de eventuais recursos ainda cabíveis, resolva e pacifique as
incertezas sobre a natureza e a classificação dos créditos representados por
LCI”, diz.
De acordo com especialistas, esse é o primeiro precedente colegiado do STJ
sobre o assunto. Livia Bíscaro Carvalho, coordenadora da área cível do
Diamantino Advogados Associados, lembra de uma decisão anterior,
monocrática, que tratou do tema (AREsp 1432009).
No caso, o ministro Marco Buzzi manteve entendimento do TJSP de que a LCI
não pode ser equiparada a direito real “apenas porque apresenta lastro em
créditos imobiliários (estes sim garantidos por hipoteca ou alienação fiduciária
de imóvel)”.
Leonardo Rosler, sócio fundador e gestor da RCA Advogados, aponta que o
principal efeito do julgamento foi determinar que o investidor que compra LCI
não deve pressupor que goza de garantia individual para além do limite
garantido pelo FGC.
“O sistema legal prevê, essencialmente, a afetação dos créditos imobiliários ao
cumprimento global das obrigações do emissor, não a uma consolidação de
direito real em favor de cada adquirente do título”, explica.
Assim, acrescenta, a decisão do STJ diferencia a titularidade dos créditos
imobiliários mantidos na carteira do banco, que servem de lastro ao título de
investimento, e a relação jurídica entre o investidor e a instituição financeira.
“Em outras palavras, a garantia real do empreendimento está vinculada ao
banco emissor, e não diretamente ao investidor pessoa física.”